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RAMOS DO DIREITO E DIREITO ADMINISTRATIVO

RAMOS DO DIREITO E DIREITO ADMINISTRATIVO

§13. OS RAMOS DO DIREITO E O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RAMO DO DIREITO PÚBLICO. A MACRODISTINÇÃO ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO

 

 

 

Esta divisão do direito em ramos tem sentido numa perspectiva de divisão de matérias, desde logo para efeitos de estudo, efeitos didácticos, ensino, pedagógicos e até para efeitos do estudo de investigação em domínios mais abarcáveis, por quem faz, na medida em que o estudo conjunto incindível de todo o conjunto de normas que formam parte do direito aplicável num país, não é só o direito criado nesse país, seria algo sobre humano.

 

Mas, em certas situações, revela-se importante em face da especialização do sistema jurisdicional, quer no plano judiciário quer processual (tribunais administrativos e direito processual nos tribunais administrativos, tribunais fiscais e direito processual tributário, tribunal constitucional e respectivo processo, direito laboral e direito processual do trabalho, tribunais de comércio, etc.).

 

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Fora das exigências impostas por necessidades racionalizadoras de funcionamento do sistemas jurídico, serão razões ou de ordem científica ou meramente de ordem prática, que levam a que se proceda, desde logo nos estudos nas universidades, mas também nos estudos de aprofundamento dos estudiosos, dos investigadores e, muitas vezes, até pelos aplicadores do direito, a que proceda a esta divisão.

 

Em termos de grandes divisões de todo o direito aplicável em Portugal e nos vário países, digamos que há especificidades que nos são bem comuns com países de União Europeia, embora haja sempre áreas como o direito internacional que é aplicável, em principio, em todos os países do mundo.

 

Mas pode haver matérias do direito internacional que são regionais, o direito europeu, por exemplo, já não se aplica nos países Americanos ou Asiáticos.

 

As grandes divisões, poder-se-á dizer que umas segundo o critério das suas fontes criadoras, porque todos estes ramos são aplicáveis em Portugal, mas, em função das fontes criadoras nacionais e acima do nosso país, podemos fazer esta grande divisão, daquilo que é o direito supra nacional e o direito nacional.

 

Direito nacional é aquele que é criado por instituições que estão fora do estado Português, e que no fundo têm uma posição supra ordenadora no plano normativo, estão acima do Estado.

 

Teremos, depois, uma divisão, já do direito português com um outro critério, o critério material, e aqui a grande divisão entre direito público começa por ser entre direito público e direito privado no caso português, nos países anglo-saxónicos esta divisão nem sequer existe, todos os tribunais julgam tudo, não tribunais administrativos, são os tribunais comuns que julgam todas as matérias.

 

Mas, no caso europeu continental, em que nos integramos, esta grande divisão interessa excepcionalmente, porque tem repercussões, em vários domínios de natureza legislativa.

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Todo o direito aplicável em Portugal ou por Portugal, sofre uma grande divisão, entre o direito de origem supranacional e o direito de criação nacional.

O direito supranacional é aquele que é criado por instâncias que estão acima do Estado. Este também participará, mas é criado na sociedade internacional.

E, desde logo, temos o direito internacional público, e, também, normas criadas nas Instituições da EU. E temos aqui o direito da EU, que comummente tem vindo a ser designado como direito comunitário (direito comunitário europeu).

 

Esta grande divisão tem um interesse no que diz respeito à fixação das jurisdições de resolução de conflitos: o tribunal internacional de Haia ou arbitragem internacional e o Tribunal de Justiça da união Europeia, que conta hoje com uma Primeira Instância, sem prejuízo dos tribunais nacionais integrarem este complexo jurisdicional, obrigados como estão a aplicar o direito de fonte Comunitária Europeia.

 

 

Mas, independentemente de o direito ser de fonte nacional ou supranacional, temos uma macrodivisão, que já vem do tempo do Direito Romano, entre o direito público e o direito privado.

No entanto, esta divisão não aponta propriamente para ramos de direito.

Ela vai permitir que se faça uma divisão em ramos de direito público e ramos do direito privado.

 

Mas, previamente, coloca-se, naturalmente, a questão das fronteiras, ou seja, da distinção entre direito público e direito privado, que não são ramos temáticos mas áreas de agregação de ramos com fins variados, especialmente judiciários.

 

Elas são, pois, duas grandes agregações do direito, dentro das quais há ramos a integrar conforme a respectiva classificação for de direito público ou de direito privado.

E, às vezes, há ramos materiais de direito que, por integrarem normas de uma e outra divisão, importa catalogar como ramos de direito eclético ou misto, o que, portanto, já tem que ver com o facto de uma matéria ter simultaneamente normas do direito público e de direito privado.

 

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Começando por arrumar mentalmente esta grande distinção do direito nacional, podemos dizer que ela também aparece e pode ser detectada em parte em termos de direito Internacional e de direito da União Europeia.

Ali temos, v.g., normas mercantis, aqui encontramos normas sobre sociedades, sobre concorrência no plano da boa fé (que não são normas públicas de defesa do mercado, enquanto instituição pública), normas também do direito privado e criadas a nível da União Europeia.

O resto ou são normas de organização da UE, as suas normas constitucionais, tratando dos órgãos e seu funcionamento, ou são normas do direito administrativo, que somam a maioria do direito da União, tal como acontece com as do direito internacional público.

 

Vamos tentar ver como é que, doutrinalmente, pode ser enquadrada esta divisão.

Como podemos ter um critério que nos permita encaixar num domínio do direito público certas normas e no domínio do privado, outras, com implicações variadas, critérios de interpretação, preenchimento de lacunas?

Quais os juízes, os tribunais competentes para decidir nessa matéria, etc. etc.

 

Costumam ser apontados dois critérios.

Eu apontaria quatro, o que, na minha maneira de ver, resolve melhor esta macrodistinção.

 

Vejamos. O grande critério histórico, nascido no tempo dos romanos, expresso pelo grande Jurisconsulto ULPIANO, que faz essa distinção: é o critério dos interesses.

 

Em Portugal, ele foi seguido por um grande administrativista do século passado, o professor MARCELO CAETANO, o critério dos interesses envolvidos.

 

Dizia ULPIANO que “Publicum jus est quod statum rei romanae spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem pertinet”. Portanto, segundo ULPIANO, o direito público protege os interesses públicos do Estado, e o direito privado protege, disciplina, os interesses que são privados, os interesses dos cidadãos.

 

Um primeiro critério, bem assente na história, ainda hoje será o que colhe a maioria da doutrina pública e privada, designadamente em Portugal: é o critério do interesse prosseguido pela norma.

 

O que importa começar por referir, é que este critério tem muito de verdade: este critério é, em geral, em princípio, correcto. E, por isso mesmo, tem sido considerado adequado, na doutrina em geral, que o colhe e o constrói a partir da grande maioria dos casos e na grande maioria das normas analisadas. V.g., no caso das normas administrativas sobre Câmaras Municipais, das normas constitucionais sobre o Presidente de República, das normas penais (sobre criminalidade), das normas fiscais (sobre impostos), etc., tidas como não integrando o direito privado, o critério revela-se correcto, adequado.

 

Mas acontece que há casos em que o critério falha, o que significa que não é um critério de valor absoluto.

 

Ora, quando um critério necessita de ser colmatado, completado, é insuficiente. E quando, gritantemente, ofende um conjunto significativo de casos, importa mesmo alterá-lo.

 

E acontece que se constata que há interesses particulares que acabam por não ser defendidos por normas de direito privado.

 

O direito processual civil é composto de normas de direito público e, no entanto, destina-se a regular os conflitos que correm nos tribunais e que têm que ver com particulares, visando dirimir esse conflito e evitar a vindicta privada ou evitar a resolução privada, à base da lei do mais forte.

As suas normas são normas do direito público de grande interesse para a aplicação da justiça na sociedade, que é um dos grandes fins do Direito.

Ligam-se ao interesse em manter a paz social, que é um interesse eminentemente público, o qual levou à construção das normas judiciárias e processuais, ou seja, normas sobre os tribunais, sobre instâncias imparciais de resolução de conflitos, roubando a sua resolução, meramente, às partes e impondo-a entre privados. E, no entanto, são normas do direito público.

 

Assim, como há normas em codificações de direito privado, que se impõem na esfera meramente privada dos particulares, mas que são normas que mexem fortemente com o interesse público, e, no entanto, não deixam, por isso, de ser de direito privado[1]. Ou seja, há, aqui, algo que ultrapassa a pura dinâmica dum interesse privado, e, no entanto, as normas consideram-se normas de direito privado.

 

Há outras normas, que são, simultaneamente de interesse e ordem pública ou de interesse privado e ordem pública, o que levou alguma doutrina a construir um novo critério, o critério do sujeito das relações jurídicas.

 

Com efeito, uma certa doutrina abandonou o critério do interesse, na medida em que ele não resolve, e, portanto, não tem valor científico. E, por isso, avança-se com este critério do sujeito.

Segundo ela, as normas serão do direito público se disciplinam relações jurídicas que se estabelecem entre sujeitos, em que ambos ou, pelo menos um, são sujeitos do direito público, o Estado, as autarquias, as entidades de Administração indirecta, Regiões, Municípios, etc..

 

E, nesta perspectiva, seriam, então, normas de direito privado aquelas em que ambos os sujeitos da relação jurídica fossem sujeitos privados. Se ambos os sujeitos são sujeitos de direito privado as normas que eles aplicam são de direito privado, mas se ambos, ou um deles, forem sujeitos de direito público, então as normas aplicáveis nas suas relações são de direito público.

Este critério, avançado por alguma doutrina mais recente, é um critério que é correcto num grande número de casos, mas também ele falha, porque há casos em que ele não é verdadeiro.

Com efeito, há situações em que o Estado ou outras entidades públicas infra-estuduais decidem, apesar de os sujeitos serem de direito público ou um deles o ser, ao abrigo de normas do direito civil.

Significa isto que, apesar de serem entidades públicas, ou, pelo menos, uma é-o, no entanto, a norma reguladora da sua actuação é de direito privado, seja de direito comercial, seja civil. Há, pois, aqui uma excepção neste sentido.

 

E há casos em que ambos os sujeitos de uma relação jurídica de direito público são também meramente particulares, como acontece quando uma entidade exploradora de uma auto-estrada é uma entidade do direito privado concessionada, seja propriedade do Estado ou não. Neste caso nem sequer sendo uma empresa legalmente classificável como entidade pública de direito privado.

Com efeito, mesmo que o Estado ainda tenha participação no capital das sociedades de direito comercial, elas além da comparticipação pública nos capitais (conjuntamente com capitais privados e até estrangeiros), são sociedades anónimas, de direito privado, tenham capitais públicos ou não.

Do outro lado, estão utentes, que são cidadãos, e, no entanto, as auto-estradas são bens de direito público, e o direito aplicável, os seus regulamentos, são públicos.

O mesmo acontece com, v.g., uma universidade privada, que é uma entidade de direito privado ou cooperativo, e os estudantes são obviamente sujeitos privados; mas a relação estabelecida entre estudante e a universidade, no que toca ao ensino, desde que ela seja reconhecida pelo Estado para dar cursos, de utilidade pública, é de direito público, aplicando-se-lhe o direito administrativo e não o privado. Há aqui entidades do direito privado dos dois lados, mas acontece que, se uma delas estiver no exercício da Função Administrativa do Estado, o critério já não tem sentido, falha.

 

Em face disto, não pode aceitar-se, cientificamente, nem o critério do interesse, nem o do sujeito da relação jurídica.

 

Perguntar-se-á: será aceitável um critério complexo, em que a distinção fundamental entre o direito público e o privado assente numa combinação dos dois critérios: o critério do interesse com o critério da qualidade do sujeito.

 

FEITAS DO AMARAL, referindo que defende esta solução, afirma que ela é combinada, mas acaba, de facto, por se afastar e bem da qualidade jurídica da entidade interveniente, dando um sentido diferente ao critério do sujeito, ao fazer apelo à qualidade da intervenção e não do actor, à qualidade em que a entidade age, com recurso ou não a poderes de autoridade, independentemente da qualidade de entidade pública ou privada que se tenha.

Com isto não afasta as entidades privadas que exerçam poderes públicos.

 

Com efeito, importa esclarecer que, na aplicação do direito público, até podem estar implicadas duas entidades privadas, uma delas exercendo uma tarefa da Função Administrativa do Estado-Comunidade, à base de um contracto de concessão, o que também põe em causa o critério do sujeito, mas não o da qualidade interventiva, apenas dependente de um deles intervir ou não com recurso a poderes de autoridade.

 

Sendo assim, se uma autoridade de direito público não exerce o poder de autoridade, admitindo que isto lhe dá uma qualidade interventiva que já não seria do direito público, também é possível que a relação se passe entre duas entidades de direito privado, em que uma delas exerce a função administrativa, não usando poderes de autoridade.

Pode exercer tarefas de interesse público sem usar poderes de autoridade, pois, tal como um sujeito de direito público pode não usar poderes de autoridade, também um sujeito de direito privado, no exercício de uma função pública, pode não usar poderes de autoridade. Isto é, ou usa normalmente direito Administrativo ou usa direito privado.

Ou seja, mesmo quando uma entidade pública recorre ao direito administrativo, ou quando uma autoridade privada, no exercício de uma função administrativa, é concessionário de um serviço público, de um serviço público ou da exploração de um bem público, e, por isso, está no exercício de uma função administrativa pública; essa entidade pode não recorrer aos tais poderes de autoridade.

 

Mas, além disso, importa ainda esclarecer que, seja ela de direito privado ou público, ao recorrer ao direito privado nunca estará a aplicar o mero direito privado, ou seja, um regime normativo igual àquele a que recorrem os cidadãos, porque há uma norma na Constituição que diz que toda a entidade, que exerça funções administrativas públicas, tem que respeitar o princípio da igualdade, o princípio da imparcialidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da justiça, da boa fé, etc., isto é, tem que aplicar os vários princípios que são fundamentais no desenvolver da actividade da Administração pública.

 

Isto significa que, mesmo quando uma entidade, no exercício da função administrativa, aplica o direito privado ela não o aplica da mesma maneira que uma empresa privada.

Um empresário privado, ao aplicar o direito privado, pode escolher e contratar para seu director ou para um quadro da sua empresa o seu filho, primo, pai, quem ele quiser, já que a empresa é dele. Se contrata alguém sem mérito, sem experiência ou sem capacidade, o prejuízo será dele.

 

O Estado não pertence aos seus dirigentes, que são meros representantes e actores na prossecução do interesse colectivo e, por isso, mesmo agindo em direito privado, não o podem fazer na qualidade de privados, que não assumem, v.g., contratando trabalhadores em direito privado sem qualquer limite em termos de quantidade ou qualidade. No mínimo ter-se-á que fazer preceder esse acto de um processo objectivo, simplificado que seja, de selecção, um processo de escolha que respeite o princípio da igualdade e o do mérito.

 

O Estado tem de dar hipóteses de emprego a todos os cidadãos em condições de igualdade, ou seja, respeitando o princípio da igualdade e da imparcialidade, enquanto uma empresa privada, em princípio, pode tratar de modo desigual os pretendentes a emprego, os seus compradores de bens ou utilizadores de serviços, respondendo apenas perante os seus fornecedores ou trabalhadores quando desrespeitem as normas legais ou contratuais que envolvem a relação comercial ou laboral.

Pode, v.g., se assim o entender, vender a um preço mais caro a um comprador do que a outro. O que não pode é deixar de pagar aos fornecedores o que compre, aos trabalhadores a remuneração mensal ou aos prestadores de serviços o valor acordados por estes

 

O direito privado, quando aplicado por uma entidade que desempenha a função administrativa, é um direito privado administrativizado.

 

Em face disto, podemos aceitar o critério resultante do tipo da função exercida por um dos sujeitos da relação jurídica e da natureza dos interesses protegidos. Isto é, não importa se uma entidade tem em si mesma uma dada qualidade.

A qualidade do sujeito, se é do direito público, criado ao abrigo do direito público ou do direito privado, não é isso que lhe dá qualidade diferente ao direito que usa. Nem mesmo o facto de aplicar ou não poderes de autoridade. O Estado não deixa de ser Estado por aplicar o direito privado e não exercer poderes de autoridade.

 

De qualquer modo, a distinção só pode passar por um critério misto, seja o do tipo da função exercida por um dos sujeitos da relação jurídica ligada à natureza dos interesses envolvidos, dos interesses a proteger, ou outra tida como mais correcta.

 

O critério dos interesses, conjugado com o da qualidade da intervenção, com poderes ou não de autoridade, parece só formalmente ser um critério misto, pois o recurso a poderes de autoridade pública só é concebível por parte de entidade no interesse público, no desempenho de «funções administrativas públicas, pelo que se reduz de facto a um critério unicitário, que dispensa a invocação do elemento de interesse público, que lhe é ínsito.

 

Podem ser interesses públicos da colectividade, a defender por entidades públicas, ou podem ser, até, interesses desta ordem a defender normalmente por privados, interesses colectivos e difusos, como os da defesa do ambiente, do urbanismo, do ordenamento do território, defesa do património cultural, defesa de bens do domínio público, que nunca utilizaram poderes de autoridade e, no entanto, aplicam direito pública etc..

 

O que mostra que o critério, mais do que cumulado, combinado, seria alternativo: nuns casos -basta o interesse público a realizar-, e pode até não coincidir com a existência de poderes de autoridades; e, noutros, coincidem ambos os elementos.

 

No fundo há que fazer intervir ou o critério da natureza do interesse a proteger (que podem ser públicos, difusos ou colectivos de base territorial), ou o critério da função pública exercida juntamente com a qualidade em que o sujeito intervém, sem prejuízo de haver situações de cumulação destes elementos, o que, de qualquer modo, não ocorre sempre.

 

A questão do interesse, parece-me, realmente, completamente inultrapassável.

Não pode deixar de ser chamada à colação, contrariamente àqueles que defendem o mero critério do sujeito.

Mas, o critério do interesse sozinho não resolve muitas das situações, o que explica a sua contestação por uma parte da doutrina, que se virou para o critério do sujeito.

 

No entanto, se o critério do sujeito tem algum sentido é numa formulação que, tendo que ver com o sujeito de direito público ou privado, também não deixe de ligar, não propriamente à qualidade do sujeito, mas ao tipo de intervenção a que recorre, com exercício ou não dos poderes públicos, o que não muda a qualidade do sujeito.

 

É o tipo da função exercida, qualquer que seja a qualidade do sujeito, que é um elemento decisivo.

Ou seja, mais do que a questão do sujeito, é o tipo da função exercida por um qualquer sujeito que conta.

Aqui, no fundo, desvaloriza-se o critério do sujeito, na medida em que o sujeito apenas decide sobre os poderes que pretende ou não usar, mas os poderes não se confundem com o sujeito.

 

Mas se se preferir, dir-se-ia que, no fundo, atende-se à qualidade em que o sujeito público ou privado intervém em cada relação jurídica.

E diz-se que, se o Estado ou um ente público menor, um outro ente administrativo, intervém em dada relação dotado de poderes de autoridade sobre os particulares, numa posição de supremacia jurídica, quanto a eles, aí temos direito público.

Mas se o Estado, ou uma outra entidade, intervém em dada relação sem poderes de autoridade, isto é, com recurso ao direito privado, aí temos um critério que, no fundo, não fica em causa, na medida em que ele não intervém na qualidade de ente público, não intervém numa qualidade de titular de poder de autoridade. Parece ser este o critério de Feitas do Amaral

 

É uma solução que evita as dificuldades dos critérios anteriores, mas, de qualquer modo, analisando esta construção teórica, importa esclarecer que, mesmo quando um órgão da Administração Pública intervém em posição de mero recurso ao direito privado, não despe totalmente a suas vestes públicas.

Se assim fosse, porque existem condicionantes, consequências e particularidades, que sempre acompanham a sua actuação, mesmo agindo em gestão privada? V.g., existe, por imposição do direito administrativo, o direito de reversão de um bem imóvel adquirido em processo contratual amigável em qualquer cartório entre uma Administração e um proprietário, que evitou uma expropriação jurisdicional, se depois o bem ficar sem utilização no período de dosi anos ou não for utilizado para o fim enunciado? Com um outro adquirente tal não teria sentido.

E porque deveria, então, aplicar-se sempre os princípios públicos da actividade administrativa, nos termos impostos pela Constituição e pelo Código do Procedimento Administrativo?

 

No fundo, ente público é sempre. Mas não intervém dotado de poder de autoridade.

Não recorrendo ao direito administrativo, que lhe dá poderes especiais, lhe permite a imposição de soluções, então não interviria nessa qualidade, mas interviria como sujeito privado.

 

A Administração, mesmo agindo com recurso ao direito privado, não despe as vestes de entidade pública. Nunca será um actor a comportar-se em qualidade não pública.

Ou seja, nunca deixa de ter a qualidade pública e nem sequer intervém despido dessa qualidade

 

No entanto, parece-nos que sempre haveria que se corrigir a designação do critério, pois a qualidade dele não deixa de ser de direito público, a sua intervenção concreta é que não o seria a esse título estatutário.

 

E, então, deveria dizer-se que seria o critério combinado do interesse público com a qualidade concreta da intervenção do sujeito (e não dele enquanto tal), que prossegue tal interesse público.

 

Dito isto, vamos, então, dar a definição de direito público e de direito privado.

 

Poder-se-ia definir estes dois blocos do ordenamento jurídico segundo o critério do conferimento ou de poderes de autoridade, dizendo que o direito público é o conjunto de ramos jurídicos, que tendo em vista a prossecução do interesse colectivo, conferem para esse efeito, a um dos sujeitos da relação jurídica, poderes de autoridade sobre o outro?

 

Por um lado, o direito público não é um ramo de direito e o privado, também não.

São sub-conjuntos do ordenamento jurídico resultantes da agregação parcial dos ramos de direito, sendo certo que existem áreas ecléticas, cujo estudo global será incompleto sem a consideração conjunta de normas de direito público e normas de direito privado.

 

Por outro lado, a referência a poderes de autoridade também não parece totalmente correcta, por não ser decisiva na caracterização do exercício de todos os poderes públicos e do conjunto das normas do direito público; mas é usada nalguma doutrina para evitar o critério tradicional do interesse que é em si insuficiente ou optar por um critério meramente formal para fundar essa macrodistinção.

 

No fundo, trata-se de uma summa divisio, sendo certo que se não fossem preocupações de demarcação por exigência do direito judiciário, podíamos abstrair desta grande primeira divisão, em termos das divisões dos ramos de direito.

Ou seja, só a mantemos porque ela tem várias implicações na organização e poderes dos tribunais e sua jurisdição, os quais vão tratar diversificadamente, de imediato ou em última instância, os vários ramos materiais do direito, quer no caso português, quer doutros Estados da Europa Continental.

 

Feitas estas reservas, diria que:

a)- o direito público deve ser considerado como o conjunto de normas jurídicas que disciplinam directamente interesses de natureza pública e a organização e exercício de funções públicas exercidas com poderes de autoridade; e

b)- o direito privado é o conjunto de normas jurídicas que regulam a actividade intersubjectiva dos particulares (entre uns e outros), sem intervenção dos poderes públicos, e que, mesmo que integrem soluções no interesse público, o fazem sem recurso a poderes de autoridade pública.

 

No que diz respeito ao direito administrativo, este é um ramo do direito público. Vamos dar a sua definição.



[1] V.g., as regras do direito civil que visam proteger os interesses dos filhos menores, em caso de separação ou divórcio dos pais; as normas de direito civil que dizem que o Estado é o sucessor da herança de alguém no caso de não haver herdeiros; e, até mesmo, as normas do direito civil que, em Portugal, impõem a legítima, para que os titulares de bens não possam deserdar completamente os seus filhos.