Criar um Site Grátis Fantástico

Direito humano à água. Convenção de Albufeira.

Direito humano à água. Convenção de Albufeira.

Síntese sobre a evolução do DIP até à NECESSÁRIA consagração dos direitos a “água segura e em quantidades razoáveis” e ao saneamento como um direito humano. Sobre a Convenção de Albufeira

O processo de construção do direito à água sofreu uma evolução que começa por uma conceção em que a água é enquadrada per se, como recurso isolado restrito às águas de superfície transfronteiriças e só depois passa a uma conceção holística, como parte de um ecossistema, integrando todos os tipos de água doce.

Ou seja, também águas subterrâneas, nacionais e não só internacionais.

E com uma regulação da atuação dos diferentes atores, seja em tempo de paz ou de conflito armado.

Passando de uma abordagem exclusivamente quantitativa e de mera divisão entre os Estados ribeirinhos com prevalência do princípio do uso razoável e equitativo, favorecendo os Estados a montante para outro, combinando também aspetos qualitativos e com base num princípio de paridade entre os princípios do uso e o dever de não provocar dano significativo.

Finalmente integrando os deveres dos Estados, num conceito limitador da soberania nacional com a responsabilização ligada a direitos dos indivíduos (no sentido do DIP) à água: Primeiro como simples direito conexo a uma necessidade e logo a seguir como um direito humano.

Em certas legislações, e na mais avançada, que é a Constituição Sul-Africana, aparece mesmo como um dos direitos fundamentais do cidadão[1], com concretização na Lei dos Serviços de Água da África do Sul de 1997.

Em termos dos diferentes paradigmas históricos sobre a conceção da Água no DIP, na sua gestão, desde a década de setenta, assistimos ao resvalar da conceção da água como recurso natural, antes não regulado, depois sentido como escasso e logo disciplinado e protegido ambientalmente, com a Declaração de Estocolmo de 1072.

Em 1977, com a Conferência da ONU de Mar da Prata, como já direito. Com a Decisão de Dublin sobre a Água e o Desenvolvimento Sustentável de 1992, é concebida como um bem económico, privatizável, passível de apropriação privada.

Na Cimeira de Istambul, ainda aparece só como necessidade humana.

Mas com as Regras de Berlim de 2004 (rt.º 17.º) e o &2 do Comentário Geral n.º 15, de 2002, do Comité dos Direitos Económicos Sociais e Culturais da ONU[2] emerge como um direito humano.

Com efeito, em Novembro de 2002, este Comité das Nações Unidas adotou o seu comentário geral n.º 15, sobre o direito à água, afirmando que “O direito humano à água prevê que todos tenham água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos”.

Refere, ainda, o acesso universal ao saneamento, que é, “não apenas fundamental para a dignidade humana e a privacidade, mas também um dos principais mecanismos de proteção da qualidade” dos recursos hídricos”: Interpretação dos Artigos 11.º e 12.º do Pacto (comentário adotado na 29.ª sessão do Comité, em 2002), no seguimento do Comentário Geral n.º 12, sobre o direito a uma alimentação adequada, assente também no artigo 11.º do Pacto (adotado na 20.ª sessão do Comité, em 1999) e dos Comentários Gerais n.º 4 (adotado na 6.ª sessão do Comité, em 1991) e n.º 7, sobre o direito a uma habitação condigna (artigo 11.º, n.º 1 do Pacto, contra desalojamentos forçados (adotado na 16.ª sessão do Comité, em 1997).

O conceito de suficiente traduz-se em “O abastecimento de água e a disponibilidade de saneamento para cada pessoa deve ser contínuo e suficiente para usos pessoais e domésticos. Estes usos incluem, habitualmente, beber, saneamento pessoal, lavagem de roupa, preparação de refeições e higiene pessoal e do lar.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), são necessários entre 50 a 100 litros de água por pessoa, por dia, para assegurar a satisfação das necessidades mais básicas e a minimização dos problemas de saúde.”

Já depois, em 28 de Julho de 2010 a Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução A/RES/64/292[3] declarou a água limpa e segura e o saneamento um direito humano essencial para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos humanos.

E, em abril de 2011, o Conselho dos Direitos Humanos, com a Resolução (n.º16/2), repete que o acesso a água potável segura e ao saneamento como um direito humano: um direito à vida e à dignidade humana.

Estamos, portanto, face a um direito universal, inalienável e interdependente, exigindo atuações para sua proteção e assumindo-se como vinculativo em termos de imposição de obrigações aos Estados e a outros atores. O direito à água tem implicações concretas importantes: os serviços de água e saneamento têm de ser fornecidos a todos a preços razoáveis, embora tal não dispense os utilizadores de contribuir, financeiramente ou de outra forma, de acordo com as suas possibilidades.

Mas todos devem ter acesso a água suficiente para os usos pessoais e domésticos.

A água deve ter cor, odor e sabor aceitáveis para o consumo pessoal e doméstico.

As instalações e serviços de água e saneamento devem ser “culturalmente adequados e ter em conta requisitos de género, ciclo de vida e privacidade”[4].

As instalações de água e saneamento não têm de estar dentro de casa, local de trabalho e instituições de ensino ou de saúde, mas neste caso pelo menos devem encontra-se na proximidade imediata desta.

Pode efetivar-se, no entanto, através de instalações diversificadas desde que adequadas a garantir a sua qualidade, tais como poços de água e latrinas de fossa para o saneamento.

De acordo com a OMS, a fonte de água deverá localizar-se a uma distância máxima de 1.000 metros do lar e o tempo necessário para a sua recolha não deve ultrapassar 30 minutos.

Embora as pessoas não possam reclamar para si a água de outros países, importa referir que o direito consuetudinário internacional sobre cursos de água transfronteiriços já estipula hoje que esses cursos de água deverão ser partilhados de forma equilibrada e razoável e sempre atendendo à prioridade de uso para as necessidades humanas vitais.

Em geral, este enquadramento exige que os Estados tomem medidas adequadas até ao máximo dos recursos disponíveis para concretizar gradualmente este direito humano[5].

 IV. Direito luso-espanhol sobre a gestão integrada dos recursos hídricos. Convenção de Albufeira

 IV.1. Direito ibérico anterior à Convenção de Albufeira

 El objeto y el ámbito del Convenio ha ampliado el contenido de los tratados anteriores, ajenos a las exigencias del Derecho internacional y de la Unión Europea, se reportaban sólo a los ríos internacionales, limitados a los tramos fronterizos y a las aguas superficiales, con objetivos principales conectados con la maximización de la producción energética, quedando muchos aspectos insuficientes, desde la falta de normas procesales sobre la  información, consulta y monitorización de parámetros comparables a las normas ambientales, no conectadas con la protección ambiental de las aguas y los ecosistemas terrestres asociados (zonas húmedas).

 IV.2.Descrição do regime do direito luso-espanhol sobre as águas internacionais. Comentário crítico

 No plano do direito internacional particular sobre a gestão dos rios e bacias hidrográficas, hoje rege o Protocolo de Revisão da Convenção sobre a Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas (Convenção de Albufeira) de 30.11.1998 e o Protocolo Adicional, acordado a nível político durante a 2.ª Conferência das Partes da Convenção, realizada em Madrid, a 19 de fevereiro de 2008 e assinado em 4 de abril de 2008

 Agora, trata-se de uma Convenção que se pretende sobre Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Hispano-Lusas”.

Aliás, as águas subterrâneas, não estando quantificadas, não eram divididas. Face ao seu objetivo, a conceção de 1998 é pois diferente.

Agora, visa-se a cooperação para proteger e aproveitar de modo sustentável as águas das bacias internacionais e não só repartir os caudais e os usos hidroelétricos (1964) e hidráulicos (1968), impondo estas negociações de um novo tratado, ante sus limitações.

Esta Convenção de 1998 contempla os princípios do Direito da União Europeia e o direito internacional, sem atentar noutros tratados como o ligado às Comissões Internacionais para o Danúbio ou o Reno, ou na Convenção de Berna, o las regras de Helsínquia de 1966, estas inspiradas em duas resoluções da Associação de DI de 1956 e 1958.

A Convenção de Albufeira tem sido concebido e atualizado com una mayor sensibilidade ambiental e está mais de acordo com a Diretiva-Marco da Água da UE, criando instituições, a Conferencia das Partes e a Comissão para a Aplicação e Desenvolvimento da Convenção, com o objetivo de a impulsionar, en vez da anterior Comissão Hispano-Portuguesa para Regular o Uso e a Utilização dos Troços Fronteiriços dos Rios Internacionais, composta sobretudo por funcionários e representantes das companhias com concessões hidroelétricas, com objetivos de construção de infraestruturas para a utilização hidroelétrica dos rios, com una “jurisdição” restrita ao âmbito territorial destes troços, sem abranger as atividades e questões relacionadas com a gestão dos rios internacionais nem a totalidade das bacias hispano-portuguesas.

Com os acordos anteriores, Espanha limitava-se a garantir que os rios hispano-portugueses, como o Douro, o Tejo ou o Guadiana, levariam até à fronteira um caudal mínimo anual, que podia sofrer grandes oscilações dependendo da época do ano.

Agora, em cada trimestre fixa-se un mínimo, de acordo com a pluviosidade nas bacias hidrográficas e, en alguns casos, junta-se um limite semanal muito inferior, que nao admitirá exceções e servirá para preservar o caudal ecológico do rio e garantir o caudal técnico necessário para as centrais hidroelétricas portuguesas. Aprovou-se a cessão de vários hectómetros cúbicos da barragem portuguesa de Alqueva, a maior da Europa, a regantes espanhóis ao mesmo preço que se aplica aos regantes portugueses[6].

Os governos aprovaram a criação de un Secretariado Técnico permanente para assegurar a eficácia da Comissão para a Aplicação da Convenção, cuja sede será alternadamente, por dois anos, Lisboa e Madrid, composta de dois funcionários de cada país. Todos os acordos e a informação sobre os caudais mínimos são de acesso público[7], recolhendo toda a atividade da Comissão. Importa ainda referir que Portugal e Espanha subscreveram o Protocolo de Atuação entre o Governo do Reino de Espanha e o Governo da República Portuguesa sobre la aplicação nas avaliações ambientais de planos, programas e projetos com efeitos transfronteiriços, o que constitui um novo marco de atuação na avaliação ambiental dos impactos transfronteiriços.

De qualquer modo, há que referir que os mecanismos institucionais competentes para aplicação da cooperação prevista, não funcionam eficazmente, perante a sua estrutura limitativa, sendo necessário modificar a estrutura institucional, com um órgão independente dos governos, que possa fazer cumprir os acordos (o que hoje não acontece), por bacia ou por todas as bacias, com poderes não só para aplicar e resolver administrativamente possíveis conflitos entre os Estados, mas também desenvolver as potencialidades económicas do tratado, logrando avanços na sua aplicação equitativa e eficiente.



[1] Vide, v.g., ONU, ACNUDH, ONU-Habitat, OMS. (O) Direito à Água, Fact Sheet Nº 35. 2010.

[2] http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sanitation_media_brief_por.pdf, consultado em 10.9.2014. Vide, em geral sobre o tema, PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2006. A água para lá da escassez: Poder, pobreza e a crise mundial da água. 2006; OMS -O direito à água. 2003.

[3] A favor, votaram 122 representantes de Estados, tendo havido 41 abstenções, nenhum voto contra, e estavam ausentes da Sala 29 representantes.

[4] ONU-HABITAT, COHRE, AAAS, SDC -Manual sobre o Direito à Água e Saneamento, 2007.

[5] Em Portugal, vide, v.g., a obra coletiva no âmbito do ICJP, FDUL e ERSAR, Direito à Água. In http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/curso_tecnico_3.pdf.

[6] El agua sirve para regar cultivos en España, admitiéndose que pueda acordarse varias decenas de hectómetros cúbicos.

[7] www.cadc-albufeira.org.