DIREITO PARTICIPAÇAO PROCEDIMENTAL E AÇAO POPULAR

DIREITO PARTICIPAÇAO PROCEDIMENTAL E AÇAO POPULAR

 

O direito de participação procedimental e de acção popular na defesa de interesses urbanísticos-ambientais
 
Introdução
A Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto, define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular (a acrescentar a outros meios e normas de defesa de interesses difusos, designadamente e com especial destaque o ambiente, com meios jurisdicionais já anteriormente consagrados na Lei de Bases do Ambiente, nos termos dos artigos 40.º, n.º 4 e 42.º da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril), para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.° 3 do artigo 52.° da Constituição, designadamente estando em causa o ambiente, a qualidade de vida, a saúde pública, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.
Ela atribui, além do mais, e sem necessidade do filtro pré-contencioso da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, e mesmo na fase endoprocedimental, um direito instrumental de acesso à informação, com possibilidade de intimação judicial imediata para prestação da referida informação, em caso de recusa administrativa. E constitui um poderoso instrumento jurídico de reação dos cidadãos enquanto tais contra incumprimentos normativos ofensivos de valores que também envolvem, direta ou indiretamente, a nossa matéria.
Vamos dedicar-lhe algumas páginas caracterizadoras do seu regime, apesar de, em parte, o seu conteúdo de grande interesse no plano da defesa dos interesses em causa, merecer um desenvolvimento teórico, que aqui nos inibimos de efetivar.
Vejamos as suas linhas fundamentais:
No que se refere à titularidade dos direitos de participação procedimental e do direito de ação popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto), ela pertence a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras dos interesses em causa, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda. São igualmente titulares desses direitos, as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição.
Quanto à legitimidade ativa das associações e fundações são requisitos da mesma a personalidade jurídica, a inclusão expressa, entre as suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários, da defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate, o não exercício de qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais.
6.1. O direito de participação popular
No que se refere ao direito de participação popular, o artigo 4.° impõe o dever de prévia audiência na preparação de planos ou em matéria de localização e realização de obras e investimentos públicos.
Assim, a adoção de planos de desenvolvimento das atividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos de ordenamento do território em geral e a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos, com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional, devem ser precedidos, na fase de instrução dos respetivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afetados por aqueles planos ou decisões. Considera-se como equivalente aos planos, a preparação de atividades coordenadas da Administração, a desenvolver com vista à obtenção de resultados com impacte relevante e como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante aquelas que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área, quer sejam executados diretamente por pessoas colectivas públicas, quer por concessionários.   
Será dado conhecimento público do início do procedimento para elaboração dos planos ou decisões de realizar as obras ou investimentos, para permitir a realização da audição dos interessados, através da afixação de editais nos lugares de estilo, quando os houver, e ainda publicados anúncios em dois jornais diários de grande circulação, bem como num jornal regional, quando existir.
Os editais e anúncios devem identificar as principais características do plano, obra ou investimento e seus prováveis efeitos e indicar a data a partir da qual será realizada a audição dos interessados.
Entre a data do anúncio e a realização da audição deverão mediar, pelo menos, 20 dias (salvo casos de urgência devidamente justificados pela Administração pública), durante os quais estarão disponíveis para consulta dos interessados os documentos e demais atos do procedimento, isto é, os estudos e outros elementos preparatórios dos projetos dos planos ou das obras.
Destes elementos preparatórios têm de constar obrigatoriamente indicações sobre as eventuais consequências que a adoção dos planos ou decisões possa ter sobre os bens, o ambiente e as condições de vida das pessoas abrangidas.
Durante este período, os cidadãos podem pedir, oralmente ou por escrito, esclarecimentos sobre os elementos facultados.
No prazo de cinco dias, a contar do termo do período da consulta, os interessados deverão comunicar à autoridade instrutora a sua pretensão de serem ouvidos oralmente ou de apresentarem observações escritas. Se preferirem ser ouvidos, os interessados devem indicar os assuntos sobre que pretendem intervir e qual o sentido geral da sua intervenção.
Das audiências serão lavradas atas assinadas pela autoridade encarregada da instrução.
Os interessados serão ouvidos em audiência pública, devendo a autoridade encarregada da instrução prestar os esclarecimentos que entender úteis, durante a audiência.
A Administração Pública tem um dever de ponderação em face das alegações dos cidadãos, e de resposta às considerações efetivadas.
A autoridade instrutora ou, por seu intermédio, a autoridade promotora do projeto, quando aquela não for competente para a decisão, deve responder às observações formuladas e justificar as opções tomadas. A resposta será comunicada por escrito aos interessados. Em certas situações, este processo pode ser substituído por um procedimento coletivo.
Com efeito, quando a autoridade instrutora deva proceder a mais de 20 audições, pode determinar que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiências a efetuar, os quais serão indicados no prazo de cinco dias a contar do fim do período de consulta. E, no caso de os interessados não se fazerem representar, poderá a entidade instrutora escolher, de entre os interessados, representantes de posições afins, de modo a não exceder o número de 20 audições.
As observações escritas ou os pedidos de intervenção idênticos são agrupados, a fim de que a audição se restrinja apenas ao primeiro interessado que solicitou a audiência ou ao primeiro subscritor das observações feitas.
No caso de se adotar a forma de audição através de representantes, ou no caso de a apresentação de observações escritas ser em número superior a 20, poderá a autoridade instrutora optar pela publicação das respostas aos interessados em dois jornais diários e num jornal regional, se existir.
6.2. A ação popular
Quanto à ação popular, o artigo 12.° da Lei abre meios jurisdicionais administrativos e civis. Ele refere-se à ação procedimental administrativa e à ação popular civil.
A ação procedimental administrativa compreende a ação para defesa dos interesses difusos protegidos por esta lei, e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer atos administrativos lesivos dos mesmos interesses.
A acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil.
Há um regime especial de indeferimento da petição inicial.
Ela deve ser indeferida quando o julgador entender que é manifestamente improvável a procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações que o julgador tenha por justificadas ou que o autor ou o Ministério Público requeiram.  
Quanto ao regime de representação processual, dispõe especificamente a lei que, nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa, que não tenham exercido o direito de autoexclusão.
Quanto a este, recebida a petição de ação popular, dispõe-se que se procede à citação dos titulares dos interesses em causa na ação de que se trate, não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo, a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer em princípio como aceitação.
Mas a representação é ainda suscetível de recusa pelo representado até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos.
A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamente localizados, sem obrigatoriedade de identificação pessoal dos destinatários, que poderão ser referenciados enquanto titulares dos mencionados interesses, e por referência à acção de que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja um entre vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de pedir.
Quando não for possível individualizar os respetivos titulares, a citação far-se-á por referência ao respetivo universo, determinado a partir de circunstância ou qualidade que lhes seja comum, da área geográfica em que residam ou do grupo ou comunidade que constituam, em qualquer caso sem vinculação à identificação constante da petição inicial.
No âmbito da fiscalização da legalidade, o Ministério Público pode, querendo, substituir-se ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transação ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa.
No que diz respeito às regras probatórias, à recolha de provas pelo julgador, prevê a lei que na ação popular e no âmbito das questões fundamentais definidas pelas partes, cabe ao juiz a iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação à iniciativa das partes.  
Quanto à eficácia dos recursos, vigora um regime especial, segundo o qual, mesmo que determinado recurso não tenha efeito suspensivo, nos termos gerais, pode o julgador, em ação popular, conferir-lhe esse efeito, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação.
No plano dos efeitos do caso julgado, dispõe a lei que as sentenças transitadas em julgado proferidas, em ações ou recursos administrativos ou em ações cíveis, salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o julgador deva decidir por forma diversa, fundado em motivações próprias do caso concreto, têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares dos direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação. 
As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extrato dos seus aspetos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro. 
Pelo exercício do direito de ação popular não são exigíveis preparos. E o autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido. Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar pelo julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da improcedência. A litigância de má-fé rege-se pela lei geral. A responsabilidade por custas dos autores intervenientes é solidária, nos termos gerais. O juiz da causa arbitrará o montante da procuradoria, de acordo com a complexidade e o valor da causa.
No plano da responsabilidade civil e penal pela violação dos interesses aqui protegidos, há que referir o seguinte:
Quanto à responsabilidade civil subjetiva, a responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses protegidos, constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.
A indemnização pela violação de interesses de titulares não individualmente identificados é fixada globalmente. Os titulares de interesses identificados têm direito à correspondente indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil.
O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar do trânsito em julgado da sentença que o tiver reconhecido.
Os montantes correspondentes a direitos prescritos serão entregues ao Ministério da Justiça, que os escriturará em conta especial e os afetará ao pagamento da procuradoria, e ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais, de titulares de direito de ação popular que justificadamente o requeiram.
No plano da responsabilidade civil objetiva, existe também a obrigação de indemnização por danos, independentemente de culpa, sempre que de ações ou omissões do agente tenha resultado ofensa de direitos ou interesses protegidos nos termos da presente lei e no âmbito ou na sequência de atividade objetivamente perigosa.
Em certas situações, é obrigatório ter seguro. Quando o exercício de uma atividade envolver risco anormal para os interesses protegidos por esta lei, deverá ser exigido ao respetivo agente seguro da correspondente responsabilidade civil, como condição do início ou da continuação daquele exercício, em termos a regulamentar.
No que diz respeito ao regime de intervenção no exercício da ação penal, por parte dos cidadãos e associações, a lei reconhece aos titulares do direito de ação popular o direito de denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público por violação dos interesses aqui protegidos, que revistam natureza penal, bem como o de se constituírem assistentes no respetivo processo, nos termos previstos nos artigos 68.°, 69.° e 70.° do Código de Processo Penal.
É dever dos agentes da administração estadual, regional e local, bem como dos institutos, fundações, empresas e demais entidades públicas, cooperar com o tribunal e as partes intervenientes em processo de ação popular. 
As partes intervenientes em processo de ação popular poderão, nomeadamente, requerer às entidades competentes as certidões e informações que julgarem necessárias ao êxito ou à improcedência do pedido, a fornecer no prazo máximo previsto no artigo 82.º da LEPTA (10 dias), sendo certo que não só há meios contenciosos contra a secretização desta informação, acessível quando inexistirem razões de segredo de Estado ou de justiça, como a recusa faz incorrer o agente responsável em responsabilidade civil e disciplinar, e a recusa de cumprimento de sentença também em responsabilidade criminal.