SISTEMAS DE REGIME ADMINISTRATIVO

SISTEMAS DE REGIME ADMINISTRATIVO

§26.SISTEMAS DE REGIME ADMINISTRATIVO: PLURALIDADE DE DIREITOS E PLURALIDADE DE JURISDIÇÕES

 

26.1. Autonomia do direito administrativo e regime administrativo

 

O direito administrativo (apesar de relativamente recente, dado ter começado a construir-se apenas após a Revolução Francesa), é um ramo do direito autónomo.

 

Esta afirmação impõe-se pelo facto de ele ter o seu objecto, princípios gerais próprios, soluções específicas para os diferentes problemas implicados pela organização e a actividade da Administração, expressas em regras diferentes da regras comuns do direito que regula a organização da sociedade e as relações entre os particulares.

 

A jurisprudência e o legislador foram criando regras jurídicas distintas dos princípios e regras de direito privado. E, por isso, o direito administrativo é distinto do direito privado.

 

Elas aparecem no direito administrativo devido pelas próprias necessidades da Administração Pública no prosseguimento das suas finalidades ou da resolução institucionalizada de conflitos que ela se confiou inicialmente a si mesma, o que deu origem a regras de tipo dissemelhante ou que não respondem ao mesmo tipo de problemas da Administração Privada.

 

Por isso, a doutrina tem considerado que não é aceitável defender-se uma concepção de direito administrativo como direito especial, constituído por excepções do direito privado, na medida em que o direito administrativo é um direito completo, que forma um todo coerente e articulado, um sub-sistema normativa autónoma dentro do ordenamento jurídico de aplicação nacional.

Ele constitui um sistema ou corpo de normas jurídicas: um corpo de princípios e regras que dão ao direito administrativo uma coerência global enquanto direito que é autónomo do direito privado.

 

Podemos constatar que esta autonomia passa, desde logo, pela questão da resolução dos casos omissos ou integração das lacunas, em que, em direito administrativo, se começa por recorrer à analogia (casos análogos) dentro do próprio sistema jurídico-administrativo, aos princípios gerais do direito administrativo, à analogia nos outros ramos do direito público, aos princípios gerais do direito público, aos princípios gerais de direito e só, em último caso, de modo adaptado, ao direito privado.

 

Em verdade, nos ordenamentos jurídicos de inspiração francesa, chamados de «regime administrativo», a Administração tem as suas próprias regras, que vão variando conforme as necessidades dos serviços e as necessidades de conciliar os interesses do Estado com os direitos dos particulares.

 

O direito administrativo é, portanto, um direito autónomo em relação ao direito privado. O que não quer dizer que, hoje, pela própria razão de ser dessa autonomia reguladora da vida da Administração em si e na sua relação com os cidadãos, desde que as soluções do direito privado servirem para satisfazer as necessidades colectivas, não se possa e em certos casos deva mesmo [1] este ramo do direito ser utilizado pela Administração.

 

No entanto, o legislador é em geral livre de seguir uma via distinta, não tem de obrigar a aplicar ou não tendo de copiar o direito privado.

Historicamente, o regime administrativo, de inspiração francesa, afirmou-se com a Revolução Francesa e no ano VIII com Napoleão.

 

A sua originalidade, face ao modelo judicialista inglês, explica-se pelo facto de os juízes franceses serem, na altura da Revolução, muito conservadores e a Revolução precisar de não ter o controlo desses juízes, que poderiam anular a sua obra, que, muitas vezes, já tinham feito com os governos monárquicos anteriores.

 

Era preciso, pois, afastá-los e arranjar as suas próprias entidades desconflituadoras das relações intersubjectivas implicando a Administração Pública, os seus próprios «juízes», funcionários pertencentes à Administração, pelo que se foi criando uma «jurisdição» própria, e depois especial, estreitamente ligada ao Poder Executivo.

 

Acontece que ela foi ganhando alguma autonomia e, constituída por agentes prestigiados mas desconhecedores do direito, tornou-se casuisticamente aplicadoras de princípios que criaram precedentes e «regras», base da criação de muitas normas novas, normas próprias do direito administrativo.

 

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A formação do direito administrativo, como ramo autónomo, começa na fase do Estado Moderno, em que se inicia o Estado de Direito, estruturado sobre os princípios da legalidade e da separação de poderes, segundo o entendimento resultante dos doutrinadores pós-revolucionários franceses, garantindo respectivamente a submissão da Administração às normas jurídicas (e, hoje, até mesmo uma maior protecção dos direitos individuais), concomitantes às revoluções que acabaram com os regimes absolutistas.

 

Para essa formação do direito administrativo contribuíram, essencialmente, o direito francês, alemão e italiano:

a)- o primeiro, pela interpretação dos textos do Conselho de Estado;

b)- o segundo, ao iniciar a sua elaboração científica; e

c)- o terceiro, pela enorme contribuição dada à sua sistematização.

 

Quanto ao direito administrativo francês, procurando apontar algumas notas evolutivas, destaque-se que a França iniciou a organização jurídica da Administração Pública em 1799.

 

A dualidade de jurisdição, que melhor se explicitará posteriormente, deve-se, como já se referiu, à velha desconfiança do conservadorismo dos juízes, o que foi a verdadeira causa da originalidade da teoria de separação dos poderes ter sido conformada, em nome da não admissibilidade da subordinação do Poder Executivo ao Judicial, de modo a não permitir que os juízes apreciassem a actividade da Administração.

Por isso, se cria o contencioso administrativo, tendo, no início, a Administração começado por decidir os seus próprios conflitos com os particulares (fase do administrador-juiz).

 

Em 1800, com a criação do Conselho de Estado, inicia-se o desenvolvimento de uma jurisdição administrativa, que só ocorrerá a partir de 1872, quando ela se tornou independente e as suas decisões deixaram de ficar sujeitas à aceitação do Chefe de Estado (fim da fase da justiça retida).

 

E a autonomia do direito administrativo, como ciência jurídica, começa a constatar-se a partir do Acórdão Agnès Blanco, de 1873, em que o Tribunal de Conflitos afasta explicitamente a aplicação do Código Civil Napoleónico, enquadrando a questão da responsabilidade civil extracontratual em termos diferentes daqueles que regulam a matéria entre os particulares, dado que o Estado era parte no litígio, decidindo assim, no conflito de atribuições negativo a dirimir, a favor da competência do Conselho de Estado e não do Tribunal de Cassação.

 

O Tribunal de Conflitos não só confirma a jurisprudência administrativa dos casos Rotschild de 1855 e Dekcister de 1862, como vem fixar o critério de definição da competência da jurisdição administrativa de acordo com a teoria do serviço público, e dar uma solução à questão com base em princípios distintos do direito civil.

 

Em 1945, o Estado virá invocar, na ausência de direito escrito, princípios gerais de direito, a que atribuirá força de lei, e a que conferirá mesmo valor constitucional após a Constituição Francesa de 1958, que deu poder regulamentar autónomo à Administração Pública.

 

O Conselho de Estado francês havia realizado todo um trabalho de produção de direito, que passou não só pela responsabilidade civil extra-contratual da Administração, como pelo princípio de alteração unilateral dos contratos administrativos, o regime jurídico especial dos bens do domínio público, os vícios e a teoria da invalidade dos actos administrativos, num incessante trabalho, não só de preenchimento de lacunas mas também de interpretação dinâmica e construtiva de leis e regulamentos.

 

Procura-se solucionar, com regras e princípios de direito administrativo, todas as questões em que a Administração é parte, sendo certo que a sua construção se faz por referência à Administração Pública, o que levou ANDRÉ HAURIOU a dizer que ele é «uma disciplina interior a um grupo», numa concepção estatutária, que, ainda hoje, merece aceitação de certa doutrina, designadamente espanhola[2].

 

De qualquer modo, a autonomia do direito administrativo nunca foi absoluta, apesar de o juiz administrativo ser o único que pode decidir aplicar ou não, a determinada matéria lacunar, as normas de direito privado, na medida em que pode derrogar as regras deste direito em benefício de «normas» que ele vai criando.

 

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No direito administrativo alemão, vemos que a República Federal Alemã também é um Estado de regime administrativo, mas com particularidades em relação ao direito administrativo francês, quer quanto aos princípios substanciais e formadores, quer quanto à organização jurídica do contencioso administrativo.

Na Alemanha, o direito administrativo resultou, sem rupturas, de uma longa evolução a partir do sistema administrativo anterior ao Estado de Direito.

 

Esta evolução sofreu ritmos diferentes nos vários Estados, sem eliminações ou substituições revolucionárias, mas com subsistências de institutos e concepções de fases anteriores.

 

Na Idade Média, autoridade e súbditos sujeitam-se às instâncias jurisdicionais dos Tribunais, sem prejuízo do jus iminens do monarca, integrando prerrogativas e poderes justificados pela defesa do interesse colectivo.

 

O jus politiae congregava poderes de intervenção na vida privada em nome da preservação da segurança e do bem-estar colectivo, com a separação entre a Polícia (ou seja, a Administração) e a Justiça. Para combater este poder absoluto do monarca, aparece a teoria do fisco, que retira o património público da sua propriedade e da do Estado: pertence ao Fisco, entidade de personalidade jurídica de direito privado, diferente do Estado, só este dotado de império.

 

O Fisco submete-se ao direito privado e aos tribunais, enquanto o Estado se rege pelas normas editadas pelo monarca, sem controlo judicial.

Assim, passaram a ser regidas pelo direito privado e fiscalizadas muitas das relações jurídicas implicando a Administração Pública, com o reconhecimento aos particulares da titularidade de direitos adquiridos contra o Fisco, ou seja, direitos inscritos no direito civil, porque não há outro, além do direito penal e processual.

Ou seja, não há direito público, porquanto os regulamentos do monarca não criam direito para os súbditos, pois não obrigam a Autoridade em face dos administrados.

No Estado Moderno desaparece o dualismo Estado-Fisco, mas mantêm-se os enquadramentos do regime de polícia, designadamente a submissão de parte da actividade do Estado ao Direito Civil, mas agora em coexistência com o Direito Público, especialmente o Direito Administrativo, sendo aquele aplicável subsidiariamente.

 

A origem do direito administrativo alemão e a sua formação é diferente da do direito administrativo francês, esta devido ao Conselho de Estado, de carácter pretoriano, aquela devido à doutrina, em geral muito mais influenciada pelo direito civil.

 

A Função Administrativa tem um direito administrativo que é um direito excepcional em face do direito comum ou privado, inspirado por princípios próprios, dando lugar a instituições semelhantes às francesas, embora respondendo historicamente às concepções antagónicas, com o conceito-chave de serviço público em França e Poder Público na Alemanha, neste assunto mais próximo do conceito de DUGUIT, em França. No plano jurisdicional, o sistema alemão segue o princípio da especialização dos tribunais administrativos.

 

Hoje, no domínio do recurso contencioso, vigora o princípio da cláusula geral, que permite que um particular impugne qualquer acto administrativo ou leve a tribunal qualquer litígio de direito público que a lei não leve expressamente ao conhecimento de outra jurisdição. Todos os actos produzidos no âmbito de relações especiais de poder são atacáveis jurisdicionalmente.

 

A teoria dos actos de governo não conduziu a restrições jurisdicionais comparáveis às existentes em França e outrora em Espanha.

 

Juntamente com tribunais administrativos com competência genérica a nível federal e dos Estados, existem tribunais administrativos especiais para as questões fiscais, segurança social, disciplinares, militares e referentes ao exercício da advocacia.

 

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No que diz respeito ao direito administrativo italiano, este bebe a sua origem no direito administrativo piemontês, influenciado durante a ocupação napoleónica pelo direito administrativo francês do período pós-Revolução.

 

Nesta primeira fase, os esquemas de direito privado inspiram o direito administrativo em concorrência com a doutrina administrativista francesa.

 

Na fase posterior a 1865 e até à Primeira Guerra Mundial, ele adquiriu sistematização própria, embora sofrendo uma especial influência alemã, procurando simultaneamente superar o excessivo casuísmo francês e a excessiva abstracção alemã.

 

Aqui, o direito administrativo não atribui à Administração um poder tão autónomo, pois em parte a sua actividade está hoje subordinada aos tribunais judiciais.

 

Ele possui um conjunto de leis exclusivamente para regular a actividade administrativa, como corpo jurídico especial da Administração.

 

Há analogia com os institutos jurídico-administrativos franceses, mas há particularidades quanto ao sistema jurisdicional de controlo da actividade administrativa, sendo o sistema italiano um sistema misto, ou seja, possuindo ainda uma jurisdição administrativa (geral e também tribunais administrativos especiais), juntamente com a atribuição de competências aos tribunais ordinários.

 

A jurisdição administrativa, pelas leis de 1865, 1877 e 1889, era composta por juntas provinciais administrativas e secções jurisdicionais do Conselho de Estado.

 

Questão fundamental foi sendo a do critério de repartição de competências entre a jurisdição ordinária e a administrativa, quando uma das partes é a Administração, que veio assentar respectivamente na distinção entre direitos subjectivos e interesses legítimos. As excepções referem-se à competência exclusiva da jurisdição administrativa quanto a litígios entre funcionários públicos e a Administração e à competência do Conselho de Estado quanto à «jurisdição de mérito».

 

A partir de 1971, criaram-se tribunais de Primeira Instância, que vieram receber competências do Conselho de Estado, agora transformado em Tribunal de Apelação.

 

Quanto à execução de sentenças dos tribunais ordinários, condenatórias da Administração Pública, mantém-se a proibição da lei de 1865 sobre a revogação ou modificação por si dos actos administrativos impugnados, dependendo de novo recurso administrativo a anulação propriamente dita destes actos, devendo a Administração conformar-se com as sentenças dos tribunais, sob pena de o particular poder intentar novo processo agora no Tribunal Administrativo.

 

Os tribunais ordinários só podem condenar a Administração para pagar quantidades de dinheiro ou entregar um bem determinado.

 

No entanto, o Conselho de Estado e os tribunais administrativos regionais podem anular ou modificar o acto administrativo, embora sem condenar a Administração Pública ao ressarcimento de danos em matérias que não sejam da sua competência exclusiva.

 

26.2.Sistema de administração judiciária

 

Portugal tem uma ordem de jurisdição paralela e independente da jurisdição judicial, a dos Tribunais Administrativos e Fiscais, onde são resolvidos jurisdicionalmente quer os conflitos administrativos quer os de natureza fiscal.

Por aqui passam as questões relacionados com a justiça administrativa, através do processo contencioso administrativo.

 

Esta jurisdição está constituída também por verdadeiros órgãos de soberania, e, portanto, estritamente independente da Administração, diferentemente do que acontece no caso francês, em que ela ainda está, embora hoje já só formalmente, integrada na Administração.

 

Ou seja, aqui temos verdadeiros tribunais, embora a jurisdição administrativa, distinta da jurisdição ordinária por razões históricas, e hoje justificada apenas pelo facto de se considerar oportuno e mais eficaz existir uma jurisdição especializada, em que se pressupõe que os juízes para aí nomeados sejam melhor conhecedores deste ramo do direito e se dediquem especificamente a estas matérias.

 

Quanto à jurisdição administrativa francesa, podemos aceitar a afirmação de FRANÇOIS BURDEAU de que se trata de «uma instância da Administração, mas distinta dela»[3], dada a inexistência entre os seus membros de funcionários da Administração activa e o reconhecimento da independência dos juízes administrativos e conselheiros de Estado.

 

A jurisdição administrativa conhece os litígios nascidos da Administração, pelo menos em gestão pública, enquanto a jurisdição judicial regula os litígios entre particulares e penais.

No entanto, esta hoje também pode conhecer de certos assuntos administrativos.

 

De qualquer modo, se é verdade que as regras de delimitação de competências são complexas, o critério fundamental é o do direito aplicável à questão em litígio, ou seja, em princípio, se o direito que pode solucionar o diferendo é o direito administrativo, a competência é do tribunal administrativo. Pelo contrário, se o direito a aplicar for o direito privado, a competência pertence ao tribunal comum.

Às vezes, há derrogação deste princípio, normalmente em detrimento da jurisdição administrativa, como acontece com os litígios referentes ao direito de propriedade e sanções contra-ordenacionais, designadamente com a aplicação do Código da Estrada.

 

As questões que se suscitem sobre delimitação de competências são resolvidas por um tribunal de conflitos, dotado de estrutura paritária, tanto podendo a conflitualidade ser-lhe levada pela jurisdição administrativa (conflito positivo de competência, quando sem razão um tribunal comum se declarou incompetente para decidir uma questão) ou por um particular, parte num litígio em risco de não apreciação jurisdicional por declaração de incompetência de ambas as jurisdições (conflito negativo de competência).

 

Nestas situações, compete ao Tribunal Constitucional interpretar a legislação vigente delimitadora de competências ou estabelecer o critério adequado em caso de lacuna legislativa.

 

Em França, a hierarquia normal da ordem jurisdicional administrativa francesa é composta de tribunais administrativos regionais, que dispõem de competência de direito comum em matéria de contencioso administrativo; tribunais de 2ª Instância de recurso das decisões dos Tribunais Regionais (desde 1989); e o Conselho de Estado, que dispõe de competências de atribuição sobre matérias limitadas (residuais da competência de direito comum que deteve até 1953), actuando sobretudo como Administração de recurso das decisões dos tribunais administrativos e juiz de cassação em relação às instâncias administrativas que decidem em última instância.

 

Em Portugal, existem tribunais administrativos de círculo, dois tribunais administrativos centrais (Sul e Norte, em Lisboa e Porto) e o Supremo Tribunal Administrativo.

E existem outros tribunais administrativos fora da hierarquia normal, mas que têm uma competência em relação a actividades muito precisas, como acontece com o Tribunal de Contas e outros.

 

Em França, no Conselho de Estado, há secções que servem de conselheiras da Administração activa, que é obrigada ou pelo menos pode solicitar pareceres no plano do direito e do mérito.

 

Em Portugal, nenhuma instância administrativa exerce tal função consultiva geral.

Trata-se de uma dupla vocação bicentenária, que sempre funcionou bem e ajudou a preparar os juízes para a tarefa jurisprudencial que lhe deu grande autoridade e papel essencial na criação do Direito Administrativo continental.

 

A dualidade jurisdicional desdobra-se numa dualidade de direito aplicável, sendo certo que, entre alguns aspectos, o direito privado e o direito administrativo tendem a propor soluções comuns, dado que nada impede de o juiz criador da norma jurídica se inspire no direito privado, com as devidas adaptações às necessidades da actividade administrativa.

 

Foi a partir de 1873, com o Acórdão Blanco, do Tribunal de Conflitos francês, ficou definitivamente consagrado o referido dualismo jurídico.

 

Importa começar por referir que todos os sistemas, mesmo os não administrativos, têm legislação referente à estrutura da Administração Pública. Essas estruturas variam com o tempo e de país para país. As formas jurídicas de organização, de funcionamento e de fiscalização da Administração não são iguais, nem em todas as épocas nem em todos os espaços políticos. Por isso, quando se fala em sistema administrativo, há, desde logo, uma distinção que tem por base uma raiz histórica.

 

Vejamos como se processava a Administração Pública no sistema administrativo tradicional anterior à Revolução Francesa, portanto em contraposição ao sistema moderno da pós-Revolução, quer em França quer em Inglaterra (época da Casa de Orange, 1688), países construtores dos dois modelos, o francês que se foi afirmando no século XIX e o inglês, distintos, que são os modelos de referência mundial, embora tenham vindo a aproximar-se.

 

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Quanto ao anterior sistema administrativo tradicional, do Antigo Regime, designado de Estado de Polícia (da monarquia tradicional europeia), ele como características a confusão de poderes (não havia separação) e a inexistência de um Estado de Direito.

 

Havia uma indiferenciação entre o órgão executivo e o judicial. O Rei era o órgão supremo. Não havia Estado de Direito porque a Administração não estava subordinada ao Direito.

 

As leis não podiam ser invocadas pelos cidadãos. Eram regras internas da Administração, que procuravam dar coerência e eficácia à acção administrativa. Vinculavam os funcionários e estes podiam ser responsabilizados pelo seu incumprimento.

 

Mas estas regras eram apenas internas e, portanto, destituídas de carácter jurídico face ao exterior. Mesmo as regras internas que responsabilizam os funcionários perante os superiores podiam ser dispensadas pelo Rei que, quando quisesse, as podia alterar livremente. Este era o modelo de funcionamento da Administração na Monarquia Absoluta da Europa Continental, em geral até ao século XIX.

 

Com a Revolução Francesa, as coisas vão alterar-se, pois esta Revolução, na esteira do constitucionalismo inglês, vai também trazer a separação de poderes, ou seja, o poder do rei vai ser dividido em funções executivas e jurídicas.

 

Aparece a ideia de que há um Direito do Homem e que este é superior ao Estado, logo tem de ser respeitado pelo Estado e pelo Rei.

 

Daí que a Administração tenha que estar sujeita a várias regras que têm a ver com a defesa do cidadão e, a partir daí, a sujeição da Administração a verdadeiras regras jurídicas, isto é, normas de direito com carácter externo, com eficácia geral, obrigatórias para todos e que podem ser invocadas por particulares quando o Estado não as cumpra. Daqui surge o Estado de Direito.

 

A evolução é diferente em Inglaterra e em França. Quanto a Inglaterra, o direito anglo-saxónico foi-se formando ao longo dos séculos e assenta no costume como fonte fundamental de direito.

 

Eram os juízes que explicitavam o costume, dizendo que determinado caso devia ser resolvido de determinada forma porque assim era costume. O que os tribunais diziam transformava-se numa lei que os tribunais a seguir tinham que adoptar.

 

A sentença cria precedentes originando uma vinculação à regra do precedente. Os juízes ingleses eram pessoas de grande prestígio na sociedade e desempenhavam um papel muito importante na aplicação e explicitação do Direito.

 

No Reino Unido, o sistema unitário assenta no princípio da rule of law (primado do direito), historicamente ligado ao desenvolvimento da soberania do Parlamento, sendo certo que o princípio da separação dos poderes não constitui, em regime parlamentar, um fundamento da unidade da jurisdição, pois aqui confunde virtualmente os Poderes Legislativo e Executivo, o que torna tal princípio operativo em termos de independência dos Juízes do Poder Judicial, que aliás podem receber funções normativas ou executivas e que nem sequer lhes garante o monopólio da função jurisdicional.

 

As lutas no Reino Unido levaram à supremacia do Poder Judicial, contrariamente aos objectivos da luta em França que visaram a separação do Poder Executivo em face do Poder Judicial, que o manietava.

 

No início do século XV, são criadas prerrogative courts, à margem dos tribunais de Common Law, nascidos e emancipados do Poder Real no período medieval.

Estas Prerrogative Courts estão próximas do Conselho do Rei, através do qual o monarca exerce quase todos os poderes do Estado, e que vem permitir ao Executivo impôr a sua vontade.

 

No século XVII, o poder legislativo reage ao aumento dos poderes do Executivo, tendo em 1640 abolido estes tribunais de jurisdição especial e confiado a sua jurisdição aos tribunais de Common Law.

 

E pelo Bill of Rights, de 1688, o Parlamento inglês proibiu o Rei de isentar ministros e funcionários do cumprimento da lei, que assim passa definitivamente a reger todas as relações na sociedade britânica, quer impliquem só os particulares quer impliquem também a Administração Pública.

 

E, em 1700, o Parlamento consagra a independência dos juízes, que passam a poder controlar livremente os actos do Poder Executivo. São estas leis do século XVII que acabam com a jurisdição paralela à jurisdição ordinária, agora independente do Executivo, e submetem a Administração ao Direito Comum que esta aplica. No sistema administrativo judiciário (anglo-saxónico), podemos encontrar o princípio da descentralização aplicado em termos de auto-governo local, enquanto que no sistema francês e, após a tomada do poder por Napoleão, ocorreu essencialmente a valorização do princípio da centralização.

 

No sistema anglo-saxónico, a Administração sujeita-se aos tribunais comuns (dos cidadãos), enquanto em França foram criados os tribunais para a própria Administração.

 

Quanto à descentralização, existe a Administração Central e a Administração Local, que é constituída por várias figuras (autarquias, etc.), com poderes muito amplos e com grande autonomia (local government). Nunca houve, como em França, delegados designados pelo Poder Central.

 

Quanto à sujeição aos tribunais, a Administração inglesa encontra-se submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns.

 

Quando há litígios entre a Administração e os particulares, não são tribunais extra-ordinários (Administrativos) que vão resolver as questões, mas sim os tribunais dos cidadãos (Comuns). As relações entre a Administração e os particulares são iguais às relações dos particulares entre si.

 

A Administração não tem direito especial, logo não dispõe de privilégios (prerrogativas). Qualquer que seja a entidade pública, está subordinada ao Direito Comum.

 

Quanto à execução judicial das decisões administrativas, se a Administração Pública toma uma decisão e o particular não a aceita, aquela não pode executar a sua decisão por autoridade própria (v.g., não pode decidir fazer uma demolição ou expulsar alguém do país). Não pode aplicar meios coercivos e, se quiser impôr a sua decisão, tem de recorrer ao tribunal para este, através de um processo, acolher a sua posição em termos de direito e torná-la imperativa (não há decisão administrativa com carácter executivo, porque estas são dadas pelos tribunais).

 

As decisões da Administração não têm carácter executivo próprio e não podem ser impostas à decisão prévia do Poder Judicial, que lhe dá o carácter imperativo e coercivo que elas podem ter. Quanto às garantias judiciais da Administração, os particulares dispõem de um sistema de garantias contra os abusos da Administração.

 

Podem recorrer das decisões nas quais entendam que as leis não são cumpridas ou quando a Administração toma atitudes que sejam contra a lei.

O tribunal comum goza de plena jurisdição face à Administração.

 

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No regime administrativo, a Administração tem o poder de executar por sua própria autoridade as decisões, e os particulares que não concordem vão ao tribunal contestar a actividade da Administração.

 

O tribunal, se entender que há uma irregularidade, anula a acção mas não substitui a Administração, ou seja, não actua como Administração num segundo momento (não lhe diz o que tem ou o que pode fazer, limita-se a anular a irregularidade).

 

Diferentemente, no Reino Unido, o tribunal tem plena jurisdição face à Administração e, portanto, ordena às autoridades administrativas que cumpram a lei quando ela é violada (tem de ser acatada pela Administração e, se não for, a entidade que desobedecer sofre as devidas sanções).

 

O sistema de administração judiciária foi exportado para outros países anglo-saxónicos (EUA, Canadá -hoje país de sistema dual-, Austrália, Nova Zelândia, etc.) e para outros países que também receberam as suas influências, como os da América Latina.

 

Quanto a França, os traços fundamentais do seu direito assentam no direito romano-germânico em geral. Neste tipo de direito, a lei formada pelo Governo (texto da lei) é fundamental e o costume tem pouca importância.

 

O direito consuetudinário não é fonte principal de criação de direito, sendo esta o poder político.

 

O juiz não tem papel explicitador do direito, mas sim aplicador. O papel principal é da lei como fonte de direito.

 

O legislador cria direito com privilégios na parte que tem que ver com o direito público.

Há uma maior influência de doutrina jurídica do que de jurisprudência.

 

O grande prestígio está no Poder Executivo e não na magistratura, isto é, o Governo tem mais prestígio do que os Tribunais. Depois da Revolução, o princípio da separação de poderes foi consagrado, mas a partir daí começam as diferenças.

 

No sistema administrativo executivo (francês), a questão da centralização traduz a procura de organização do aparelho hierarquizado de Napoleão. Este sistema era disciplinado através da força do Poder Central, com delegados no local (os Prefeitos eram delegados pelo Poder Central). Pelo menos durante um determinado período, os municípios não têm autonomia nem financeira nem administrativa, mas têm possibilidades jurídicas que, no entanto, não passam de instrumentos ao serviço do Poder Central.

 

Quanto à sujeição aos tribunais administrativos, os tribunais administrativos não são verdadeiros tribunais porque são órgãos da Administração (como foram em Portugal até ao 25 de Abril).

 

Os tribunais administrativos são órgãos da Administração, embora dotados de características de independência e devendo julgar segundo critérios de independência e de imparcialidade. Estão incumbidos de fiscalizar a actividade da Administração, julgar conflitos do contencioso dos seus actos, etc.. Quanto à subordinação ao Direito Administrativo, a partir do fim do século XIX, começa a desenvolver-se a ideia de que a Administração tem de ter prerrogativas, uma vez que não está na mesma posição dos particulares, que agem com um objectivo egoísta, enquanto a Administração tem que satisfazer os interesses de toda a comunidade.

Assim, começou-se a afastar as regras comuns e a criar o Direito Administrativo.

 

A Administração é dotada de poderes de autoridade (embora lhe seja imposta a sujeição a deveres e restrições que não teria se se pautasse apenas pelo Direito Privado); tem o privilégio da execução prévia (não tem que ir aos tribunais buscar legitimidade).

 

Tudo se passa como se a decisão da Administração fosse uma primeira sentença e o particular tem que ir ao tribunal pedir a anulação desta sentença. O facto de ir a tribunal não suspende a execução.

 

O acto administrativo tem carácter executório e força executória própria, podendo ser imposto por coacção antes de qualquer decisão do poder judicial. Apesar de os particulares também poderem pedir a suspensão do acto enquanto o tribunal aprecia o problema, isto constitui uma excepção. E no sistema puro, a Administração era normalmente obrigada a indemnizar, mas não a cumprir a decisão do tribunal. Quanto às garantias judiciais dos particulares, apesar da Administração ter privilégios, os particulares também os têm (estamos num Estado de Direito).

 

O Direito Administrativo oferece aos particulares um conjunto de garantias contra os abusos do Poder. Os privilégios são efectivados através dos tribunais administrativos e não dos tribunais comuns, o que poderia trazer muitas mais garantias de independência.

 

Os tribunais não gozam de plena jurisdição porque podem declarar um acto nulo, mas não podem dizer à Administração o que deve fazer. Aquela é que tira conclusões (v.g., se a Administração nomear para um cargo que exija um curso superior uma pessoa que não o tenha, e houver outro concorrente que seja licenciado, o tribunal pode declarar nulo o acto mas não pode dizer à Administração para contratar o licenciado).

 

O sistema francês vigora em geral nos países do continente europeu, embora com algumas nuances. Em Itália e na Alemanha há muitas diferenças. Este sistema está em vigor em Portugal desde 1832, mas sofreu alterações mais tarde.

 

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Hoje, podemos referir a existência já de um Estado anglo-saxónico que evoluiu para um Sistema Ecléctico de Paradualidade.

 

Com efeito, mesmo sem referir a solução eclética italiana, com o direito administrativo aplicado por princípio por duas ordens de jurisdições, a administrativa e a comum, temos o Canadá com um sistema administrativo com características e bases históricas diferentes do francês, dado que, após a França ceder definitivamente este território ao Reino Unido, foi instaurado aí, em 1763, o Direito Público Inglês. Quando, em 1867, o Canadá é dotado de uma Lei Constitucional, já a Confederação vivia em sistema de unidade de jurisdição. E hoje não há uma verdadeira dualidade porquanto tal pressuporia a estruturação dos tribunais especializados no contencioso administrativo, numa ordem hierarquizada encimada por um Supremo Tribunal também especializado neste contencioso, independente do Supremo Tribunal Judicial.

 

Não há um tribunal superior que disponha em exclusivo e definitivamente do contencioso administrativo, tal como os tribunais administrativos inferiores que, sendo formalmente entidades administrativas, embora independentes, estão sujeitas ao controlo dos Tribunais Superiores de Justiça do Estado.

No entanto, a solução recente do Direito Administrativo Canadiano criou: Tribunais da Administração especializados, um Tribunal de Justiça com vocação administrativa, e introduziu uma norma de controlo judicial que o aproximam do modelo europeu continental.

 

E esta procura de especialização jurisdicional não conduz apenas à dualidade de jurisdições a um dado nível jurisdicional, mas também propicia, tal como no exemplo francês, o desenvolvimento de um Direito Administrativo autónomo.

 

O regime federal divide a competência relativa à organização do sistema judicial entre as Assembleias Estaduais e o Parlamento Federal, tendo cada Estado um ou mais Tribunais Superiores e Inferiores, muitos dos quais foram mantidos pela Constituição de 1867, constituindo os Tribunais Superiores as instâncias de Direito Comum, decidindo litígios de toda a natureza, desde constitucionais a civis, penais ou administrativos, enquanto os Tribunais Inferiores têm as competências que as leis lhes atribuem.

 

Os Tribunais Superiores têm ainda um poder de supervisão e fiscalização da acção dos Tribunais Inferiores e dos Poderes Executivos, fundado na rule of law (princípio da primazia do direito, a que se refere expressamente a Constituição de 1982, Estado de Direito), que implica desde logo a submissão da Administração ao Direito Comum e, designadamente, à teleologia normativa subjacente à atribuição de poderes discricionários.

 

Em 1875, o Parlamento Federal criou o Supremo Tribunal do Canadá, que aprecia o recurso das decisões dos Tribunais Superiores de cada Estado e do Tribunal Federal do Canadá (criado também pelo parlamento em 1970) sobre qualquer matéria, independentemente do direito aplicável, constitucional ou ordinário, e da fonte estadual ou federal da sua proveniência.

Ao nosso tema interessa, sobretudo, o estatuto do Tribunal Federal, porque lhe foram atribuídas, em exclusividade, competências relacionadas com a actividade administrativa, com o intuito de criar uma jurisdição especializada em certas matérias.

 

Além das questões relativas à propriedade intelectual e à cidadania, só ele pode conhecer sobre certos contratos em que é contratante a Corôa e efectivar o controlo judicial dos actos da Administração Federal (organismos criados e dotados fde poderes por uma lei federal).

 

Além disso, o Tribunal Federal tem competência concorrente com os Tribunais Superiores dos Estados, no domínio da responsabilidade contratual e por actos ilícitos envolvendo a Corôa, obras inter-estaduais, aeronáutica, etc.. A solução para este sistema mitigado de dualidade imperfeita, que poderia designar-se por sistema paradual, é fruto de uma evolução que partiu da não exigência constitucional de um monopólio dos Tribunais na aplicação da Justiça.

 

Assim, começou-se por permitir a convivência institucional daqueles com organismos não judiciais criados pelos Parlamentos, com funções jurisdicionais e seguindo processos diferentes de apreciação de litígios, mais aptos a uma colaboração moderna, porque mais rápida e eficaz, no enquadramento e superação dos assuntos administrativos num momento em que o Estado-Gendarme há muito havia dado lugar a um crescente Estado-Providência. Já antes da criação do Tribunal Federal se praticavam excepções ao princípio da unidade jurisdicional, dentro da linha também trilhada pelos outros países anglo-saxónicos.

 

A primeira entidade administrativa autónoma desta índole, criada no Canadá, foi a Comissão dos Caminhos de Ferro.

 

A criação de tribunais administrativos anglo-saxónicos e, em geral, a motivação criadora destas entidades administrativas independentes segue as explicações que politólogos e administrativistas têm apontado em face da sua proliferação nestas últimas décadas do século XX: uma reinstitucionalização pragmática de poderes, com transferência da responsabilidade política em domínios sensíveis desgastantes para o poder político; a necessidade de chamar especialistas ou os próprios interessados ao cumprimento das funções administrativas mais complexas; e a inadequação funcional e demora excessiva do aparelho judicial, submetido a um processo formal demorado numa época em que a procura de “Justiça” tem cada vez maior consumo (exigindo processos acessíveis e decisões rápidas e com menos custos). No Canadá, estes tribunais administrativos nascem das leis ordinárias, que os criam como prolongamentos do Poder Executivo.

 

Aqui, as suas decisões, tais como as dos órgãos da Administração, estão sujeitas ao controlo dos Tribunais Superiores de Justiça. Inicialmente, no plano da sua conformação jurisprudencial, estas entidades estiveram sujeitas à tentativa dos Tribunais de Justiça de lhes impôr o seu processo e modo de funcionamento, mas o Supremo Tribunal, no início da década de 60, reconheceu-lhes autonomia conformadora do seu processo administrativo (v.g., .Komo construction inc. v. com. des r´rlations du travail au Québec,1968) e viria mesmo a favorecer a autonomia decisional nas suas áreas de especialização (syndicat canadian de la function públique, section local 1963 v. société des alcools du nouveau-brunswick, 1979).

 

Certas Comissões podem aplicar a Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades e declarar a sua aplicação à legislação que se lhe oponha (tétreault-gadoury v. canada- com. del’emploi et de l’immigration, 1991).

 

Os poderes dos Tribunais Administrativos cifram-se expressamente na apreciação do mérito das decisões administrativas, mas tem ocorrido uma evolução que os tem levado a praticar o Judicial Review (controlo da legalidade dos actos dos organismos administrativos inferiores) que pertenceria apenas aos Tribunais de Justiça.

O Tribunal Federal é um tribunal de justiça e não uma entidade de natureza administrativa, visando controlar a legalidade dos actos da Administração Pública Federal, o que faz em termos quase exclusivos (os tribunais superiores dos Estados mantêm jurisdição, concorrente para apreciar questões de constitucionalidade das leis federais e controlar a legalidade dos actos da Administração federal que levantem questões de constitucionalidade - CCRT v. Paul l’Anglais inc., 1983), marcando claramente uma excepção não só ao monopólio jurisdicional pelo Poder Judicial mas criando finalmente uma excepção formal ao princípio da unidade de jurisdição, tratando-se de uma jurisdição de recurso de decisões de organismos e doutros tribunais em certos domínios.

 

As razões que levaram à criação deste tribunal tiveram que ver com a necessidade de uniformização do direito aplicável à Administração Federal, para evitar a contradição da jurisprudência dos tribunais estaduais, e a procura de celeridade na resolução de litígios envolvendo entidades federais, dada a lentidão e sobrecarga dos Tribunais Superiores.

 

Em síntese, no Canadá, as Administrações Públicas estaduais continuam sujeitas, tal como os particulares, à competência jurisdicional dos tribunais ordinários e só a Administração Federal, a partir de 1970, vê a legalidade dos seus actos sujeita à apreciação de um Tribunal Federal especializado no contencioso administrativo, cujas decisões no entanto continuam sujeitas à apreciação do Supremo Tribunal Canadiano.

Não foram razões ideológicas que levaram à criação deste Tribunal e, portanto, desta forma tendencial de dualidade, mas o pragmatismo exigido pela necessidade de dar resposta ao número, complexidade e tecnicidade das intervenções do Estado.

 

26.3.Comparação dos sistemas modelares jurídicos europeus

 

Em termos de comparação dos sistemas jurídicos europeus, efectuando uma investigação histórica e problemática sobre as semelhanças e as diferenças entre os diversos sistemas administrativos modernos de Estados de Direito Democrático, importa concluir que se deparam duas questões fundamentais: a relação entre o Direito Administrativo e o Direito Comum; e o equilíbrio entre os remédios contenciosos jurisdicionais e os mecanismos não jurisdicionais de protecção dos cidadãos em face da Administração.

 

A doutrina tem continuado a realçar a oposição entre o sistema de Direito Comum e o sistema de Direito Administrativo, o primeiro típico da experiência anglo-saxónica e o segundo característico do sistema de regime administrativo da Europa continental.

 

No sistema de direito comum (common law, rule of law), também designado por sistema judiciário e ao qual cabe melhor a designação de regime de unidade de jurisdição e de direito, as relações da Administração com os cidadãos são reguladas pelo mesmo direito que rege as relações dos particulares entre si (com algumas derrogações, sem prejuízo da recondução essencial ao princípio da aplicação do direito privado).

 

No sistema de regime administrativo, também designado por sistema executivo e a que melhor caberia a designação de sistema de dualidade de jurisdiçõe e direito, aplicam-se, em princípio, regras privilegiadoras da Administração (colocada numa posição supewrior em nome do interesse colectivo), claramente exorbitantes em relação ao Direito Privado, enformadas por princípios específicos que lhe dão carácter de direito autónomo.

 

Deve-se à influência do professor ALBERT VENN DICEY (através do seu difundido livro Introdução ao estudo do direito e da constituição, 1885), a defesa de uma suposta oposição radical entre os dois sistemas, com a proclamação das virtudes da Administração de direito comum inglesa e dos pecados da invenção do direito administrativo à francesa. DICEY é influenciado pela ideologia liberal inglesa de LOCKE a BURKE e pela literatura francesa da primeira metade do século, como os Estudos Administrativos, de ALEXANDRE VIVIEN e a obra de ALEXIS DE TOCQUEVILLE (Democracia na América, o Antigo Regime e a Revolução), donde se depreende a tese da continuidade do quadro institucional francês e da origem do direito e da jurisdição administrativos anteriores à Revolução.

 

Para DICEY, em Inglaterra rege o princípio da regra ou supremacia do direito (rule or supremacy of law), afastando a outorga à Administração Pública, nas suas relações com os cidadãos, de qualquer prerrogativa especial, mantendo-se a sua sujeição ao Direito Comum (ordinary law of the realm) e a competência do juiz ordinário em relação aos litígios administrativos. Pelo contrário, a Administração francesa é governada por um Direito não Comum integrando regras e jurisdições especiais, em que o Conselho de Estado era um corpo dependente do Poder Executivo, pelo que teria de ser considerado um direito privilegiador do Estado e dos seus funcionários nas relações com os cidadãos.

 

Ou seja, tratar-se-ia de um Direito Administrativo que instituía um regime jurídico não paritário, o que o levou a negar que se estivesse perante a aplicação da rule of law, único sistema que preencheria as condições da existência de um Estado de Direito.

 

A primeira aparecia como a única própria de um Estado de Direito (regime da rule of law) e a segunda como a de um regime de não Direito.

 

Só mais tarde, em ulteriores edições do seu livro, DICEY viria a reconhecer os seus exageros, designadamente que o direito da Administração Pública britânica também tinha regras especiais derrogatórias da common law e que o direito administrativo francês se tornara mais liberal, sobretudo pelo facto do Conselho de Estado também passar a ser considerado um órgão jurisdicional e produzir jurisprudência relevante. DICEY não reparou que tal jurisdicionalização já havia ocorrido treze anos antes da primeira edição do seu livro e, quanto à sua jurisprudência, ao seu mérito e à sua importância, constituem um dado permanente na construção do Direito Administrativo e na fixação de posições doutrinais favoráveis aos cidadãos.

 

É verdade que, inicialmente, até metade do século passado, havia uma grande diferença entre os dois sistemas, com a experiência britânica a transmitir uma ideia de paridade nas relações entre os cidadãos e os poderes públicos, enquanto o sistema francês, com uma génese autoritária bebida no Antigo Regime e no período napoleónico, dava uma imagem diferente da afirmação do poder.

 

A tradição inglesa, desde a Magna Carta, do século XIII, é portadora de uma concepção liberal do poder e da ligação estreita entre Administração e Justiça. Aqui a formação da Administração Pública é tardia, sendo certo que, desde os Tudor e os Stuart até ao fim do primeiro decénio do século XIX, não existe uma verdadeira Administração, assumindo o Parlamento uma parte da função administrativa.

Por isso, o Reino Unido não tem necessidade de um direito especial.

 

E há o respeito dos princípios da justiça natural própria dos processos, implicando a imparcialidade e um procedimento contraditório, permitindo aos interessados pronunciar-se em sua defesa antes das decisões (fair procedure), a complementar com as vias judiciais ordinárias, que assim não assumem um papel garantístico fundamental.

 

Pelo contrário, a tradição francesa, com uma forte Administração Real, centralizada e hierarquizada, formada em fins do século XVI e princípios do século XVII; e com a separação, em meados deste século, entre os poderes administrativos e judiciários (com o conselho do rei e dos intendentes como juízes em causa própria), que             exprime uma soberania não judiciária e um poder administrativo separado do Direito Comum e do exercício da justiça.

 

O período revolucionário produz leis que confirmam a exclusão da autoridade judicial em relação aos litígios administrativos e a Constituição do ano VIII (a constituição napoleónica de 1799) sanciona a primazia da Administração, na pessoa do primeiro Cônsul, entre os poderes do Estado e a irresponsabilidade dos funcionários públicos.

 

O direito administrativo consolida uma forte «especialidade» em relação ao direito privado, derivada da intensidade dos privilégios da Administração.

 

Neste sistema, as garantias jurisdicionais assumem uma primacial importância em face das vias não judiciais.

 

Em Inglaterra e nos Estados Unidos, desenvolve-se, com base numa antiga tradição inglesa, uma Administração com específicas funções jurisdicionais e reguladoras de protecção dos administrados, assente nos Administrative Tribunals, copiando o modelo jurisdicional, e em geral noutras entidades administrativas independentes (independent agencies).

 

Em França, no princípio do século XIX, houve uma experiência parcial de procedimentos administrativos não contenciosos, prévios à adopção dos actos administrativos, que acabou por se perder em face da lógica do controlo sucessivo do juiz administrativo, assente na ideia de que o procedimento compete ao contencioso jurisdicional. Mas a procedimentalização da actuação da Administração Pública tem-se imposto também na Europa continental, como é o caso de Portugal.

 

Em conclusão, a diferença inicial entre os dois sistemas refere-se tanto à natureza dos direitos aplicáveis como aos mecanismos de protecção dos cidadãos, com a França e os Estados continentais desenvolvendo regras especiais e remédios contenciosos posteriores à adopção dos actos administrativos, confiados a uma jurisdição administrativa, e com o Reino Unido a aplicar as regras da ordinary law of the realm (apesar da existência do judicial review, reservado aos tribunais ordinários), dando proeminência aos mecanismos do procedimento administrativo preliminares às decisões administrativas e à assumpção de funções jurisdicionais e reguladoras pela própria Administração.

 

O sistema inglês do império da lei ou primado da lei (rule of law) tem subjacente uma concepção do princípio da separação de poderes que impõe o controlo pelos tribunais ordinários de toda a actividade administrativa, enquanto no sistema francês tal princípio implica a proibição de esses tribunais se imiscuírem na actividade da Administração e seus funcionários (ao ponto de os juízes nem poderem proceder penalmente contra eles, nem exigir-lhes responsabilidade civil sem autorização prévia da Administração, o que foi derrogado pelo direito francês em 1870).

 

Mas, no fundo, a questão não podia colocar-se em termos de o sistema inglês se um sistema de Estado de Direito (rule of law) e o francês ser um sistema sem Direito, como pretendia DICEY.

 

O que é possível concluir é apenas que o sistema anglo-saxónico é de aplicação do direito comum e da sujeição aos tribunais comuns de todos os sujeitos de direito, cidadãos ou Administração. Mas há sempre uma aplicação de direito mesmo contra a Administração Pública, e portanto de um regime totalmente distinto do do Estado de Polícia.

 

E a história sempre demonstrou, pese embora as teses improvadas de DICEY, que era melhor a existência de regras especiais e diferentes do direito privado e de uma jurisdição própria, especial, que tornou possível a submissão dos poderes públicos ao Direito, do que a realidade inglesa da existência de regras que tornavam a Coroa irresponsável (dogma de que o rei não se engana), que impedia o controlo sobre as relações contratuais, designadamente com os funcionários, e impedia de todo acções de indemnização por danos causados pela Administração.

 

No Reino Unido, a Administração não se submetia às mesmas regras que os particulares (empresas e indivíduos) e só os funcionários, a título particular (não a Administração), podiam ser perseguidos civil e penalmente por danos, sem necessidade de autorização prévia da Administração.

 

Só em 1947, ou seja 77 anos depois do que ocorreu em França, a Crown Proceeding Act veio viabilizar (mas não em termos iguais ao do direito comum) a responsabilidade da Coroa pelo incumprimento contratual e por danos de natureza extracontratual, embora os funcionários continuem a não poder accionar a Administração.

E o crescente intervencionismo estatal fez criar tribunais especiais da Administração para apreciar certas matérias administrativas (vg. Segurança Social, etc.).

 

A existência do chamado «Regime de Direito Administrativo» ou «regime administrativo« e, portanto, a diferença deste em relação ao direito privado deriva de vários facores, e, desde logo, do facto de a Administração Pública ser dotada de poder de auto-tutela, quer declarativa quer executiva, isto é, integrado, também, pelo privilégio de decisão executória dos actos administrativos (um e outro, em substituição, em primeira mão, dos tribunais, que apenas intervêm se provocados pelos administrados legalmente prejudicados), protegendo directa e indirectamente a eficácia das normas administrativas; e pelo poder sancionador que lhe permite punir, por si mesma, as situações de incumprimento do direito administrativo, fora do sistema penal.

 

A estes poderes há que juntar outros privilégios, destacando-se o princípio do cumprimento por equivalência, o privilégio de prazos mais dilatados para o exercício de posições processuais, garantias de preferência na cobrança dos seus créditos, vigentes na legislação tributária e o princípio solve et repete, relatividade do sistema de cumprimento das sentenças referentes à Administração Pública (inexecução e suspensão das sentenças e privilégio da inembargabilidade e inexecutoriedade dos bens da Administração), embora hoje se deva registar a possibilidade de medidas compulsórias em ordema obrigar os dirigentes administrativos a cumprir as sentenção em que não exista incidente de causa legítima de inexecução, maior garantia penal para a protecção das normas de Direito Público (condutas que lesem um bem jurídico que pertença à Administração), condutas de funcionários, sobretudo aparelho policial e militar, disciplina sancionatória dos actos administrativos inválidos, favorável à Administração (anulabilidade, sanabilidade, convalidação), possibilidade de protecção directa dos bens do domínio público e privado da Administração, ocultação de dados administrativos[4], etc.

 

Em síntese, pela confrontação dos dois sistemas, vemos que, nos planos fundamentais da ordenação jurídica, há soluções diferentes que ainda se mantêm e que importa realçar. Quanto à organização administrativa, o modelo francês estava ligado a tendências centralizadores e o inglês, descentralizadoras.

Claro que tal correspondia aos sistemas puros, porque agora a tendência tem sido sempre para a descentralização.

 

Outro elemento e essencial para a carecterização dos Estados continentais europeus, de regime administrativo, refere-se ao controlo jurisdicional da Administração.

 

No sistema inglês, são os tribunais comuns, enquanto que, no francês, começaram por ser os tribunais criados no âmbito da Administração (que não são verdadeiros tribunais, porque não têm estatuto de independência, tendo, no entanto, evoluído, com o tempo, no sentido de funcionarem em termos independentes).

 

Quanto ao direito regulador da Administração, não é o direito comum, que rege, em termos de igualdade, as relações entre os sujeitos de direito. No direito francês e no nosso, uma jurisdição totalmente separada dos tribunais que resolvem os conflitos os cidadãos.

No inglês só há uma ordem de tribunais, seja para resolver os conflitos implicando a Administração Pública seja os cidadãos entre si.

 

Quanto à execução das decisões administrativas, na administração judicial, os actos só podem ser executados se o tribunal der razão; no sistema executivo, qualquer entidade tem, por si própria, poder para tomar decisões e para as executar.

 

Quanto às garantias jurídicas da Administração, as garantias existem nos dois sistemas, mas no inglês é diferente, na medida em que a Administração não sofre o poder de injunção derivado dos poderes de plena jurisdição dos tribunais (no sistema francês sofre-o) e está completamente subordinado às sentenças dos tribunais comuns em Inglaterra.

 

Quanto à organização administrativa, com o crescimento das tarefas que a Administração de tipo inglês foi chamada a desempenhar, faz com que a Administração, para responder às necessidades, assumisse muitas responsabilidades que antes pertenciam ao poder local.

 

Mas, apesar de tudo isto, efectivamente, podemos detectar uma aproximação dos dois sistemas.

 

Há um fenómeno de crescimento burocrático para haver uma satisfação mais eficaz das necessidades (fenómeno centralizador).

Estes poderes locais ficaram sujeitos a uma superintendência do poder central.

 

Quanto aos poderes centrais, independentemente de tendências centralizadoras, têm-se desenvolvido tendências descentralizadoras, com a democracia, a eleição de dirigentes autárquicos, as regiões autónomas em Portugal, as regiões administrativas em França e Itália.

 

Em relação ao controlo jurisdicional da Administração, mantém-se o essencial dos sistemas, ou seja, em Inglaterra surgem o que alguns autores chamam de «tribunais administrativos», embora não passem de entidades administrativas independentes, e, em França, assiste-se ao aumento de casos da Administração que são resolvidos por tribunais comuns.

 

A Administração passa a recorrer mais à gestão privada e ao Direito Privado, em vez do Administrativo (embora com respeito dos princípios fundamentais da actividade da Administração pública), mas isto não significa dar aos tribunais comuns as competências de julgar em geral os actos da Administração. Apenas que a Administração começou a regular certas situações pelo Direito não público, que, nessa medida, passam a ser julgados por tribunais comuns, se a lei processual administrativa não dispuser de outra maneira.

 

A criação ditos chamados «tribunais administrativos» em Inglaterra não é igual ao regime continental, isto é, a Administração inglesa continua baseada e sujeita ao controlo dos tribunais comuns e estes órgãos não passam de entidades administrativas mesmo que dotadas de independência decisória.

 

O fenómeno de afastamento ou aproximação dos sistemas não tem que ver com o facto de o sistema administrativo continental ter segregado o próprio direito administrativo para regular o funcionamento da Administração.

As questões organizacionais sempre existiram e foram disciplinadas num e outro sistema e até normas de natureza materialmente administrativa sempre existiram em qualquer dos sistemas. Só em parte este fenómeno se acentuou com alguns domínios recentes a implicar que este sistema tivesse criado mais intensamente normas específicas para regular certas matérias novas de grande importância social (v.g., planeamento, urbanismo, ambiente), que são normas de direito administrativo, que constituem a regulação de uma dada matéria, embora não tenham de tratar da relação da Administração com os cidadãos. É direito administrativo, mas não é a essência, ou seja, não é aquilo que caracteriza a diferença de sistemas.

Esta evolução por si não traduz uma linha aproximativa dos sistemas, embora interfira nela e o propicie.

 

Quanto à execução das decisões administrativas, a evolução no sistema continental tem sido, muitas vezes, a sua efectivação por requerimento da Administração e com regras reguladoras do procedimento administrativo.

 

O sistema continental contém realmente princípios relacionais diferentes, desde logo o de autotutela declarativa, autotutela executiva e autotutela sancionatória. Mas há a possibilidade de se requerer perante a própria Administração, a suspensão da execução dos seus actos; mas, mesmo que a Administração não aceite, é possível, em condições reguladas na lei, que a suspensão seja decretada pelos tribunais, embora o enquadramento legal e jurisprudencial das providências cautelares e a respectiva eficácia sejam muitos díspares nos vários ordenamentos continentais.

Mas há, aqui, uma moderação do chamado privilégio da execução prévia.

 

De qualquer modo, a doutrina jurídica vem considerando que, quanto às garantias face à Administração, hoje elas já são, geralmente, maiores no sistema de matriz francês do que no britânico.

O nosso direito processual actual, que neste aspecto veio finalmente pôr o processo de acordo com a Constituição, no plano da defesa face a decisões ilegais, é disso claro exemplo.

 

E existe, também, uma regulação ampla de garantias de defesa perante decisões ilegais ou inoportunas, no plano procedimento impugnatório (procedimento administrativo derivados de reapreciação de actos administrativos anteriores), a exercer perante a própria Administração activa ou entidades da Administração de natureza independente, o seu regime, admitindo-o quer em termos de mérito, quer de legalidade, através de reclamação para o autor do acto quer de recurso hierárquico para outra entidade, situada na organização num plano de hierarquia (recurso hierárquico próprio) ou não (recurso hierárquico impróprio; recurso tutelar, quer em situação de relação de superintendência quer de mera tutela, quando a lei o preveja), em termos de poder assumir poderes de reapreciação (seja de mera revogação, seja mesmo de revisão da decisão anterior).

 

 

Legitimidade procedimental derivada (n.º 4.º do artigo 53.º do CPA):

   -Os titulares de posições legitimadas em procedimento originário, independentemente de terem declarado aceitar o acto administrativo antes da sua prática;

ou

    -tendo-o eceite depois de praticado, se o fizeram com reserva do direito de reclamar  ou  de recorrer

 

 

 


Tipologia dos recursos administrativos:

 

 

 

 

                       

 

                 

                       Hierárquico

Recurso

 

 

 

                                                                   

 

-Próprio

 

 

 

 

 

 

- Impróprio

 

 

-para superior hierárquico

 

- para órgão colegial em que se integre o autor do acto administrativo

- para delegante/subdelegante fora da cadeia hierárquica

- para outra entidade sem relação hierárquica administrativa (v.g. a ministro e secretário ou sub-secretátio de estado; câmara municipal e seu presidente)

    Tutelar :     para entidade com poder de superintendência ou de mera tutela

 

 

 

 

Procedimento resolutório derivado

(Revogação, alteração e substituição dos actos administrativo)s

 

       

 

 

 

 

 

     

1.Competência: dos autores e superiores hierárquicos (fora da situações de competência exclusiva de subalterno)  e órgãos delegantes / subdelegantes ou tutelares, se existir permissão legal expressa (art.142º)

 

2.Forma: legalmente exigível para o acto revogado ou mais solene, se esta tiver sido usada (art. 143º)

 

3.Formalidades: as previstas para o acto revogado (art. 144º)

4. Eficácia:

- Quanto ao acto revogado ex-post, no caso de acto válido, excepto por atribuído  efeito retroactivo, sendo tal favorável aos interessados ou, tratando-se de direitos/interesses disponíveis, houver concordância expressa deles, ou se se tratar de actos anuláveis. (art. 145º)

 

- Quanto a acto anteriormente existente: não produção de efeitos represtinatórios, excepto se o acto revogação ou a lei o determinar. (art. 146º)

        Regime geral da revogação

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*

 

De qualquer forma, os nossos tribunais ganham alguns poderes de tipo declarativo face à própria Administração. Esclareça-se que os tribunais administrativos, na maior parte dos países, já não são órgãos da Administração.

Embora independentes, não eram verdadeiros tribunais porque lhes faltava o estatuto de integração nos órgãos de soberania. Hoje são órgãos de soberania e têm uma particularidade especial, ou seja, só julgam casos de Direito Administrativo e, como tal, os juízes são especializados na matéria, logo podem julgar melhor.

 

No caso português, hoje e após a Revolução de 1974, a jurisdição administrativa deixou de estar na órbita governamental e, embora sem seguir uma solução segundo o modelo espanhol de integração na cúpula jurisdicional do STJ, ganhou o necessário estatuto pleno dos tribunais, como órgãos de soberania, justificada por razões de aplicação de um ramo especial de direito.

 

As suas sentenças têm que ser cumpridas sob pena de as entidades que não as cumpram poderem responder disciplinarmente ou até criminalmente.

Aqui também aparece uma evolução no sentido do sistema administrativo anglo-saxónico.

 

Quer um sistema, quer o outro, introduziram uma figura de apoio ao cidadão, que é o Provedor de Justiça (comissário parlamentar ou do Governo para a Administração).

 

***

 

 

 

 



[1] O direito de expropriação pressupõe, obrigatoriamente, um procedimento de negociação privada prévio ao acto administrativo de válida declaração de utilidade pública.

[2] V.g., EDUARDO GARCIA DE ENTERRÍA da Universidade Complutense de Madrid, no seu Curso de Direito Administrativo.

[3] Les Livres du Principe de Dualité de Jurisdictions, 1990, R.F.D.A., p. 724.

[4]   Ainda, hoje, vigora, na generalidade dos países, a ocultação aos cidadãos dos dados administrativos (mesmo democráticos e mesmo na UE, excepto nestas no domínio das matérias ambientais, em sentido amplo, em que a transparência resulta da imposição do Direito da União Europeia. O acesso geral e livre à informação detida pela Administração Pública, anteriormente em regime de segredo administrativo geral, está, hoje, em muitos Estados excluídas apenas, no que se refere aos interesses do Estado, em relação a segredos oficiais e a título excepcional e por tempo limitado (por razões de interesse público: dados da segurança do Estado e segredos de justiça).