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PORTUGAL EM CRISE IV - ADMINISTRAÇAO PÚBLICA, POD

PORTUGAL EM CRISE IV - ADMINISTRAÇAO PÚBLICA, POD

II – DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNANÇA EM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO. HIPERTROFIA NORMATIVA E ADEMOCRATICIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. DA DEMOCRACIA, TRANSPARÊNCIA E LEGITIMIDADE FUNCIONAL

 

2.1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNANÇA EM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO. HIPERTROFIA NORMATIVA E ADEMOCRATICIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 

Antes da afirmação dos regimes democráticos da época moderna, havíamos vivido com monarquias absolutistas, no comummente chamado “Estado de Polícia”, não no mero sentido de Estado de Política (de πολίσ, polis; governo da cidade), mas de aparelho administrativo actuando livre de condicionalismos legais. Só dependente da vontade casuística dos governantes, que a si próprios se isentavam da submissão às regras criadas por eles para os cidadãos.

Ou seja, num sentido distinto do “Estado de Direito”, que seria imposto, posteriormente, pelas revoluções liberais, em que a todos se reconheceram direitos, liberdades e garantias, com a Administração pública quotidiana submetida a um direito administrativo substantivo relacional, criado prévia e paulatinamente e aplicado em sistema representativo e com poderes relativamente separados e interdependentes.

Mas, hoje, ocorre a hiperbolização do direito escrito e das políticas públicas e da sua consequente deficiente aplicação, com o incremento generalizado da intervenção material e da tipologia formal da Administração em todos os aspectos da vida em sociedade, a multiplicação e predomínio dos poderes económicos e extra-estatais num mundo globalizado, com deficit ou confisco do poder político representativo.

Com efeito, este, de facto, por inércia ou impotência real, controla cada vez menos a formulação da vida em sociedade, pese a uma contínua hipertrofia legislativa e a evolução para um “Estado de Direito das Políticas Pansectoriais”, agregadas (ou não, a nível nacional e infra-estatal, muitas vezes, de modo apressado, rígido e sem correcta avaliação periódica), desde logo no conceito de ordenamento do território e de regulação sobre política regional, quando não com a renúncia à regulação, tudo num ambiente de ameaça generalizada no âmbito do ambiente, da alimentação-saúde e a corrupção do sistema e dos seus servidores.

Segundo a politologia actual, a questão da formulação das políticas públicas pelo poder representativo eleito é uma pedra essencial da definição do conceito de democracia moderna, ao ponto de alguns desclassificarem todos os regímenes democráticos do século XIX e mesmo grande parte dos do XX, que seriam denomináveis como liberais em contexto autocrático e assim não democráticos, em função de vários critérios de exigência que partem da teorização de R. DAHL, etc., sem deixar de considerar os regimes peninsulares democráticos neste sentido moderno[1].

Mas, se este elemento é essencialista, sin qua non, então importa analisar a questão da duvidosa democraticidade dos processos de produção de políticas públicas.

Como é referido pela maioria dos especialistas, as Políticas Públicas habitualmente são elaboradas e controladas por intervenientes singulares e colectivos sem nenhum mandato eleitoral, sem responderem pelas suas escolhas e actos perante os cidadãos.

Os influentes sistemas de redes temáticas de produção de políticas públicas são fundados ou pretensamente fundados no saber, o que tende a dificultar a política democrática.

A responsabilização política depende do modelo de produção prevalecente: no raramente vigente party governenment, cabinet government, a responsabilidade poderia ser clara, rápida e periodicamente imputada; no corporativo, ainda se pode responsabilizar os governos pelos acordos feitos com os parceiros sociais (sindicatos, empresários), que têm de responder perante os seus associados, com possível repercussão na opinião pública; mas, com acontece correntemente, em qualquer outro modelo, a atribuição da responsabilidade política democrática é substancialmente quase impraticável.

A multiplicidade de actores, constatável nos triângulos de ferro ou nas redes temáticas ou na policy communnities, não responde perante nenhum público pelas suas decisões, opções, opiniões, pressões. Em verdade, o aumento do número de intervenientes traduz-se em aumento de dificuldade na atribuição de responsabilidades.

 

Uma visão geral realista dos sistemas políticos contemporâneos sobre as políticas públicas parece indicar que a totalidade ou quase totalidade de Políticas Públicas são formuladas, escolhidas e executadas essencialmente de forma ocasional, episódica e ademocrática.

Ou seja, isto é um domínio em que, em todo o “mundo”, o poder costuma encontrar-se noutro mundo. Embora não possa negar-se conexão entre políticas públicas e participação ou pelo menos satisfação dos cidadãos, a sua avaliação muito dificilmente se poderá fazer em termos de produção de Políticas Públicas responsabilizantes dos representantes eleitos pelo povo.

 

Vivemos em Estado de Direito necessitado de ser relegitimado, rebaptizado, com apego também ao conceito de governança[2], em desenvolvimento de tarefas já fixadas nas constituições programáticas da actualidade.

Sendo de Direito, ou é não só de uma pluralidade de fontes, mas também com muitas fontes não impositivas: prospectivas, “pedagógicas”, flexíveis, criadoras de uma normatividade de enquadramento ou meramente soft. Já não só de hard law. Dentro de um poder estatal, já não de government, com exercício pleno de autoridade, comando e controlo, e antes de governança, orientação, incentivo, promoção, negociação, concertação, racionalização. Menos de imposição e mais de pilotagem de um modelo de sistema que partilhe a autoridade, ao reconhecer que não a pode exercer ou já não a está devidamente controlando nem administrativamente nem jurisdicionalmente. Mas, também, de maior exigência de responsabilização e, portanto, de transparência, informação, participação. Isto impõe novos institutos perante a afirmação de uma democracia de factopararepresentativa, e, por isso, necessitada, complementarmente, de uma Administração mais democratizada, mais participativa e mais aberta ao conhecimento do seu funcionamento.

 

2.2. DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE FUNCIONAL E TRANSPARÊNCIA

 

2.1.1. Hegemonização partidária e degradação da democracia representativa

 

A plena realização do regime democrático levanta hoje algumas questões que, ultrapassando a mera divisão e legitimação originária dos poderes, exigindo também e cada mais uma legitimação funcional (o bom exercício dos cargos), questão que os controlos institucionais clássicos hoje não resolve, implicam a procura de novos caminhos.

Com efeito, a democracia representativa, ao deparar-se com o sistema de hegemonização partidária da actual vida política, revela limites insuperáveis que, para não destruir os fundamentos da construção representativa, impõe alternativas de controlo directo pelos cidadãos em áreas importantes de sua vida quotidiana.

Tudo isto, agravado pelo facto dos próprios agentes administrativos, colaboradores mais próximos dos dirigentes eleitos (directores de serviços ou gestores públicos, etc.), numa Administração que ocupa, cada vez mais, espaços de interferência social (embora teoricamente dependentes da orientação do poder político), permanecerem nos lugares do exercício do poder administrativo, por direito próprio «laboral-público», o que dá a ideia de um aparelho burocrático que comanda os destinos do país. E isto independentemente da rotação dos governos, a que resistem e inclusive bloqueiam, quando, pela experiência derivada da continuidade prolongada de funções, não chegam ao ponto de «aconselhar», «propor», «dirigir» ou “boicotar”.

De qualquer modo, estes fenómenos conjugados dão a noção de que o poder do Estado está só no duo-uno Governo-Administração, articulado de modo a distribuir os poderes político e administrativo.

Portanto, se, nos parlamentos, os representantes do povo não são capazes de efectuar o devido e oportuno controlo da Administração Pública, quê poder exercem os cidadãos, face a esta inadequação dos tradicionais canais de representação e agregação de interesses, acompanhada pela necessidade crescente do contacto directo entre o sistema social e o sistema político-administrativo?

Com a complexificação e banalização da intervenção administrativa, hoje de natureza não só policial (circunscrita dos espaços de iniciativa dos cidadãos), mas também incentivadora, programadora, planificadora, sancionadora, conciliadora, produzem-se permanentemente fenómenos de problematização das decisões da Administração, especialmente das unilaterais, e de desrespeito pelo sistema legal, designadamente sancionador.

Tal aponta para uma necessidade urgente de novos instrumentos de adesão do cidadão aos actos singulares e normativos desta e crescentemente da via contratual. Mas isso implica a afirmação do princípio do mais amplio conhecimento de sua actividade, traduzido em direitos ao saber, o que as novas tecnologias da informação permitem que a Administração moderna satisfaça facilmente.

A onda crescente de interesse pelo conhecimento da actividade administrativa e pela organização do poder a todos os níveis leva a reconsiderar a acção dos poderes públicos E, em particular, da Administração Pública, em ordem a concretizar, finalmente, uma ideia basicamente democrática de Administração como actividade dirigida a um fim, como função orientada a fins sociais.

Esta reconsideração da Administração está confirmada pela evolução das relações Administração-cidadãos, reconformados progressivamente numa tendencial posição de paridade, fenómeno que começou a ter repercussão sobre o mecanismo do procedimento administrativo e mesmo do processo nos tribunais administrativos. O procedimento aparece, hoje, concebido como técnica de composição dialéctica e paritária dos múltiplos interesses em jogo e como técnica de redistribuição do poder, em clara desvalorização da actividade administrativa autoritária do acto administrativo como centro de avaliação do seu processo de formação, ao ponto de o procedimento administrativo, originário ou derivado, de prolação das decisões do poder passar legalmente a procedimento contratual (para agilizar e melhor conformar as soluções e não, como por vezes ocorre, para frustar os condicionamentos e ultrapassar os requisitos da legalidade decisória da Administração).

Aqui se situa o discurso da actuação dos mecanismos de “participação” (relacionados com os da informação, actuando como propulsora da actividade prepositiva) e de controlo dos cidadãos perante a Administração Pública, com a realização do ideal da democracia como um poder visível.

A Administração Pública é uma função por conta do povo. E, por isso, há um direito ao conhecimento do exercício das suas actuações.

Mas o movimento político-cultural ocidental que o tem imposto, e que resulta da crise do Estado representativo, de democracia representativa, exigindo uma devolução dos poderes de controlo directamente ao povo, só há pouco começou a influir nos diferentes Estados do Sul da Europa, prefigurando o desmoronamento do modelo relacional, em que se baseou a Administração Pública ao longo dos séculos, inclusive em regime democrático.

Há muito que, no plano do exercício do poder político, os súbditos passaram a cidadãos. Mas, no plano administrativo, estes apenas foram sendo considerados administrados (mero sujeito passivo da actividade autoritária da Administração) e, mais recentemente, utentes de uma Administração que quer dar uma imagem positiva de entidade prestadora de serviços.

No entanto, seja para supervisionar e responsabilizar directamente a Administração, que interfere nos problemas correntes, ou enquanto administrados e utilizadores, ou como meros membros da sociedade a quem o actuar dessa Administração não pode ser indiferente, estes conceitos de administrado ou utente não podem substituir o de cidadania perante todos os poderes do Estado, incluindo o poder administrativo.

 

2.2.2. Crise da prática democrática

 

Quanto à crise da prática democrática, estamos num impasse, numa espécie de eclipse, pois as instituições tradicionais e fundamentais da democracia liberal não funcionam com eficácia para canalizar as preocupações da cidadania para políticas públicas legitimadas.

Num momento em que a agenda da vida pública se centra na participação dos cidadãos e no controlo da actividade dos agentes públicos, a informação esclarecedora, verificável e adequada tem que ser facultada, o que implica que a regra seja a publicidade e o segredo a excepção.

Como se tem afirmado generalizadamente, no modelo de Administração hierarquizada e fechada sobre si mesma, a falta de transparência sobre o seu funcionamento e as suas actividades, a opacidade sobre a informação possuída, foi ilegitimamente mesmo em democracia concebida como uma fonte de poder.

Só com a abertura ao meio social de uma Administração Pública centrada na ideia de serviço ao cidadão, em vez de a situar em termos de organização exclusiva de um Estado, separado da sociedade, e na medida em que se reconheça a condição activa de cidadãos, em vez de serem tidos como meros súbditos ou administrados, a situação pode começar a modificar-se.

A informação é um requisito para o controlo público, político e jurídico, que cabe exercer em relação a todas as instituições públicas.

Já nos anos trinta, LOUIS BRANDEIS, juiz do Tribunal Supremo norte-americano, entre 1916 e 1939, afirmava que a publicidade se impõe como uma terapia para as enfermidades sociais, pois a transparência é o seu melhor remédio e o polícia mais eficiente[3].

Este princípio da liberdade de acesso às informações, referentes aos assuntos públicos, vigente desde o século XVIII na Suécia[4], não só há marcado aqui toda a Administração Pública, mas também influiu na mentalidade geral e no sistema de valores da sociedade.

O simples facto de se saber que existe a possibilidade de um controlo directo e casuístico dos cidadãos incita as autoridades a actuar com prudência e circunspecção. E conduziu, também, a que os rumores e as alegações infundadas de abuso de poder deixassem de ter acolhimento social[5].

 

Se, desde o início do século XIX, o segredo vai desaparecendo nos domínios da acção legislativa e judicial, por quê este privilégio histórico da opacidade da Administração?

Só o Poder Executivo do Estado, ou em geral os distintos poderes administrativos resistiram à publicidade do seu funcionamento, mantendo a regra do silêncio, protegendo o poder executivo de «qualquer» controlo directo por parte dos cidadãos. Apesar de que, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o controlo público da Administração já tem honras de cidadania. Aí, se diz, no art.º 15.º, que «a sociedade tem o direito de solicitar contas a todo o agente público acerca da sua administração».

O modelo clássico da relação Cidadão-Administração Pública está não só em crise, mas também a terminar, porque esta relação está em processo de mudança num sentido diferente, sem retorno possível.

Os governos, corpos políticos mais pequenos e funcionais, concentradores do poder partidário, desvalorizaram excessivamente, nos países europeus, o papel representativo dos parlamentares. E isto, tanto no plano legislativo, a que a Administração deve execução (mas, no caso português, cada vez mais execução das normas criadas pelos governos e não pelos representantes directos dos cidadãos), como desvalorizaram o da supervisão parlamentar, cuja visibilidade em relação com a Administração escapa completamente ao cidadão.

 

A abertura da Administração deve-se ao fenómeno da generalização actual de uma crise da representação política, vinculada ao conhecimento da deficiente fiscalização dos executivos por parte dos parlamentares, devido à perda de autonomia do deputado, cada vez mais obrigado a ajustar-se aos aparelhos directivos partidários, controladores dos titulares de todos os órgãos do Estado.

Tal retira valor prático à doutrina da separação dos poderes. Pelo que a evolução democrática recente, embora mantendo o legislativo e o executivo separados, deixou-os com uma direcção única, no caso de governos sustentados por maiorias parlamentares baseadas nos partidos constituintes do governo, em que, em princípio, estão as direcções políticas, o que se traduz na submissão dos parlamentares às orientações do Executivo e assim impede o questionamento, por princípio, da actuação do governo e da Administração.

A necessidade de organização, a importância dos gastos eleitorais[6] e a própria legislação situaram os parlamentares em geral na dependência eleitoral e funcional das, cada vez mais, eficazes máquinas partidárias, que aliás decidem periodicamente da sua colocação nas listas eleitorais. E, quando são listas fechadas (como é o caso de Portugal, apenas acompanhado por Espanha), podem anular as suas carreiras políticas. O que, para alguns implica a crise da representação política. E cremos revelar decisivamente os limites da representação, justificando a procura de outros caminhos de participação directa ou indirecta dos cidadãos.

Daqui, a aparição do termo transparência no discurso político-sociológico, correspondente à imagem toglatiana da casa de vidro, onde tudo se veria.

 

2.2.3. Financiamento partidário e transparência na sua utilização

 

Os partidos têm gastos significativos. E, por isso, a questão do financiamento, que é importante em termos de disfunção e corrupção funcional do sistema político, merece-nos um prévio, embora breve comentário, sendo certo que há, em geral, uma informação deficiente sobre aquilo que verdadeiramente está em jogo.

O tema não seria relevante em regimes de partido único, em que este é um órgão do Estado ou, pelo menos, há identificação entre o partido e o Estado e, por isso, o partido dispõe de privilégios no Estado.

Mas, é de uma importância fundamental, no plano politológico, em países de regime democrático, com pluralismo efectivo. Em questão, está a natureza e o papel dos partidos, as igualdades de oportunidades em termos de influência na formação da vontade popular e o comportamento do Estado na criação de condições de acesso ao poder ou bloqueamento de alternâncias.

Uma coisa é certa, como dizia, já no século passado, LAMENNAIS, «é preciso, hoje, dinheiro, muito dinheiro, para ter direito a falar».

E, se os gastos são enormes, onde se obtêm as receitas?

Esta é uma questão fulcral, que pôs os partidos à prova e os seus dirigentes, em muitos países, no descrédito (Alemanha, Espanha, Grécia, Portugal), quando não em Tribunal (França, Itália, Espanha, Grécia), ou inclusive na prisão (Itália e Grécia).

Os partidos encontram-se, aqui, sujeitos à «prova da verdade», na medida em que, por influência directa dos acontecimentos sentidos nacionalmente, internacionalizados pela imprensa ou nacionalizados por certos meios, todos os países europeus se viram nas duas últimas décadas submergidos numa reflexão inovadora.

Os cidadãos exigem conhecer a origem dos dinheiros recebidos pelos partidos, para efectuar os seus juízos ético-políticos sobre essa origem, os seus circuitos e as consequências do seu recebimento.

Hoje, nos distintos países, constatamos que há receitas publicadas. E, portanto, conhecidas, e outras ocultadas. As doações, em geral, são as mais significativas. E são ocultadas ou para encobrir o desrespeito da lei ou para evitar o choque eleitoral perante as exorbitâncias praticadas, sobretudo em países ou regiões menos desenvolvidas ou em períodos de crise económica.

O financiamento dos partidos não põe apenas um problema de relações entre a política e o dinheiro. Ou seja, um problema de interacção ao nível do circuito cibernético.

Desde logo, implica um problema de relações e influência entre o sistema político e o sistema económico, em termos analisados pela politologia moderna, sobretudo americana, segundo o modelo eastoniano e na linha das construções teóricas de TALCON PARSONS.

Porque é que, com DE GAULLE, houve um oásis de popularidade neste domínio, num país ancestralmente desconfiado desta relação incestuosa?

Na medida em que se estabelecem relações entre o haver dos recebimentos dos subsídios para compensações eleitorais em função dos votos obtidos, e entre os subsídios até às eleições seguintes pelos partidos ou seus grupos e estes mesmos votos ou o número de membros eleitos para o Parlamento, inclusive sem chegar a impor, em termos absolutos, limites globais de financiamento público e privado, relativamente diferenciado em termos absolutos, tal põe um problema sobre o próprio funcionamento da democracia e os limites da merecida real alternância dos partidos existentes e da capacidade de modificação do sistema partidário instalado.

O financiamento dos partidos não é uma questão neutra em termos de enquadramento democrático dos distintos Estados. Mas, a questão das relações entre o dinheiro e a política ultrapassa-o.

O financiamento condiciona a vivência ou vicia inclusive a possibilidade de afirmação ou de vitória de novas ideias e forças.

Mas, mesmo que a questão do financiamento esteja «bem» solucionada, as exigências da democracia continuarão a fazer-se sentir, ao nível da transparência da classe política, do fim de toda a opacidade, não só dos aparelhos partidários, mas também dos próprios políticos.

Isto reenvia tudo para a questão do regime de controlo do seu património, rendimentos e interesses. Independentemente da sua importância relativa em termos substantivos, qualquer aspecto da temática da transparência da vida pública, uma vez focalizado seja por quem for, numa dada sociedade, já não admite retornos ocultadores defensivos, sob pena de todos os políticos e toda a política ficarem debaixo de suspeita. Quem pode afirmar que nunca ouviu, numa mesa de cafetaria ao lado da sua, conversas sobre suspeitas acerca de uso de fonte irregular de dinheiros, em geral por manobras corruptas de “agilização” de contratos públicos, para campanhas eleitorais dos nossos partidos, Presidente, titulares de Governos e executivos autárquicos, etc.? Ou apontar nomes de homens cuja fortuna aparece ou aumenta exponencialmente nos anos de serviço público ou político? Ou, após estes, por força de favores concedidos ao mundo económico, sem antes terem tido qualquer função ou experiência empresarial, pagos em administrações e outros cargos de chorudos rendimentos, indemnizações ou “reformas” de carácter astronómico para o cidadão comum?

É que há questões que não se resolvem com bons argumentos, mas sim com a transparência, única forma capaz de desmitificar o tema.

DE GAULLE seduzia o eleitorado ideologicamente à esquerda, porque também sabia afirmar, neste domínio, uma imagem de distanciação ideológica entre o dinheiro e a política, que seguia na continuação de posturas que, ao nível do Estado, resumia com uma frase lapidar: «a política de França não se faz no mundo da Bolsa», numa alusão ao desejo de autonomia do Estado em relação aos interesses financeiros. Esta posição, não contrariada no seu tempo ao nível micro-político das forças e homens adeptos, davam-lhe e à classe política uma popularidade que nem um POMPIDOU à direita, mais tarde, ou os socialistas, à esquerda, no pós-Giscard d’Éstain, conseguiram repetir.

E isto, apesar de DE GAULLE nunca ter necessitado de chegar a gritar, como FRANÇOIS MITTERRAND, discursos tão fortes de denúncia do poder e da influência do dinheiro, como este Presidente francês, que afirmava: «o dinheiro que corrompe, o dinheiro que compra, o dinheiro que destrói, o dinheiro que mata, o dinheiro que arruína, o dinheiro que apodrece inclusive a consciência dos homens».

Para DE GAULLE, o dinheiro não era mau. O sistema, que se submete a ele, é que é denunciável.

FRANÇOIS MITTERRAND atacou o indefeso e necessário dinheiro para poder esquecer as vias e meios que os políticos usam, para com ele se «financiarem» pessoalmente e financiarem as campanhas eleitorais, de modo oculto, pois contra a transparência da vida pública “há” sempre o (inaceitável) argumento civilista da reserva legítima da vida privada das pessoas[7].

Já o grande economista e sociólogo, de renome na mudança do século XIX, VILFREDO PARETO, autor da teoria da circulação das elites, acentuava, como meios de manutenção do poder, aplicável à classe política contemporânea, as «corrupções políticas de eleitores, de candidatos eleitos, de governantes, de jornalistas, a que se assemelham, durante os governos absolutos, as corrupções de cortesãs, favoritos e favoritas, governantes, generais, etc., que aliás nem sequer ainda desapareceram completamente»[8].

Quantas vezes, em nome dos interesses do Estado, da democracia e do partido, se distingue os fins e os meios, prosseguindo na esteira de MAQUIAVEL: a política é um fim nobre, logo são permitidos meios condenáveis ou repreensíveis para a actuar.

Nos processos franceses das duas últimas décadas do século XX, de investigação às ilegalidades financeiras dos homens dos partidos, não se tentou dirigir a censura para os homens políticos, que enriqueceram pessoalmente de modo oculto, mas sem condenar, em nome do bem dos partidos, o financiamento oculto destes, que viabilizara parte das condutas daqueles?

Como diz G. SARTORI[9], estas «pseudo-nuances» conduzem ao impasse na solução do problema, porquanto «a política e a ética não são nem idênticas nem isoladas uma da outra em compartimentos estanques».

A origem histórica dos regimes democráticos modernos está num problema de dinheiro, tendo levado a impor ao Rei o prévio consentimento dos representantes das sociedades, no Estado estamental medieval inglês, para poder lançar impostos.

E esta limitação do poder sobre o dinheiro funcionou como uma limitação do próprio poder e dos seus excessos.

E a elaboração progressiva dos modelos democráticos não passou por um afastamento progressivo do dinheiro, substituído pela cidadania, na atribuição da soberania? Do voto censitário, que permitiu a conquista do novo Estado liberal do século XIX pela burguesia endinheirada, para o voto universal, a que a cada homem e, depois, a cada mulher e, mais recentemente, a cada jovem cabe pronunciar-se. Com efeito, o voto deixou de assentar sobre a fortuna (voto censitário) e o sistema político democrático, afirmando os seus valores próprios, recusa o dinheiro como fonte de regulação, de acesso ou de distribuição das prestações do Estado, e proclama o ideal da construção da política sem referência a bens não políticos (armas e barões assinalados»), fixando, portanto, o princípio de «um homem, um voto», passando a tratar todos por igual, o que não admite o dinheiro, nem para legitimar diferenças, nem para comprar ou influenciar privilégios, corrompendo o sistema político.

 

2.2.4. Controlos institucionais sobre a Administração e sua inoperância. Longo caminho para a transparência total de todos os poderes e actores públicos

 

Os modelos administrativos clássicos, desde o liberal, ao marxista e ao weberiano, conceberam a Administração como uma organização unida, centralizada, autocrática e hierarquizada, simultaneamente instrumento do poder político e de dominação da sociedade, implicando a defesa natural da manutenção dos administrados à distância. Para WEBER, uma administração democratizada, transparente ou participada, seria um contra-senso, porque aparelho ao serviço da execução das ordens do governo, que responde perante o Parlamento, tal só fica garantido se obedecer cegamente às mesmas, ou seja, ao interesse público sem perigo de interferência ou influência dos interesses particulares, exteriores, da sociedade. Acontece que o interesse público e os interesses dos cidadãos não são categorias à parte.

E é isto que se está questionando hoje. Na situação actual, começam a interconectar-se as ideias de democracia, cidadania, respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, participação, colaboração, desburocratização, eficiência, prestação de informações[10] e esclarecimentos, apoio e estímulo às iniciativas dos particulares, recebimento de sugestões, informações e transparência.

A ideologia da transparência administrativa enfoca-se como concretização da ideia democrática e da realização simultânea de objectivos importantes no plano da prossecução dos interesses públicos e dos cidadãos.

Mas, qual é o fundamento e o conteúdo preciso do princípio da Administração aberta, sem o qual se começa a questionar a própria legitimidade administrativa? Sobretudo porque os restantes poderes há muito que se abriram (embora, por vezes, com argumentos vários, v.g., necessidade de grande alteração no ordenamento jurídico na pós-guerra - já foram e se vão fechando; também em Portugal, a aprovação definitiva de normas legais (apelidados decretos-leis) pelo Governo e mesmo de certas normas legais de origem parlamentar, na especialidade - não no plenário do parlamento - em comissões restritas e fechadas ao público, ou apenas com alguma imprensa, que aliás não entra em comissões de audição dos membros do governo ou de fiscalização de actos da Administração; ou seja, a prática do funcionamento à porta fechada de comissões em alguns parlamentos ou de algumas reuniões de executivos de entes territoriais infra-estatais, não só em decisões concretas como também em matéria normativa). Incompreensivelmente, há reuniões de Câmaras Municipais que legalmente podem funcionar à porta fechada, segundo estranhos critérios de alternatividade das reuniões e nem sequer assentes em razões de importância dos temas a tratar, com total transparência no debate de todos os assuntos importantes para a comunidade e as pessoas, ou seja, não meramente de expediente.

Actualmente, questiona-se o tradicional hermetismo administrativo, resultante de uma invocada necessidade de opacidade da técnica organizativa da Administração.

Há sintomas de crises profundas na vivência em sociedade, o que obriga a encontrar soluções novas.

A Administração, durante o século XX, começou a estender paulatinamente a sua actividade a todos os domínios da vida quotidiana dos cidadãos. Se a actividade dos órgãos públicos se refere a todos os cidadãos e à sua vida quotidiana, então requer-se que as autoridades informem amplamente os cidadãos em geral dessas actividades, numa sociedade democrática.

Esta ideia de visibilidade das actuações implica que os documentos e informações referentes às actividades públicas estejam acessíveis não só aos meios de comunicação social, mas também aos cidadãos em geral. Para que possam escolher livremente em cada momento, as informações que pretendem, nas diferentes matérias, independentemente das que as autoridades ou os média decidam comunicar por sua própria decisão.

 

2.2.5. Democracia e conhecimento da vida pública. Enunciação perfunctória acerca do debate geral sobre a importância e utilidade da informação detida pelas entidades públicas

 

A ideia de transparência no exercício do poder começa a aparecer como uma ideia-chave, nos textos legais e de orientação política, no âmbito dos processos de reforma e modernização das Administrações Públicas, embora esta ideia, por vezes, seja mero objecto de propaganda e manipulação.

Às vezes, o discurso sobre a transparência serve conjunturalmente ao discurso eleitoral da classe dirigente, pelo que pode não passar, na linguagem de J. SCHUMPETER, de um subproduto da concorrência entre as «empresas políticas», orientando-se unicamente para a manutenção ou a conquista de posições de poder.

A transparência difunde-se, cada vez mais, a propósito de tudo.

Tem um espaço destacado no discurso político e administrativo. E, por isso, requer um esforço de clarificação, que elimine conteúdos não aceitáveis ou equívocos de mero aproveitamento político, relacionados com a sua grande energia simbólica.

Estamos perante um polissémico, semelhante à expressão «desenvolvimento autosustentável» (onde pode caber tudo, até conteúdos desviantes do pretendido), pelo que, para o usar no raciocínio científico, é necessário densificá-lo devidamente, tendo presentes os textos normativos que o utilizam (mas não propriamente as noções legais, de valor muito relativo) ou a doutrina que o adopta para interpretar os textos pertinentes.

Trata-se de um conceito que se difunde como uma referência valorativa essencial imposta à Administração e que deseja transformar-se num eixo privilegiado de abordagem reformista da Administração. Ambiciona conduzir à aparição de uma Administração nova, nas palavras de JACQUES CHEVALIER, «en phase avec la societé et travaillant en permanence sous le regarde du public».

Perante o modelo administrativo tradicional do segredo, agora, por razões de descrédito, obrigado a retroceder para muito restritas áreas de excepção, o valor que se pretende realçar é o da figura antitética da transparência. É proclamar um conceito adequado a criar a ideia de oposição aos traços característicos do conceito de segredo, que passaria a combater. Seria um conceito integrado, no domínio administrativo, em luta contra o que estava escondido, o desconhecido, o misterioso, o impenetrável, o opaco. E, assim, modificando os princípios orientadores do funcionamento da Administração e dos seus modos de contacto com os administrados, para restaurar a legitimidade do poder, cada vez mais questionada, transformando-a de facto não só numa casa para todos (princípio da igualdade e solidariedade) mas também uma casa de todos (questão de “propriedade”).

 

Feitas estas considerações, já se entende que este debate sobre o aceso à informação se situa meramente por cima dos escombros do segredo não justificado. É para o fazer recuar, legalizando-o à mínima expressão historicamente possível, que se construiu a ideia de transparência. Ou saído da ideologia da democracia administrativa, sem a qual se deteriora a democracia tout court; ou em conexão com adefesa do fim de qualquer segredo, embora se entenda que se continua aceitando muito segredo indevido. Por exemplo, no campo das relações interestatais, onde o próprio direito internacional, depois da primeira grande guerra (para evitar os pactos bélicos, de que os povos discordariam), há muito impõe o seu registo (vide actual normação da ONU).

De qualquer modo, para demonstrar que este aceso à informação não coincide com a afirmação da transparência basta considerar que o seu regime, onde existe, abriga certas áreas de confidencialidade, mesmo que temporalmente limitada. Ou seja, obriga inclusive a sacrificar a transparência quando esta possa levar a excessivas pressões sobre o interesse colectivo ou, justamente, ponha em questão as liberdades públicas, base fundamental de qualquer sociedade democrática e direitos fundamentais. Embora, normalmente, em termos ainda excessivos, no campo dos secretos por “interesse público” -certas cláusulas sobre segredo de Estado ou imposição automática de segredo de justiça e alguns por interesse particular -como ocorre onde a transparência faz mais falta: grande parte dos segredos de informações económicas e contratuais administrativas-)

Uma das motivações objectivas deste estudo, que também sustenta a nossa mobilização subjectiva, reside na importância quantitativa e qualitativa das informações detidas hoje pelas Administrações Públicas em geral, unionistas e ibéricas (a que circunscreveremos a seguir, geográfica e normativamente, em edição autónoma, uma outra abordagem fundamental sobre a teoria da transparência e sua incorrecta concretização a nível europeu e nacional) e a necessidade de que as instituições públicas funcionem com total transparência, para que os cidadãos, as organizações não governamentais e inclusive outras Administrações alheias às que têm atribuições directas nas distintas matérias, possam saber e participar, denunciar ou actuar, administrativa e jurisdicionalmente, na defesa dos interesses dos cidadãos.

O direito de acesso, até hápouco um tema novo na generalidade das legislações, com excepção da sueca (em que remonta ao século XVIII), assume hoje contornos supranacionais e aplicações vastas e complexas, existindo já em muitos países europeus e americanos, não só em matéria ambiental, mas mesmo com carácter geral.

Mas, com diferenciações de eficácia muito distinta. E todas necessitando de ser revistadas e reformadas em sentido não só de um regime mais transparente, mas tambémde um acesso mais rápido e melhor garantido.

Uma coisa é certa, em geral são muito amplas as informações recolhidas e usadas pelos Estados (vistos como «máquinas informacionais»[11]), reclamadas para fazer frente a inumeráveis tarefas. E esta Administração Pública dos dados coloca, hoje, em geral, o problema do «espectro das responsabilidades informacionais do poder público».

Mas, como havíamos referido anteriormente, há que fazer uma distinção entre difusão da informação e o acesso à mesma. Serão duas nações de transparência separadas[12], dado que o direito legislado de acesso não fundamenta a difusão e a comercialização dos dados administrativos.

Há que entendê-las, sobretudo, como noções complementares: a difusão administrativa dando maior amplificação à transparência no novo contexto tecnológico, embora falte superar certas questões para realizar a transparência interessada[13], por esta via, que necessita enquadrar o problema das taxas deste serviço. Sendo informação que já se pagou, porque se recolhe e elabora com fundos públicos, não é concebível lucrativamente para o regime do acesso. Para efeitos de exercício do controlo da dos poderes públicos pelos cidadãos, deve ser gratuito dentro de certos montantes limitados. E, mesmo além desses limites, nunca deve ultrapassar os custos dos materiais usados na reprodução dos substratos da informação (tal só é concebível para comunicações de informação com fins de utilização comercial[14], matéria que, na península ibérica, está já bem regulada pelas Lei espanhola n.º37/2007, de 16 de Novembro, e na segunda parte da LADA portuguesa, a Lei n.º46/2007, de 24 de Agosto[15]).

 

2.2.6. Objectivos e funções em geral da transparência administrativa

 

A exigência de transparência aprofunda-se também na ideia, doutrinalmente difundida, de que «a publicidade faz ganhar a confiança nas autoridades[16].

Os objectivos da transparência administrativa, tal como têm sido historicamente explicitados na multisecular doutrina sueca, perseguem três funções principais, no campo da eficácia, da participação e da legitimidade funcional da Administração Pública.

Concretizando-as, podemos dizer que:

 

1.º-Potencia a eficácia, a racionalidade e a qualidade da prestação dos serviços públicos, permitindo aos cidadãos supervisionaras autoridades públicas para prevenir ou denunciar decisões ilegais, arbitrárias, parciais, inoportunas, corruptoras.

A sua originalidade em relação com os instrumentos garantísticos geralmente consagrados está no facto de prevenir, não só o controlo a posteriori, correctivo, mas também permitir a vigilância continuada, inclusive com relação a assuntos em curso, detectando erros, a tempo de rectificar comportamentos ou conformar decisões.

 

2.º- Incentiva a participação dos cidadãos, contribuindo para a formação da opinião pública e dando os meios de debate sobre as opções políticas e administrativas.

Portanto, é fundamental fazer uma distinção entre a difusão interesseira, propagandística, e portanto seleccionada por quem a dá ao conhecimento, da informação correcta, contextualizada e de livre opção do cidadão, ou seja, do livre acesso à informação.

São duas noções de transparência separadas.

O direito legislado de livre acesso não fundamenta directamente a difusão e a comercialização dos dados administrativos. Há que considerá-las como noções complementares, mas não equivalentes. E se hoje, por imposição da EU, os Estados têm obrigações de difusão oficiosa, o interesse relativo desta imposição deriva de a sua nomeação enunciar formalmente a tipologia documental e informativa a difundir, retirando alguma margem de arbitrariedade à Administração.

De qualquer maneira, o acesso à informação, nesta perspectiva, é instrumental de uma participação activa e eficaz, sendo certo que para escolher é necessário primeiro conhecer. No entanto, os sistemas jurídicos que só dão acesso à informação na medida em que ela se prenda com o direito à participação em certos procedimentos ou elaboração de opções ou políticas, não a concebem como um direito fundamental geral, pois aqui estamos perante um acesso controlado, instrumental de um exercício concreto a ocorrer na Administração, por sua iniciativa, e não uma acesso a qualquer matéria e documento, seleccionados livremente pelo cidadão.

 

3.º- Reforça a legitimidade funcional, pela via da confiança nas autoridades, ao viabilizar o controlo normal sobre as suas declarações e actuações.

Quanto à função legitimadora da transparência no regime democrático, há que recordar que a ideia da necessidade de transparência aparece já no art.º 15.º da Declaração dos Direitos do Homem, de 26 de Agosto de 1789, declaração solene de que só a Suécia foi precursora em 1766.

*

Mas, o princípio não foi originariamente transcrito no direito positivo dos Estados democráticos. Pelo contrário, o segredo continuou a ser uma constante da acção administrativa. Regra de ouro do antigo regime, resistiu durante os séculos seguintes aos princípios da nova ordem revolucionária, qual arcana regni, como se a transparência fosse incompatível com os princípios e as necessidades das democracias modernas, que implicam a democracia administrativa.

Enquanto, por um lado, a acção do Estado se vai estendendo a todos os sectores da vida em sociedade, por outro, a crença democrática no papel fiscalizador dos parlamentos desvanece-se, sem superação possível, com as barreiras crescentes dos limites dos mecanismos democráticos institucionais.

A função legitimadora deriva da transparência para permitir compreender as soluções correctas e ajudar à sua aceitação.

A legitimidade pode reforçar-se, como diz o parlamentar belga JEAN-MARIE DUFFAU, «pelo sentimento que os administrados têm de que a acção administrativa é boa, bem motivada e honesta». Por isso, as leis, que começam a despontar sobre a transparência administrativa, contribuem indubitavelmente para dar à Administração uma credibilidade questionada ou, pelo menos, perturbada, desde logo devido à síndrome da crença que, em 1938, JAMES M. LANDIS expressava bem, ao afirmar que as necessidades em especializações são muito maiores e os especialistas sempre têm razão.

 

Esta crença atemoriza os cidadãos, cada vez mais propícios a meditar sobre as palavras do mais intelectual dos presidentes americanos, WOODROW WILSON: o que mais receio é um governo de especialistas. Se vivesse hoje, não deixaria de estar a pensar, v.g., na governação efectivada pelo Banco Central Europeu.

Com isto, a transparência contribui para legitimar a actuação administrativa.

Aliás, a transparência, complementada pelo diálogo no procedimento ou na decisão (mesmo no caso de ser mudada em processo contratual, como o actual direito administrativo, cada vez mais, vai viabilizando), em termos de permitir a ponderação de interesses menos gerais (situação em que deverá estar em questão menos um direito de participação, integrando a co-decisão, que um direito à exigência da co-ponderação dos diversos interesses e soluções no procedimento administrativo antes da tomada de decisão), é condição para um desejável aprofundamento da abertura e eficácia da actividade administrativa.

Isto não deixa de viabilizar a defesa do interesse geral, complementado pela integração ponderada de todas as realidades sociais.

E tudo isto tem que ver com o interesse público, cuja prossecução deixa de ser presumida para passar a ser constatada e, mais importante ainda, constatável.

 

Concluindo, entre as técnicas de controlo da actividade e da promoção da eficácia e imparcialidade na Administração Pública, frustrada a do controlo parlamentar sobre os governos (que dirigem, orientam –superintendem- ou tutelam as suas diferentes instituições), no actual debate doutrinal, além da avaliação das políticas, a outra que merece especial destaque é a da transparência na actividade das Administrações perante os cidadãos.

 

 

 


VI – SÍNTESE DO DIAGNÓSTICO DA CRISE E DA TERAPÊUTICA INTITUCIONAIS: SITUAÇÃO, PROPOSTAS E SUA FUNDAMENTAÇÃO

 

6.1.Síntese actual da situação política em Portugal

 

6.1.1.Portugal vive, actualmente, uma crise profunda, que chegou tão longe devido a políticas erradas com ocultamento sistemático de dados, por parte do governo, sobre o endividamento exponencial do país nos últimos anos, agravado e facilitado pelo facto de esse governo ser minoritário e naturalmente não garantir estabilidade.

É urgente ultrapassá-la, criando as condições que, num plano interno e institucional, não só permita vencê-la, como evitar a sua repetição recorrente, mesmo que com menor intensidade.

 

Esta crise é também e na sua origem, criadora ou permissiva, fruto de décadas de ausência de verdadeiras reformas globais de um Estado que se revela organizado em termos esclerosados, dada a incapacidade e falta de competência dos muitos governos e muitos governantes, formados ou pelo menos dominados essencialmente por critérios de ascensão de quadros partidários, de modo que mereceria um quadro de acção que possa viabilizar uma recomposição profunda da classe dirigente, no sentido de uma representatividade e meritocracia, governando-se com base em linhas claras e consensuais de orientação, que teriam que passar, desde logo, por aspectos contrários às medidas oficialmente promovidas na actualidade, que ou já estão ou que irão estar ainda mais entre as causas próximas ou remotas da actual crise e suas contra-soluções.

 

Após quase quatro décadas de vivência democrática, segundo o modelo experimentado com base na formulação constitucional saída da Revisão de 1982, a solução passa hoje pela procura urgente de um governo maioritário (contra a anacrónica concepção de que um governo, representando uma parte menor do eleitorado, é aceitável trasverti-lo como representativo da maioria e portanto democrático).

 

É claro que as actuais soluções oficiais, ditadas ou apadrinhadas pelo Poder, e, muitas por pressão exterior, são questões fundamentais que afectam a vida dos cidadãos.

Tal coloca a necessidade de defender alternativamente a resolução dos problemas financeiros do Estado sem pôr em causa as conquistas do Estado Social, os direitos sociais adquiridos, como o do acesso à saúde, educação, segurança e trabalho e outros consagrados na Constituição e normas internacionais.

Hoje, constata-se que a situação de crise (e medidas avançadas pressupostamente contra ela, apenas no imediato, e com efeitos desastrosos no futuro) convive com deficits de representatividade popular da classe política, da legitimidade originária e funcional dos Poderes, desde o poder governativo ao judicial e de democraticidade interna dos partidos, com a erosão acelerada da confiança nos dirigentes políticos.

Impõe-se uma mudança nacional, em termos de criação de confiança e capacidade de alteração radical, regeneradora, no rumo da governação do país, que terá de assentar em soluções de representação necessariamente maioritária e com garantia de consensualidade nas medidas, estabilidade e condução pelos cidadãos escolhidos entre os mais capazes, e mudança consequente das políticas públicas.

 

E, aliás, nesta situação de crise radical e insuperável por muitos anos, urge a procura de um governo capaz de fomentar um amplo consenso de todas as forças políticas no sentido de uma grande Reforma Global do Estado, Democratização dos Partidos e da Representatividade dos Deputados e portanto do Parlamento, revisão do sistema jurisdicional, Dinamização Interna da Economia e luta sem complexos pela revisão dos termos da nossa relação com a União Europeia.

Impõe-se uma profunda Reforma do Poder Judicial, a Reforma do Modelo de Sistema legitimante de Governo, a Reforma do Sistema Eleitoral Geral e de legitimação do papel dos Deputados e do parlamento do país (ou seja, a Reforma do enquadramento da função do Deputado e do Parlamento), a reforma do regime funcional do sistema partidário, com democratização e perda da sua hegemonia na vida política e administrativa nacional, sem pôr em causa a imprescindibilidade da sua existência nas sociedades democráticas modernas.

 

6.1.2. Erros e princípios agredidos

 

Basta ver que os dirigentes das últimas duas décadas, apesar de responsáveis pelo estado a que o país chegou, e se mostrarem incapazes de atacar as suas reais origens, podem “estavelmente” manter-se em funções, sem qualquer voto positivo do Parlamento, nem na investidura original nem no decorrer do seu exercício em funções, por mais impopulares e polémicas que sejam, continuando com políticas de concepção minoritária, em nome de uma crise de que, em maior parte, são responsáveis e o actual panorama internacional apenas veio mais facilmente permitir evidenciar, ao dificultar o seu ocultamento, podendo mesmo chegar ao ponto de se julgar com direitos a comprometer, em nome de falsas estabilidades, aquelas forças que deviam ser de oposição e que não concordam com elas.

Ao que chegou este “simulacro” de democracia (constitucionalmente possível no plano orgânico, embora rasgando a Constituição dos Direitos), presidencialmente permitido em termos impunes, como o revelou as últimas eleições presidenciais!

 

Os governantes do país, mentindo ao eleitorado, insistindo nos erros, atolados no ambiente de inépcia e de corrupção, têm avançado com falsas medidas “anti-crise”, que só teriam sentido se o problema fosse conjuntural, derivado de meros revezes oriundos do âmbito exterior, quando de facto é estrutural, sistémico, fundamentalmente derivado de excessos de endividamentos públicos continuados a todos os níveis, vindos do passado (mais aceleradamente sobretudo desde o final do século anterior, na fase pós-Sousa Franco, criadora de endividamento público que nos tem imposto restrições e sacrifícios desde há cerca de uma década, que nada têm que ver com a sempre invocada crise internacional, ocorrida há cerca de três anos, como se constata pela superação dos problemas e recuperação económica de outros países).

E também derivado de políticas erradas no plano do desenvolvimento económico-social, que naturalmente, quer a situação financeira do Estado, quer a crise económica “internacional”, não permitem ajudar a melhorar sem uma mudança nacional, em termos de criação de confiança e capacidade de alteração radical, regeneradora, no rumo da governação do país, necessariamente com amplo apoio maioritário do Parlamento e com garantia de consensualidade de medidas, estabilidade e condução pelos cidadãos escolhidos entre os mais capazes, e mudança consequente das políticas públicas.

E os erros e medidas de recuperação financeira do Estado, apesar de serem excessivamente sacrificadoras dos cidadãos em geral, sobretudo dos mais necessitados, eliminadoras das classes médias e destruidoras do tecido empresarial e do emprego, são impostas uma e outra e outra vez, repetidamente atacando direitos sociais historicamente adquiridos e constitucionalmente consagrados.

E, além disso, autores recalcitrantes de medidas erradas para o futuro colectivo, que estão a comprometer nas próximas décadas, diminuindo de imediato a capacidade de investimento, de consumo, de poupança, de emprego e consequentemente de regeneração do sistema económico e, portanto, também do de segurança social e da fiscalidade.

Ou seja, também comprometendo a capacidade do Estado aprofundar ou manter políticas sociais e de desenvolvimento do país, pela diminuição da força empresarial-laboral, não aumento de exportações nem substituição de importações, não aplicação pelas actuais gerações, cada vez melhor preparadas, dos seus conhecimentos na criação de riqueza e bens de alto valor acrescentado. E, por isso, no presente como no futuro, uma contínua diminuição de receitas e de capacidade de responder às necessidades do Estado Social, que está a ser desmantelado rapidamente, peça a peça.

Importa dizer que, quando os problemas começaram a acentuar-se, com o definhar da competitividade do tecido empresarial, a contínua perda da competitividade nacional e o acentuar cego do endividamento do Estado e da sociedade em geral, a preocupação maior era evitar mais endividamentos e fazer crescer a competitividade.

E dizer em geral que o caminho devia ser outro, totalmente diferente, e buscando simultaneamente a montante as origens da crise, no próprio sistema social e designadamente no político e económico.

Nunca poderia passar pelo rasgar da Constituição. Não pode aceitar-se o actual ataque aos direitos adquiridos e ao Estado Social. Nem a descidas formais de remunerações. Nem a aumentos de impostos. Nem o questionamento da segurança social.

 

4.2.Empréstimos de instituições de estabilização financeira.UE-Fundo Monetário Internacional

 

Chegados à actual situação, que só pode ter sido o resultado da inconsciência prolongada e de megalomanias de quem nos governa, que não defendeu o país disso e ainda por cima contribuiu e continuaria a contribuir, directa e largamente, para esta crise, impunha-se enquadrar melhor o presente e preparar o futuro. O que tudo, nos impôs, como mal menor, não só eleições legislativas, como desde já as medidas de devedor sem meios normais de pagamento, implicando o depauperamento individual e empresarial, próprio das medidas exigidas pelo FEEF/MEEF-Fundo Monetário Internacional, agora e posteriormente pelo MEE. E, como mal menor, a sua ajuda (embora já bastante tarde, porque devia ter sido, se houvesse verdade e a devida atenção dos poderes de controlo e denúncia pública do governo, desde logo por parte do Presidente da República e Banco de Portugal). Após medidas parcelares e inconsequentes no último ano, que nada trazem, antes mais comprometem o crescimento da economia e, portanto, mais acentuam as dificuldades para ultrapassar a situação, a não ser após um longo período de sacrifícios geracionais, se não mesmo da colonização futura do país.

Esta crise chegou a este extremo que põe indevidamente em causa o respeito por direitos protegidos constitucionalmente, que o próprio presidente, apesar de ter jurado a constituição, deixou impunemente agredir, porque faltou transparência dos poderes públicos: o governo não informando, o presidente não denunciando nem demitindo os irresponsáveis perdulários, coonestando.

Perdeu-se tempo demais pagando juros altíssimos no mercado bancário. Mas já que deixamos chegar a tanto, agora é necessário ter coragem de encarar os interesses nacionais, pois no mundo em que vivemos cada um tem de defender devidamente os seus interesses, sob pena de estar a hipotecar-se ao dos outros. Importa reparar no exemplo da Islândia.

Após o acordo imediato, intercalar ou “definitivo” com o Mecanismo Europeu de Estabilização (não só quanto à soma a atribuir e que deve ser a necessária (nem menos nem mais), a duração da operação, número e escalonamento das prestações e negociação das condições do empréstimo, mas também, o que é fundamental - e negociável duramente como se constatou com o caso deste país-, quanto ao nível dos juros).

E face ao nível proibitivo dos juros pagos pelo Estado português, nestes últimos tempos, face ao irresponsável atraso no desencadear do mecanismo de apoio europeu, há que passar de imediato à recuperação da capacidade de crescimento da economia nacional e criação de condições de manutenção do nosso Estado social, o que exige não esperar pelo funcionamento futuro do MEE, a erigir para o pós-2013, mas exigir já a renegociação global da dívida, com os bancos credores, reconduzindo-a designadamente aos níveis de juros do Fundo Monetário Internacional de que hoje beneficia a Islândia, o que aliás deve orientar o próprio acordo com o Mecanismo Europeu, a nível do Conselho de Ministros da UE e Fundo Monetário Internacional.

Isto, sob pena de não ser possível qualquer recuperação económica. Ou seja, houve um nível que os juros não deveriam ter ultrapassado e portanto já em 2010 se devia ter pedido ajuda da UE-Fundo Monetário Internacional, e agora exige imediatamente renegociar os juros da dívida e, aliás, agora com a UE também não podia deixar de haver um nível de juros acima do qual o próprio acordo de “resgate” (num montante suficiente, não só para pagar o endividamento, mas também propiciar investimentos para o desenvolvimento económico), não devia passar, no financiamento acordado.

Dado que teve de se introduzir o mecanismo de apoio europeu, então não pode aceitar-se agora pagar os juros altos que nos impuseram (cautelarmente), julgando que não tínhamos capacidade de pagar a totalidade da dívida, pois com tal iríamos engordar o sistema financeiro, que, já contando com a dificuldade de pagar, por isso precisamente exigiu juros excessivos na perspectiva da incontornabilidade da renegociação, com previsíveis cortes substanciais deste juro, senão mesmo da mesma dívida, caso o actual governo saído das eleições falhe na gestão do país.

Aliás, tendo presente a grande concentração de compromissos, a juros altos, assumidos para o curto prazo por este governo, para 2012, iríamos dar a ganhar nestes quase três anos o que depois a banca, já recompensada, aceitaria não receber nos anos seguinte, numa tardia renegociação (o que só já teria um ganhador, o de sempre, os bancos, designadamente alemães). Só renegociar depois de 2013 é iníquo na lógica do processo e da lógica do mercado em fases de perigo de endividamentos que possam de reescalonamentos da dívida e traduziria um “inocente” hipotecar do país em termos de prolongamento da dificuldade de acelerar a recuperação da crise. Cada ano e cada euro conta, e muito, para a dimensão e duração dos sacrifícios exigidos aos portugueses.

 

Quanto ao alarido negativo e irracional, desde logo por parte de quem nos governou e endividou exponencialmente nestes últimos anos e jogou acusações e exigências a uma oposição que nenhuma responsabilidade tinha nem na feitura da dívida, que aliás foi denunciando, nem tinha que ter na sua solução, porque não era governo, importa dizer ainda algo, comparando diacronicamente comportamentos políticos.

Em situação muito menos grave e com mais instrumentos de reabilitação da economia, como era a detenção nacional da política monetária, que permitia a solução dos problemas com relativa facilidade, mesmo assim, para acelerar a recuperação financeira e económica, os então primeiro-ministro Mário Soares e vice-primeiro-ministro Mota Pinto, por pressão do então Ministro das Finanças e concordância dos líderes parlamentares da maioria apoiante do governo, entre os quais me contava, então líder parlamentar, numa altura em que os grupos parlamentares não eram meras correias de transmissão das vontade dos lideres partidários, avançou para um pedido de ajuda do Fundo Monetário Internacional, em termos calculados e preparados.

 

Tendo presente a relatividade da produção anual da riqueza gerada pela economia do país, face ao nível de endividamento crescente (cujo montante e momentos de pagamento impunha ao governo não só que tivesse que evitar acentuar como devia conhecer com exactidão e dar a conhecer com verdade, o que só começa a permitir que se perceba, e mesmo assim parcialmente, em 2010 e 2011), tudo devia estar preparado e negociado para se recorrer ao FEEF-Fundo Monetário Internacional há muito. Tal devia ter ocorrido no preciso momento em que os juros ultrapassassem os 5%, ou seja, logo em 2010, nunca já com corda ao pescoço e após admissão de juros comprometedores em termos de pagamentos ou da economia do país.

Hoje, para o país não entrar em “falência nacional” e, mesmo assim, comprometendo excessivamente o desenvolvimento económico nos próximos anos, iremos pedir ajuda, recorrendo ao FEEF-Fundo Monetário Internacional, desnecessariamente pagando mais em juros comprometidos no mercado muito para além do objectivamente razoável e sobretudo das próprias possibilidades reais da nossa economia, negociando na UE em piores condições e até já, perante o nível insuportável dos juros, o abuso de recurso à banca portuguesa para os refinanciamentos (à custa do endividamento desta no exterior ou do corte de dinheiro na nossa economia) e o jogo governamental de concentração de pagamentos no próximo ano (tudo já sem poder evitar a necessidade de impor uma reestruturação dos pagamentos e juros, ou seja, da dívida portuguesa).

 

4.3. Instituiçao Presidente da República

 

Como é possível que um Presidente da República não siga a evolução dos défices orçamentais e dívida do país, durante todo um mandato inteiro, em que se processou a maior parte do endividamento actual (passando para o dobro), sem travar o fenómeno ou, pelo menos, denunciando-o no parlamento, na opinião pública, recusando-se a empossar um governo minoritário e com continuidade dos responsáveis pelos erros anteriores, ou demitindo-o face ao agravar da situação, que se constatava que iria por em causa a solvabilidade financeira, a economia do país e o respeito pela Constituição e direito dos cidadãos aí consagrados?

Para que serve um Presidente, universalmente sufragado, durante o primeiro mandato, se, no desejo de fazer um segundo mandato presidencial, se demite dos seus poderes e se cala face a erros graves e mesmo insuportáveis dos governos instalados, por mera ambição de poder captar alguns votos no seu campo partidário em ordem a melhor garantir a reeleição? Um presidente, cuja maior preocupação foi fazer esquecer os desvios financeiros de colaboradores próximos, evitar um governo do seu partido antes da sua recandidatura (o que poderia comprometer a sua popularidade, face à situação em que o governo de então estava a colocar o país, e assim apoiar um governo do campo partidário que lhe era menos favorável para tentar captar votos nesse espaço eleitoral.

O anterior Presidente português, logo que percebida a sua impopularidade, acabou com um governo com mera invocação oficiosa de questiúnculas orgânicas de natureza pessoal, sob pressão do discurso interesseiro da boa e da má moeda do então perfilado candidato ao lugar, demitindo o Parlamento, apesar de o mesmo governo manter apoio partidário com maioria parlamentar, E este actual presidente não consegue (ou não teve interesse pessoal, no seu primeiro mandato), mudar nem um mero governo minoritário, fonte dos desastres financeiros do Estado, que comprovadamente nem sequer consegue minimamente suster. E por quê os meros actuais e atrasados lamentos sobre os limites dos sacrifícios ou os fortes apelos à revolta da juventude, quando o é ao Presidente da República que cabe alterar a situação de degradação político-económico-financeira a que se assiste diariamente. Ele pode (eventualmente, até sem dissolução do Parlamento, se entendido como inconveniente, no actual contexto da problemática da evolução da dívida pública e relacional europeu), limitar-se a demitir o Governo, para assegurar o urgente e regular funcionamento com êxito da uma governação anti-crise e contrariar o rasgar da Constituição (que jurou cumprir), pelo actual elenco governativo, dada a impossibilidade de entendimentos estabilizados e a inadiabilidade da criação de um governo de maioria ou mesmo mais ampla coligação, que esteja em condições de seriamente poder defender o regular funcionamento futuro dos direitos dos cidadãos e concomitantemente das instituições democráticas.

Até às eleições presidenciais, venceu a política dos interesses, em vez da política do país? E, agora, para que serve um Presidente?

 

4.4.Norma-travão governamental para as despesas públicas?

 

Hoje, o perigo de criação de despesas incontroladas não vem do parlamento mas do governo do Estado e doutras Administrações indirectas, institutos e empresas públicas, e administrações autónomas.

Por isso, importa acrescentar também uma norma-travão na actuação destas entidades. E impedir juridicamente políticas de alcatrão e betão que criem endividamentos não só exteriores excessivos, devendo a gestão pública tender para o equilíbrio e, pelo menos, em geral em níveis nunca superiores a uma dada percentagem do PIB, calculado legalmente dentro de um quadro de referência que tenha presente, por um lado, a realidade económica e receitas fiscais normais do país e, por outro, as taxas de juros praticadas. E, de qualquer modo, parece razoável o impedimento da ultrapassagem de 30% face às receitas normais da média dos últimos três anos e com perspectiva da garantia de pagamento dentro do mandato em curso, para não hipotecar a aplicação dos programas e gestores que se lhe seguem. E sempre se em causa estiverem investimentos públicos altamente reprodutivos na economia nacional, regional ou local.

Esta norma-travão do aumento de defesa jurídica por parte da Administraçao estadual, a aplicar também às outras Administraçoes territoriais, deve ser constitucionalizada em ordem a permitir tirar consequências constitucionais da sua infracção. Deve haver estipulação de um máximo de endividamento, com garantia de ampla transparência pública no processo e exigência co-responsabilização com aprovação formal dos vários órgãos de soberania, face às propostas governamentais, e ficar o seu cumprimento garantido ainda com possibilidade de demissão de quem não cumprir com as regras constitucionais e legais sobre a matéria: do governo pelo presidente, de outros dirigentes públicos de Administração indirecta pelo governo e dos de Administração autónoma pelos tribunais, em processo urgente.

Nesta perspectiva, o artigo 195.º da Constituição deve ser reformulado do seguinte modo: “2.O Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado, pode demitir o Governo, quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas e sempre que os níveis de endividamento público ultrapasse o disposto na Constituição e leis complementares sobre a matéria”.

A este normativo, deveria, ainda, acrescentar-se outro n.º3, que permita tornar menos oneroso e eventualmente inútil o processo de substituição do governo, evitando um novo processo eleitoral, enunciando que em caso de demissão de um governo pelo PR, o partido ou coligação no governo deve indicar outra personalidade para chefiar o novo governo[17].

Ou seja, que, permitindo esta demissão-sanção do primeiro-ministro, corrija a situação anómala, mas sem necessidade de eleições antecipadas, dando ao Presidente da República a possibilidade de optar entre a dissolução simultânea da Assembleia da República ou a exigência de os partidos, designadamente o maioritário, existindo, apresentarem um novo nome para presidir ao governo, a constituir num curto espaço de tempo após a demissão do anterior primeiro-ministro.

 

4.5.Sistema de governo

 

O sistema político vigente, apesar da profunda revisão que sofreu constitucionalmente em 1982, preso ainda quer à necessidade de sedimentar o sistema partidário recente quer às raízes originais do período revolucionário e dos compromissos aí assumidos, sem prejuízo dos avanços institucionais e mesmo programáticos que então mereceu, não permite evitar soluções e situações indefensáveis ou que permitam facilmente ultrapassar os problemas.

Pelo contrário, em vários aspectos, favorece estabilidades com sentido de continuidade desestabilizadora, corruptora, personalizante dos poderes e confiscadora das representatividades.

Há um deficit democrático no modelo vigente, não só no âmbito funcional, como mesmo no legitimador ou relegitimador, que as várias revisões constitucionais, presas a matrizes anteriores, não conseguiram ultrapassar.

 

Só um governo de grande expressão nacional, considerado responsável e amplamente relegitimado, com figuras novas, não desprestigiadas neste processo de endividamento descontrolado, ou seja afastando as caras do passado recente, como aconteceu na Islândia, que englobe (organicamente e não apenas em termos de compromissos) pelo menos os “partidos do arco das governações”, pode dar confiança externa e, por isso, ter capacidade de renegociar firmemente, em termos devidos, com a UE-Fundo Monetário Internacional e os credores do mercado financeiro.

 

E Portugal tem que potenciar o crescimento económico e evitar investimentos públicos com empréstimos para poder pagar o endividamento da década anterior. Mas, em vez disso, vai ter de (e com um escandaloso acentuar permanente de despesas em grandes projectos, por parte deste governo, em contratos assinados até ao último dia antes da aceitação da demissão), pagar, cada vez mais com decréscimo acentuado do seu desenvolvimento económico.

 

4.6.Políticas de desenvolvimento global

 

No âmbito das políticas de desenvolvimento para uma maior competitividade e maior coesão económico-social, designadamente do desenvolvimento sustentável, nacional, regional e local, e seu planeamento estratégico e territorial, importa avançar regionalmente com planeamento integral, articulando o planeamento físico e o estratégico, e apoios à programação e aos investimentos, com tomadas de medidas decisivas, especificamente em relação com as regiões fronteiriças e regiões rurais. Estas necessitam de uma acção muito activa, sem o que não se mantém o actual já mínimo de 25% de ocupação humana, lutando contra o contínuo despovoamento destas últimas décadas, para não deixar destruir o mundo rural-humano tradicional, o que exige evolução em termos de bem-estar e qualidade de vida das populações aí residentes.

 

Impõe-se, naturalmente, uma corajosa reforma do enquadramento funcional dos sectores económicos e financeiros, conotados com a crise, e centrar o apoio financeiro das entidades públicas ou de sub-fiscalidade prioritariamente nos sectores de exportação, de substituição de importações, de criação de alto valor acrescentado, e para efectivar projectos públicos apenas sem acréscimo de endividamentos externos e sobrecarga orçamental, projectos de inovação enriquecedora do país e, sobretudo, a situar ou situadas em regiões com mais assimetrias de desenvolvimento.

Portugal tem que se afastar decididamente do apoio ou recepção de políticas europeias de pagamento de desinvestimentos em sectores de produção em que há experiencia e tradições, condições naturais e vantagens comparativas passíveis de dinamizar, e inversamente caminhar no sentido de reforço do tecido produtivo e diminuição de aquisições ao estrangeiro com consequente desequilíbrio nas balanças financeiras, no sector primário em ordem a uma maior auto-abastecimento e redução de importações, no das pescas, no secundário sobretudo onde o consumo interna pesa excessivamente na balança de pagamentos e no terciário, seja no turismo seja em áreas de massa cinzenta.

No âmbito da sua tradução territorial, das políticas de desenvolvimento situado, ao Estado deve caber apenas o Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território, e articuladamente com os órgãos regionais, os Planos Sectoriais de Intervenção Territorial. Os Planos Especiais de Ordenamento do Território, enquadrados pela legislação supranacional e nacional pertinente, devem caber a os órgãos regionais, tal como os Planos Regionais de Ordenamento do Território; e, com substituição dos Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território, quando tal possa ser útil, pela figura de Planos Regionais de Ordenamento do Território Parciais (planos sub-regionais), uns e outros em articulação com os municípios.

 

6.2.Propostas a sua fundamentação

 

Em geral, podemos afirmar que não há dúvida que importa mudar o quadro de legitimação e de intervenção dos poderes públicos.

 

6.2.1.O que não deve fazer-se

 

No âmbito das soluções para a crise financeira, impõe-se a promoção da qualidade de vida e bem-estar em todos os domínios da vida do indivíduo e da sociedade e da própria sustentação futura do Estado, o que impede qualquer medida facilitadora imediata de corte do nível de rendimentos das classes trabalhadoras ou reformados, assim como impede aumentos de impostos, o que dificulta a vida económico-empresarial, o consumo, o aforro e o investimento. E isto, a prazo, acaba por também deteriorar a própria receita do Estado.

 

6.2.2. Reforma da organização global da Administração Pública

 

No âmbito da reforma da organização global da Administração Pública portuguesa, importa repensar quase tudo:

-pensar na eliminação substancial das dezenas de milhar de administrações indirectas (institutos públicos e empresas de entidades públicas), através da reintegração nos organigramas ministeriais (sem personalidade jurídica do Estado e dos municípios) ou de concentrações generalizadas, quando tecnicamente eficaz;

-redução a um único órgão deliberativo (v.g., modelo Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), sem personalidade jurídica, no que se refere às entidades administrativas independentes;

-sujeição à aprovação ministerial de todos os orçamentos das entidades que devam continuar;

-publicação de una sunshine law geral segundo o modelo dos EUA para os órgãos colegiais, abrindo à assistência do público e comunicação social todas as reuniões dos órgãos dirigentes de entidades públicas não empresariais e empresariais de serviço público;

-a fixação legal de critérios de remuneração, incluso com tectos máximos e prémios de produtividade, de todos os dirigentes das Administrações Públicas e organismos de sua propriedade, incluindo institutos e empresas do Estado e entes infra-estaduais;

-a existência das “freguesias”, a eliminar como figura autárquica e a reenquadrar no conceito de municipalidade, com reponderação do mapa dos municípios[18];

-fazer coincidir em general as circunscrições regionais do Estado com os territórios das novas regiões autárquicas, representativas;

-atribuir a coordenação de estes organismos das circunscrições dos distintos ministérios fora da capital aos representantes do Governo, convolados em cargos de Administração altamente qualificados e não mais partidários, com o Estatuto de Governador Civil Regional semelhante ao do modelo do Prefeito francês.

 

As figuras de associações intermunicipais de interesse geral nada resolvem, sendo uma mera estratégia inconstitucional, teledirigida a partir de cima, do Estado, criando estruturas orgânicas de pseudo-substituição, cuja ineficácia promocional do desenvolvimento e competitividade tem sido nula.

E isto, naturalmente, ausência de representatividade directa e, portanto, de órgãos e eleitorado próprio, e da sua submissão total a uma lógica agregadora dos meros interesses municipais, contrariando um conjunto de princípios constitucionais (tipicidade, especialidade, falta de representatividade directa dos seus órgãos, atribuição de poder regulamentar exterior de Administração territorial) e, portanto, a assunção de poderes de ente territorial menor contra a tipologia constitucionalmente imposta[19].

 

Há muito que defendemos, não um conceito de autonomia regional ou municipal baseado em poderes exclusivos, mas sobretudo na interadministratividade, com intervenção geral, cooperativa ou integrativa, na línea da concepção burmeisteriana de autonomia local[20], a única que permitirá não deixar depauperar o real poder dos municípios e ajudará a criar um complexo Estado-Regiões e municípios fortemente cooperativos.

 

Como afirmava a comissária Hübner, no relatório Barca, de 27 de Abril de 2009, a «política de coesão é um pilar central do processo de integração europeia», devendo todas as regiões «poder realizar plenamente o seu potencial em termos de desenvolvimento económico» e todos os cidadãos poderem «beneficiar das reformas políticas, independentemente do lugar onde vivam»[21].

 

Ou seja, quanto à reforma do Estado-Administração, no plano regional e do desenvolvimento regional e local, haverá que, no âmbito da organização da Administração territorial do Estado, voltar (em simultâneo com a eliminação da estrutura das freguesias, a maior parte dos institutos dependentes do Estado e das empresas públicas - ou seja, em geral das entidades de administração indirecta- e redução generalizada de serviços públicos concentráveis e despesas em bens de consumo evitáveis efectivadas por estes), a um novo projecto de concretização política da regionalização, que é algo ínsito ao repto de desenvolvimento de todas as partes do território nacional e a um correcto planeamento estratégico e territorial regional (factor de desenvolvimento endógeno próprio e colchão de esbatimento das consequências dos erros das políticas da Administração nacional), que potencie níveis iguais de qualidade de vida dos cidadãos, vivam onde viverem.

As regiões administrativas, de natureza meramente autárquica e não política, estão mais vocacionadas para a afirmação proactiva de lideranças e governações dinamizadores dos distintos territórios e para actuar essencialmente nos domínios do planeamento e da definição das prioridades de actuação do sector público em cada uma delas, da programação das políticas públicas e da afirmação das potencialidades regionais, endógenas, com acréscimos de eficiência, com decisões mais céleres, mais participadas e mais próximas dos destinatários. Uma reforma eficaz e de poupança de despesas públicas só pode concretizar-se através da regionalização do país. Não é por acaso que os grandes problemas actuais de endividamento se passam nos três países não regionalizados, pese embora a especificidade da Irlanda, e que o Fundo Monetário Internacional imporá à Grécia uma reforma do Estado no sentido da criação de regiões administrativas. Tudo para impedir novas derrapagens do poder central. E tal deve mesmo funcionar como uma condição de regeneração da política portuguesa, pelo que devia também ser uma das exigências, por parte da UE-Fundo Monetário Internacional, integrantes da reforma administrativa do Estado, no actual processo de resgate financeiro para garantir, no futuro, a divisão das decisões de investimentos e multiplicação do controlo no campo dos gastos futuros.

 

Há uma Administração Pública com excessivo centralismo, afectando negativamente a rapidez aplicativa e adaptativa, ou seja, a eficácia das políticas públicas e o desenvolvimento harmonioso dos seus territórios, objectivo primordial de uma necessária instituição de regiões autárquicas, vocacionadas para a afirmação proactiva de lideranças e governações dinamizadores dos distintos territórios, embora limitada a actuações essencialmente nos domínios do planeamento e da definição das prioridades de actuação do sector público em cada uma delas, da programação das políticas públicas e da afirmação das potencialidades regionais, endogenizantes, com acréscimos de eficiência, com decisões mais céleres, mais participadas e mais próximas dos destinatários.

 

Urge concretizar este projecto constitucional da regionalização, que é algo ínsito ao desafio de desenvolvimento de todas as partes do território nacional e a um correcto planeamento estratégico e territorial regional que potencie níveis iguais de qualidade de vida, em que se exige novos enquadramentos e procedimentos que a viabilizem.

O seu enquadramento deve processar-se em novos moldes e só tem real sentido numa visão reformista global do Estado.

Assim:

a)-no âmbito do quadro constitucional da regionalização, exige-seuma revisão constitucional, eliminando a exigência da criação simultânea das regiões e a imposição do referendo nacional. Um referendo, a existir, só teria sentido quanto à criação em concreto de cada região e em consulta apenas ao eleitorado da respectiva região, não sendo aceitável que regiões já existentes ou em formação possam pronunciar-se pelo bloqueamento de outras que se pretendem também instituir;

b)- no seu âmbito procedimental, quer se parta em termos reformistas de actuais realidades associativas quer não, a conformação geográfica final deve resultar da pronúncia dos poderes locais implicados no processo. E não de qualquer referendo-ratificação de um mapa nacional, pré-decidido pelos poderes nacionais e partidários ou referendo inicial de qualquer projecto quanto ao sentido, tempo construtivo, territórios e capitais ou atribuições. Aceitando-se ritmos diferentes do projecto de reenquadramento georegional, método já adquirido nas experiências associativas alargadas desta década. A aprovação final de cada território regionalizado deverá depois passar por Lei da Assembleia da República, e consequente marcação de eleições para os novos órgãos da Região em substituição dos órgãos associativos e dos das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (representatividade directa);

c)- no âmbito da estrutura orgânica, poderes e atribuições destas autarquias supranacionais, deve aceitar-se a aplicação da actual Lei-Quadro das Regiões Administrativas, aprovada por unanimidade em 1991, sem prejuízo de futuros aperfeiçoamentos, aliás exigíveis em todas as entidades territoriais infra-estatais, não tanto no plano macro-orgânico ou material, mas da interadministratividade, cooperativa ou integrativa, substituindo poderes de intervenção excessiva, por partilha de poderes de pronúncia ou decisão.

 

É urgente avançar com modificações no sentido da Reforma da Organização da Administração Pública com a racionalização dos seus gastos, através da reorganização e extinção ou concentração de milhares de entidades institucionais e empresariais dos poderes públicos, uniformização das circunscrições de Administração regional do Estado e reformulação dos entes autárquicos já existentes, freguesias e municípios.

 

6.2.3. Reforma da relação Parlamento-Governo, do sistema eleitoral e do funcionamento dos partidos

 

Quanto à reforma dos partidos e da representatividade do Parlamento, no que concerne à concretização de um mais adequado sistema das representatividades, deve reenquadrar-se todo o sistema eleitoral no plano global, contando, segundo o método de conversão proporcional, com o novo nível regional de poder territorial, dando-lhe também e simultaneamente expressão mesmo para o Parlamento nacional (em vez do artificial nível distrital). E instaurando o nível uninominal de base municipal.

Quanto ao sistema partidário, há que criar, embora com alternativas de livre escolha técnica, um enquadramento uniformizado sempre que estejam em causa valores e princípios democráticos de funcionamento interno da vida partidária, ínsito ao modelo de sociedade inscrito na própria Constituição.

 

6.2.4. Reforma do sistema judicial e segurança

 

Quanto à reforma do sistema judicial, especificamente sobre a reforma da organização global do Estado-Jurisdição, importa, desde logo, acabar com o incumprimento generalizado do direito a um processo ou decisão judicial sem dilações indevidas (n.º2 do artigo 32 da CRP e alínea c) do n.º3 do artigo 14 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos). Com efeito, a ideia de Justiça implica o respeito pelo direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas (prazo previsto na lei, com um lapso temporal proporcional à complexidade do processo), o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso de direitos cujo exercício fique comprometido se não se desencadearem logo medidas expeditas para o reintegrar (v.g., direito de habeas corpus, do artigo 31.º da CRP, providências cautelares), o direito a um processo de execução rápido e eficaz (n.º3 do artigo 208.º), o direito à existência de recurso (duplo grau de jurisdição) em qualquer situação em matéria penal[22] e de direitos fundamentais, mesmo fora do âmbito penal, não podendo a regulação legal sobre os graus de jurisdição ser eliminada, mesmo que estejam em causa titulares de poderes públicos.

Em geral, há que repensar as carreiras do Ministério Público e dos Juízes, valorizando os valores do mérito, maturidade e rapidez de soluções, o que implica reordenar consequencialmente a magistratura de maior responsabilidade, porque decisória, a jurisdicional, com relação à investigatória e promocional dos processos, voltando ao sistema de carreiras sucessivas, anterior a 25 de Abril, sem prejuízo quer da integração de especialistas de mérito nos tribunais superiores quer do valor acrescido do estágio no CEJ para as categorias de ingresso e incremento da formação contínua. Há que criar soluções de transparência no exercício das magistraturas, obrigando à publicitação do conhecimento de cargos, interesses e filiações anteriores, com impedimento de intervenção (sem comprometer em geral o princípio do juiz natural), em processos em que possa estar em causa a sua imparcialidade, mesmo em julgamentos implicando titulares dos poderes instituídos. Há ainda que efectivar a concentração das organizações policiais e das de investigação criminal; e evoluir para dinâmicas de redução-eficácia dos empolados serviços de informações.

 

6.2.5. Revisão do pacto de integração na União Europeia e na União Monetária

 

No que concerne à nossa integração na União Europeia e na União Monetária, importa acabar com subserviências aos interesses dos países fundadores do Norte e efectivar uma frente dos Estados mais pequenos e sobretudo do Sul da Europa, no sentido de impor uma autêntica federação europeia, com tudo o que isso implica, no âmbito da melhor distribuição dos poderes soberanos dos Estados e institucionalização das solidariedades, assim como pugnar pela imposição de políticas, internas e externas, concebidas não só segundo os interesses do Norte mas também dos países do Sul, com democratização das políticas do Banco Central Europeu, concebido não apenas para servir os interesses e lógicas monetaristas-económicas favoráveis aos países mais desenvolvidos, como a Alemanha, mas para se adaptar aos diferentes problemas dos vários países e controlado segundo lógicas plurinacionais e representativas dos vários interesses europeus.

Se o peso dos votos dos representantes dos povos dos Estados pode ser diferente no Parlamento, como câmara de representantes do povo, segundo a dimensão dos eleitorados dos diferentes círculos, já é inaceitável que, na lógica federal da igualdade de todos os Estados, porque soberanos, o voto no Conselho de Ministros, câmara de todos Estados, igualmente soberanos, e não dos povos, diferentemente povoados e, portanto, com eleitorados de diferente dimensão (de facto, heterodoxamente, na lógica de separação -e legitimação directa ou não- de poderes a mais decisiva Câmara legislativa –embora ainda permanentemente itinerante-, mas a transformar num verdadeiro Senado à americana com membros eleitos ou Bundesrat à alemã, com igualdade de representantes permanentes, designados pelos governos nacionais), não seja estritamente igual e com poderes passíveis de questionar e impor reapreciações das decisões dos outros órgãos, seja em termos de políticas internas europeias seja de política externa.

A Comissão Europeia, como governo da Uniao, seu poder executivo, exigindo lógicas coerentes dentro do sistema global, não pode ser a outra câmara de representantes dos governos (mesmo que semi-legitimada pelo parlamento), papel que cabe ao Conselho dos Estados (actualmente e cada vez menos bem ainda designado como Conselho de Ministros, pois vai perdendo o poder executivo, cada vez mais e bem nas mãos da Comissao). A Comissao tem de passar a ser não só um orgao complexo, eveitando que, real ou mesmo só formalmente, tudo tenha que ser decidido em reunião plenária, e ser um orgao mais pequeno, homogéneo e funcional, escolhido livremente pelo presidente em diálogo com o parlamento, onde deve unicamente ir buscar a sua legitimidade, enquanto “comissão” e enquanto poder executivo, embora seja indiferente que como comissão seja empossada pelo parlamento ou enquanto executivo “clássico” seja empossado pelo “presidente da UE”.

E o Parlamento tem de passar a ter o poder de iniciativa legislativa, mesmo que concorrente com a Comissão, mas acabando com o privilégio heterodoxo tradicional da iniciativa apenas nas mãos da Comissão (explicável pela configuração inicial do parlamento, quase sem poderes decisores e sem representatividade directa, e o desejo dos governos de manterem na sua mão tal poder, através de uma Comissão que só deles dependia, sem ligação a resultados eleitorais, umas e outras premissas hoje ultrapassadas).

 

6.2.6. Reforma das regras de transparência dos poderes públicos

 

No que respeita ao funcionamento e comportamentos em geral dos órgãos nacionais, dotados de poderes em relação à sociedade, urge uma revisão do ordenamento jurídico e institucional. É necessária uma reforma que imponha o conhecimento generalizado e atempado do seu funcionamento e actuações, por parte dos cidadãos. Há queimpor a transparência total no exercício das respectivas funções (com o mínimo de excepções, devidamente fundamentadas e controladas, que o exercício das funções possa implicar durante um certo tempo). E com atribuição de novos e respeitados poderes das entidades administrativas independentes, que lhes permita garantir, plena e rapidamente, a ultrapassagem da opacidade que ainda reina generalizadamente, designadamente na Governação e nas Administrações públicas.

 

 

Conclusão

 

Importa recordar que a democracia não se esgota nos actos eleitorais, tantas vezes viciados por técnicas de marketing político, em que aliás Hitler foi mestre. Nem nas adesões esclerosadas, sem sentido em certas conjunturas; adesões meramente assentes em opções de uma vida de visões maniqueístas- esquerda e direita; socialismo e capitalismo-, hoje, mantidas em termos indiscutíveis, clubísticas, como se fossem as siglas que governassem em cada momento e não os homens concretos que estão por detrás delas.

Nem deve depender dos volumes escandalosos -e de origem duvidosa- dos montantes gastos nas campanhas eleitorais, da empatia ou discursividade fáceis e desesperanças dos eleitores, que levam, por vezes, a enganos, abstenções significativas ou à inércia do pernicioso voto anterior.

 

A soberania está no povo, não está nos titulares dos órgãos que o representam e que do seu exercício têm que, permanentemente, dar informação e prestar contas.

São muitas as parcelas dos sistemas sociais a recriar, a reformar ou a regenerar. Portugal vive uma crise generalizada, que, no fundo, tem como factores mais profundos tudo o que está antes dessa crise e, também, na base da dificuldade da sua ultrapassagem e seguramente de outras futuras, se não for corajosa e rapidamente alterado.

 

Os actuais poderes públicos têm que apontar os caminhos. Têm que criar as condições viabilizadoras desta reforma urgente, cujo enquadramento se deve processar em novos moldes e com uma visão reformista geral do Estado. Uma visãoadequada às realidades em que o país se insere neste novo século. Ela não já é nem a do liberalismo revolucionário do início do século XIX, nem a do modelo instalado no período pós-monarquia nem a do pós-25 de Abril, no início do último quartel do século XX.

 

O Mundo e a Europa mudaram e continuam a mudar cada vez mais rapidamente. E Portugal quis agarrá-los. Mas com soluções do passado, em vez de ter a coragem de se aceitar ter de se repensar e repensar, como fizeram, umas vezes melhor, outras menos bem, mas fizeram, os revolucionários e reformistas que a história regista.

 

 

 

 

 


(Contra capa final)

Na sua carreira académica, regeu e publicou obras concernentes a várias disciplinas, sendo o autor com publicação de uma tríade de manuais sobre políticas e direitos administrativos inter-relacionados de protecção territorial (direito do ordenamento do território, direito do ambiente e direito urbanístico, com os títulos “Desarrollo e cohesión na Península Ibérica: El problema de a ordenação territorial”, "Ordenamento do Território: Administração e Políticas Públicas, Direito Administrativo e Desenvolvimento Regional", "Direito do Ambiente” e "Direito do Urbanismo”), e também lições de Direito Administrativo Geral, Direito e Governo Municipal, Direito Comunitário, "Caminhos da Europa", Direito Internacional, Direito Constitucional, etc.

Membro da Direcção da Ceditex/Fundicotex (Espanha), representante para Europa da Liga Mundial de Juristas Ambientalistas (México), membro da direcção da Rede Internacional de Cientistas e Especialistas Ambientais (Recientea), membro permanente de comissões científicas de várias revistas internacionais.

http/:condesso2011.no.comunidades.net

 

(Contracapa)

 

Este livro do antigo deputado porrtuguês e europeu e actual catedrático de ciência política e direito público, Fernando Condesso, versa sobre os défices do modelo concreto de democracia em que vivemos. Este tema está antes dos temas das crises, que ciclicamente aparecem como a sua epiderme, consequência e logo também causa desse modelo.

A democracia, na sua concretização histórica, é e será sempre um ideal de realização inacabada, com avanços e retrocessos. E, por mais avançada que pareça, não evita que todo o governo, inclusive “representativo”, se não devidamente controlado, tenda a combinar elementos democráticos com uma dimensão oligárquica, ou mesmo à criação de contextos propiciadores de atitudes autocráticas.

Hoje, em Portugal, constata-se que a situação de crise e medidas avançadas pressupostamente contra ela convivem com faltas de legitimidade originária e funcional dos Poderes, desde o poder governativo ao judicial. E défices de democraticidade interna dos partidos. E erosão acelerada da confiança nos dirigentes políticos.

Os caminhos defendidos não passam pelo ataque aos direitos adquiridos, elementos fundamentais do Estado Social, descidas de remunerações, aumentos de impostos ou questionamento da segurança social.

Após quase quatro décadas de vivência democrática, segundo o modelo experimentado com base na formulação constitucional saída do processo constituinte originário de 1974-1975 e da primeira revisão de 1982, há que reconstruir um novo quadro de referência para a vida política que, desde logo, aponte para a formação de governos de apoio maioritário.

São muitas as parcelas dos sistemas sociais a recriar, a reformar ou a regenerar. Portugal vive uma crise generalizada. Os factores mais profundos estao antes desta crise. E estão na base da dificuldade da sua ultrapassagem. Urge alterações corajosas e imediatas. Os titulares de poderes públicos têm que apontar caminhos. Têm que criar condições viabilizadoras de uma reforma, radical e urgente. Com um novo enquadramento. Não para continuar a rasgar a Constituição. Não para questionar o Estado Constitucional Democrático Social de Direito. A visão reformista geral do Estado deve ser aadequada às realidades mundiais e europeias, em que o país se insere, neste novo século.

Ele nem é a do liberalismo do início do século XIX, do modelo instalado no período pós-monarquia do início do século XX, do período pós-25 de Abril, nem a da Revisão Constitucional de 1982. O Mundo e a Europa mudaram e continuam a mudar, cada vez mais rapidamente. Portugal não pode agarrá-los com soluções do passado. Tem de aceitar repensar-se. Tal como fizeram os revolucionários e reformistas que a história regista.



[1] Arguição do autor, nas provas de André Freire, Coordenador dos Ciclos de Ciência Política de ISCSTE, IUL, no debate sobre o «Relatório de Agregação em provas públicas no ISCSP-UTL, 2010»

[2] Vide, v.g., o Libro Branco sobre a Gobernança Europeia.

[3] WARREN, S. e BRANDEIS, L. -El derecho a la intimidad. (Tradução de PENDÁS, Benigno e BASELGA, Pilar). Madrid: Cuadernos Civitas, 1995, p.61 e ss.: «publicy justly commended is a remedy sea social and industrial disease. Sunlight is said to be the best disinfectant and electric light the most efficient policeman».

[4] Sobre o direito comparado do acesso à informação, vide as obras gerais do autor: CONDESSO, F. –Direito à Informação Administrativa. Tese doutoral (Julho de 1994). Lisboa: PF, Janeiro de 1995; -La defensa del medio ambiente y el derecho a la información administrativa en las Instituciones de la Unión Europea y en la Península Ibérica. Segunda tese doutoral em Direito. Faculdade de Direito e Ciências Económicas, Departamento de Direito Público II, da Universidade Rey Juan Carlos I, Biblioteca de la URJC , Madrid ,Espanha, 2002; -Derecho a la Información: Crisis del Sistema Político y Transparencia de los Poderes Públicos. Madrid: Dykinson. 2011; -«Direito da informação e direito à informação». In Direito da Comunicação Social. Coimbra: Almedina, 2007, páginas 27-82; - La importancia y la eficacia del derecho de acceso general a la información administrativa. Trabalho de investigación. Faculdade de Direito de Cáceres, UNEX, Biblioteca da Faculdade de Direito, 2001; -«O direito à informação administrativa»  Legislação: Cadernos de Ciência de Legislação.INA, n.17 (Out.-Dez.1996), p.63-100; - El acceso a la información medioambiental en poder de las administraciones públicas portuguesa y española, Revista Observatorio Medioambiental, nº 9 .Ed. Universidad Complutense de Madrid, 2006, p.27-44; -O Direito de Acesso aos Dossiers Públicos (Lei n.º65/93, de 26 de Agosto». Revista de Direito da Universidade Moderna do Porto, Ano I, n.º1, 1998, p.255-297.

[5] COTTIER, Bertil –La publicité des documents administratifs: Étude de droit suédois et suisse. Genève: Librairie Droz, 1982,  p.4.

[6] Vide, em geral, CONDESSO, F.-Introdução à ciência política II: a transparência da vida política e o financiamento dos partidos, uma reflexão politológica, Lisboa, 1990.

[7] MENY, Yves -L'Argent et a Politique, pág. 75.

[8] PARETO, Vilfredo -Traité de Sociologie Générale, Préface de RAYMONDE ARON, Genève, Librairie Droz, 1968, p. 1454 e ss.

[9] G. SARTORI -Théorie da Démocracie, Paris, A.Colin, 1973, pág 145.

[10] O princípio do acesso dos cidadãos em geral à informação detida pelas entidades públicas apoia-se nas ideias do controlo da burocracia e do governo justo, como meio de garantir as ideias de justiça e de imparcialidade da Administração.

[11] RONAI, Maurice –«L’Etat comme Machine Informationnelle». In Séminaire organisé par le Commissariat du Plan et l’Observatoire Juridique des Technologies de l’Information.Paris: 24 de Novembro de 1992. E publicado, também, in Les Données Publiques : Un gisement a exploiter? Revue Française d’Administration Pulique. Paris: Institut International d’Administration Publique, n.º72, octobre-décembre 1994, p.571-580. Veja-se, também, em estudo encomendado pela Comissão Europeia ao professor PHILLIPE GAUDRAT -Commercialisation des Donnés Publiques: Observatoire Juridique des Technologies de L’Information. Paris:Documentation Française, 1992.

[12] V.g., PITRAT, Charlotte-Marie –«Le débat européen:un serpent de mer». In Les Données Publiques : Un gisement a exploiter ? Revue Française d’Administration Publique. Paris: Institut International d’Administration Publique, n.º72, octobre-décembre 1994, p.603-608.

[13] Vide textos pioneiros no tema, como o Plan for un information society, preparado por Japan Computer Usage Development Institute Jacudi; Nacional Information Policy, preparado por Nelson Rockfeller; Raport Nora-Minc sur l’informatization de la societé: citados emRONAI, Maurice –o.c., p.573, nota 2.

[14] Comungando da ideia de complementaridade, vide, v.g., POULLET, Y -Pour un cadre juridique d’une politique de diffusion des données détenues par le sectaeur public. DGXII, Lab 93/1, p.5 ; e MAISL, H. –«La diffusion des données publiques». In AJDA, n.º5, 1994, p.362:Em geral, vide, ainda, v.g., SUDRE, F. – « Droit communnautaire et liberté d’information au sens de la Convention Européenne des Droits de l’Homme ». In Journal européen de droit international, n.º2, 1991, p.31-57.

[15] No âmbito do direito de acesso à informação ambiental, rege a Lei n.º19/2006, de 12.6 (LAIA), complementada com a LADA.

[16] Em geral, acerca de «Los Fundamentos Históricos y Conceptuales de la Transparencia Documental e informativa », CONDESSO, F. - La defensa del medio ambiente y el derecho a la información en las Instituciones de la Unión Europea y en la Península Ibérica. (Segunda) Tese doutoral em direito. Madrid: Biblioteca URJC, 2002, sobretudo, p.173-290 e sobre a importância e eficácia da transparência, p.659-888. Ainda, COTTIER, Bertil –La publicité des documents administratifs :Étude de droit suédois et suisse. Genève: Librairie Droz, 1982, p.4. O jurista sueco NILS HERLITZ afirma que os funcionários «se tornam personalidades cuja atitude e maneira de pensar aparecem em plena luz do dia» (HERLITZ, Nils -«Le droit administratif suédois». Revue Internationale des Sciences Administratives, 1953, p.548).

[17] Sobre as diferentes alterações à Constituição orgânica, vide Anexo.

[18] Não é fácil reduzir o número de municípios, sendo certo que os actuais 308 não serao excessivos e, se em zonas sujeitas a forte despovoamento, a concentração é tecnicamente desejável sem perda de eficácia interventiva, já noutras zonas impõem-se divisoes, especialmente em povoações litoralizadas e dinâmicas (designadamente por razoes turísticas e comerciais), que se desenvolveram mais do que as sedes interiores dos seus municípios (e funcionam como suas colónias), as quais se permitem preocupaçoes de segunda linha face aos seus problemas e, vivendo à custa dos recursos derivados da sua urbanização, cometem verdadeiras decisões construtivas (loteamentos, edificações) que são agressoes à estética e ambiente urbano, muitas vezes ilegais e resultantes de forte cultura de corrupção. As freguesias, mantiveram-se no pós-25 de Abril, e, contrariamete às comissoes de moradores/bairro, ganharam foros de personalizaçao jurídico-pública e representatividade, dotadas embora de parcas funçoes, dada a sua subsunçao e inserçao funcional no forte espaço autárquico municipal, apresentando-se os seus membros, na altura e durante largo lapso de tempo, como agentes com as suas profissoes ou reformados, a apoiar gratuitamente as populaçoes, em agregados muitas vezes distantes da sede municipal, para onde carreavam os respectivos problemas e com assento no órgao deliberativo desta autónoma autarquía-“mae”. Mas, depois, motivaçoes eleitorais e partidárias levaram a dotar esta instituiçao residual do poder local de fundos e membros pagos, que foram aumentando, alugando novos edificios, contratando pessoal, criando por vezes complexas estruturas de serviços, aumentando a fatia do orçamento municipal que lhe era distribuída, com tudo significando, hoje, globalmente, no conjunto das 4259 freguesias existentes, remuneraçoes dos seus presidentes e seus funcionarios, etc., uma instituiçao que pesa financeiramente em termos muitos superiores aos custos correntes de uma regionalizaçao, bem feita em atribuiçoes e dimensao territorial, sendo certo que, no plano da instalaçao inicial, em relaçao a recursos financeiros, humanos e instalaçoes, nada mais seria necessário que a deslocaçao de uma parcela daqueles que outras instituiçors públicas, a extinguir, designadamente freguesias (dinheiros e pessoal) e administraçoes periféricas do Estado (patrimonio imobiliário), libertariam.

[19] E, em Portugal, aliás, da total reforma das estruturas periféricas do próprio Estado. Sobre desenvolvimento regional, competitividade, governança, participação, liderança e inadecuação do actual modelo institucional, vide a tesis de doctorado em economía e planeamiento territorial de BRANCO, Rosa Maria Pires -Competividade e Governação: O caso da Área Metropolitana de Lisboa, FCSH-UNL (defendida a 9.3.2010). Vide, ainda, sobre o debate à volta das asociações municipais, v.g., AMARAL, D. F. –Curso de Direito Administrativo, Vol.I, Coimbra: Almedina, e sobre a Regionalização, CONDESSO, F. –«Planeamento e Qualidade de Vida: Uma visão territorial. Pela reforma global da Administração Pública». In II Congresso sobre a Qualidade de Vida. Organização INTEC-CAPP, 29 de Novembro de 2010, Lisboa, ISCSP, sítio CAPP.

[20] CONDESSO, F. -O Ordenamento do Território: Direito do Planeamento Territorial, Administração Pública do Território, Economia Regional e Políticas Europeias. Lisboa: ISCSP-UTL; -La Defensa do Medio Ambiente e o Derecho a a Informação Administrativa em las Instituções da Unão Europea e em os Estados Ibéricos. URJC, Madrid; -El desarrollo armónico da Península Ibérica: O problema da ordenação territorial. Barcelona: Erasmus Ediciones, 2010.

[21] Relatório Barca, ip/09/642, Bruxelas, 27.4.2009.

[22] Nº 5 do artigo 14.º do PIDCP e 1, 32 CRP, Acórdão do Tribunal Constitucional. 210/86.