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IMPORTÂNCIA CONDICIONANTE DO DIREITO CONSTITUCIONA

IMPORTÂNCIA CONDICIONANTE DO DIREITO CONSTITUCIONA

§17.IMPORTÂNCIA CONDICIONANTE DO DIREITO CONSTITUCIONAL

 

 

17.1.Considerações gerais

 

No que se refere à relação entre o direito administrativo e os outros ramos do direito que o subordinam, ou seja, quer o direito internacional e o direito da União Europeia, quer o Direito Constitucional, importa definir e referir alguns tópicos relevantes para o direito administrativo:

 

O direito da União Europeia (comunitário europeu), que é constituído pelas normas constantes dos tratados que regem a organização da União Europeia, seus poderes materiais cedidos pelos Estados, processos decisórios, fontes normativas e de criação de actos jurídicos derivados da actuação das Instituições por eles criados.

 

Como, também, há muito refere a doutrina estrangeira e nacional, «o direito administrativo sofreu também um contragolpe devido à emergência do direito comunitário, cujas regras vêm cada vez mais sobrepor-se às regras nacionais»[1].

 

Por tudo isto, também é necessário expor aos alunos os fundamentos do direito da União Europeia, designadamente a teoria das fontes e os princípios essenciais do direito da União, a sua hierarquia normativa e sistema jurisdiconal, entre outros temas, que são importantes para a apreensão do modo como se cria, do valor relativo das suas normas no contexto do sistema normativo global comunitário, estadual e jusinternacional, modo de execução, garantias de efectividade, etc., de algo que é constituído, na sua maior parte, por direito administrativo, que os Estados aplicam directamente ou têm de transpor, o que se faz apresentando conceitos fundamentais que se sintetizam.

 

 

17.2. Direito constitucional e o direito administrativo

 

17.2.1. Noção de direito constitucional

 

O direito constitucional, de que já falamos, e recapitulando, é o fundamento de muitas normas de direito administrativo, tendo supremacia sobre as restantes fontes de direito interno, designadamente de direito administrativo. Este ramo do direito público tem valor normativo supremo dentro do ordenamento jurídico de fonte nacional.

 

É constituído, essencialmente, por normas de enquadramento do sistema de organização dos poderes do Estado, direitos fundamentais, normas garantísticas da própria constituição com especial destaque para o sistema de fiscalização da inconstitucionalidade das normas e contém normas sobre vários temas que são impositivas para os vários ramos do direito, designadamente no que se refere á organização e actividade da Administração pública, e portanto do direito administrativo.

Ou seja, ele é, essencialmente, constituído por direito orgânico (normas sobre a organização e atribuições dos órgãos de soberania e outras entidades infra-estaduais, assim como fontes normativas e procedimentos de aprovação parlamentares), direitos subjectivos (direitos fundamentais e garantias institucionais, quer os direitos, liberdades e garantias quer os direitos económicos, sociais e culturais), direito programático (grandes orientações para a governação e concretização do ordenamento jurídico) e direito garantístico da própria constituição (sistema de fiscalização do ordenamento jurídico, cuja operacionalidade, pese embora o seu articulado, se reduz às normas de fonte interna, quer às leis constitucionais de revisão, quer a todas as normas infra-constitucional, enquanto estas não ganharem validade jurídica contra constitucionem, quer porque qualquer apreciação do Tribunal Constitucional não teve a virtualidade de as considerar nulas com efeitos erga omnes, mantendo-as com um sentido abrogatório da norma constitucional, quer porque haja ocorrido um fenómeno de vigência social criador de direito consuetudinário).

 

Importa, no entanto, constatar que o direito constitucional não é o critério e liomite de todo o direito aplicável pelos tribunais portugueses.

 

Com efeito, não é o critério de validade de normas de direito internacional (nem de normas derivadas de organizações internacionais dotadas de poderes decisórios que se imponham aos Estados, v.g., decisões do Conselho de segurança da ONU), e, muito menos, do direito unionista europeu, com origem na União Europeia ou no direito internacional que a obrigue (dado que ela constiui uma união supranacional de natureza para-estatal), nem é limite de todo direito nacional, quer porque há áreas importantes do direito nacional a que ele não se refere, quer porque pode ser posto em causa pela entrada em vigência de normas consuetudinárias que não só o complemente como se lhe oponham.

 

O que significa que a Administração Pública, os tribunais e os cidadãos portugueses tanto podem desaplicar normas positivas de fonte interna por contradição ou outros vícios anticonstitucionais (inconstitucionalidade material, orgânica e formal), como podem desaplicar uma norma constitucional, por contradição ou com uma norma do direito supranacional, seja internacional seja unionista europeu, ou com uma norma consuetudinária nacional, qualquer que seja a nsua natureza material, constitucional ou infraconstitucional

 

Assim, procurando dar uma noção materialmente abrangente do direito constitucional instrumental, podemos dizer que é o ramo do direito constituído por normas subordinantes de todo o ordenamento jurídico de fonte estatal e infra-estatal, que regulam a organização, tarefas e funcionamento dos órgãos de soberania e outros poderes do Estado-Comunidade, os direitos fundamentais dos indivíduos, enquanto tais e enquanto cidadãos, e garantias institucionais, as grandes orientações das políticas públicas e do restante direito interno e ainda a fiscalização do respeito pelas suas próprias normas.

 

17.2.2. Relações entre o direito constitucional e o direito administrativo

 

Que relações, imposições e condicionamentos para o Direito Administrativo derivam do direito constitucional?

 

O direito constitucional tem reduzido a autonomia do direito administrativo?

 

Sobre o tema, e reportando-se à crise e contestação ao direito administrativo, CHAPUS afirmava o seguinte[2]:

 

«Este movimento de contestação é sobretudo devido a um duplo conjunto de mutações concretas na estrutura da ordem juridica, que tocam no próprio estatuto do direito administrativo e reduzem a sua autonomia.

 A mais espectacular destas mutações resulte da consolidação do direito constitucional a favor do desenvolvimento da jurisprudência constitucionel: até então parente pobre do direito publico, o direito constitu­cional paece entretanto em via de impor a sua supremacia sobre o direito adminis­trativo»; subordinado e enquadrado pelo direito constitucional, este tende a aparecer como um simples direito de aplicação e o juiz administrativo parece apagar-se em face de um juiz constitucional omnipresente».

 

E acrescentava: «A teoria dos ‘princípios gerais do direito perdeu assim muito da sua substância, a par­tir do momento em que o Conselho Constitucional consagrou a existência de ‘prin­cípios de valor constitucional’»[3].

 

*

 

Damos alguns exemplos de elementos relacionais entre o direito constitucional inscrito na CRP e o direito administrativo[4].

Vejamos os mais importantes com base na teoria da Constituição e no seu texto :

-Primado do direito constitucional

-Estrutura e imposição de tarefas à Administração Pública

-Consagração de princípios organizacionais gerais

-Teoria das pessoas colectivas e órgãos administrativos

-Teoria geral do acto jurídico-público

-Enquadramento do exercício estadual do poder regulamentar autónomo do Governo

-Estrutura da separação e interdependência dos poderes

-Admissibilidade de entidades administrativas independentes

-Enquadramento do poder de direcção-dever de obediência dos funcionários públicos

-Interpretação do direito administrativo conforme à Constituição

-Controlo das normas administrativas desconformes com a Constituição

-Princípio da constitucionalidade e não aplicação pelos órgãos máximos dos escalões da Administração Pública de normas manifestamente inconstitucionais

-Constitucionalização de princípios gerais de direito administrativo

-Consagração da transparência administrativa (n.º2 do artigo 268.º)

-Configuração do sistema jurisdicional e de um direito processual tendencialmente subjectivista (artigo 268.º)

-Mandato de aplicação directa de normas administrativas de fonte supra-nacional (artigo 8.º)

-Procedimentalização da actividade administrativa

-Enquadramento da actividade de polícia

 

17.2.3. O direito administrativo e a cadeira de direito político

 

Nas licenciaturas do ISCSP da UTL não há nenhuma cadeira designada de direito constitucional, mas na Licenciatura de Ciência Política existe uma cadeira que, recentemente, passou a ser semestral, denominada direito político, o que na de Administração Pública não ocorre[5].

 

A integração de uma cadeira chamada de direito político (designação que já aparece em ROUSSEAU, como sub-título do seu Contrato Social), na licenciatura de Ciência Política, obedeceu a uma lógica de aplicação de um programa semelhante ao da cadeira com o mesmo nome nas licenciatura de direito de outros países, designadamente Espanha, como já dissemos, aliás aqui com muito mais razão, dado que a licenciatura é em ciência política e não em direito, em que a concepção subjacente a esta cadeira mais se justifica, contrariamente à identificação temática apresentada por MARCELO CAETANO na sua obra.

 

Ora, a ser-se respeitador da opção histórica e da razão de ser de tal disciplina, numa licenciatura de Ciência Política, estamos perante uma «disciplina científica em que junto aos elementos normativo-institucionais oferecidos pela Constituição e as leis que a desenvolvem», se consideram «outros de carácter histórico, ideológico, filosófico, sociológico», fazendo conviver no seu seio, «dois sectores diferenciados: o jurídico e o metajurídico»[6].

 

E, exemplificando com o programa desta cadeira, seja qual for o «problema conceptual do direito político», v.g., tal como ele foi sendo desenvolvido por PABLO LUCAS VERDÚ e sua escola, na Complutense de Madrid, até à actualidade[7], temos as seguintes temas:

-Teoria do Estado: O Estado como estrutura de convivência; O Estado Liberal, Demoliberal, Socialista, Fascista-Nacional-Socialista

-A Crise do Estado Social: A crise, fenómeno conatural ao Estado ocidental

-Teoria Jurídico-Política do Estado: Composição do estado, teoria convencional dos elementos do Estado; o Estado contemporâneo como Comunidade nacional; o poder político soberano; o princípio da separação de poderes; Personalidade jurídica do estado e órgãos estatais; teoria jurídica da representação política; configuração jurídica das formas políticas; O Estado de Direito como utopia e realidade, Estado de Direito e imaginação constitucional; a democracia como regime político

-Algumas questões sobre o Estado Federal: federalismo e Estado Federal; formação da teoria clássica do estado federal[8].



[1]   CHAPUS, R.-o.c., p.6

[2]   CHAUS, R. –oc, p.6.

[3]   A estes factores acresce em França a perda de espaço para a afirmação criativa de direito por parte da jurisprudência administrativa em face do «poids croissant des sources écrites», o que, como diz G. GUGLIELMI, «modifie l’équilibre d’un droit dont l’essor et le prestige avaient été liés depuis CORMENIN à son origine jurisprudentielle». Como diz, em geral, Chevalier embora referindo-se a nomes de prestigio do DA e do CE que passaram a dedicar-se ao direito privado ou têm vindo a abandonar funções no próprio CE, as várias «stratégies de recon­version vers le privé semblent témoigner de la perte de prestige de la juridiction administrative (…)»

[4]   Vide alguns exemplos de «fluxos bidireccionais entre o direito constitucional e o direito administrativo», em SOUSA, Marcelo Rebelo de –Direito administrativo geral, oc, p.89-90.

[5] Isto tem implicações óbvias na construção do programa de direito administrativo da Licenciatura de Administração Pública, como se constata pela matéria que indicamos no Relatório apresentado em Provas públicas de Agregação no que se refere ao programa unificado que vigorou até finais do ano lectivo 2004-2005, e importa agora indagar em que termos tem ou deve tê-lo, em termos de noções basilares condicionantes da compreensão de matérias de direito administrativo, quer no programa semestral de direito administrativo de Administração Pública, a partir do próximo ano, e no anual, eventualmente refundido, a dar, isoladamente, também a partir do próximo ano lectivo, para os alunos da Licenciatura de Ciência Política.

[6]   LUCAS VERDÚ, P. –OC, p.22-23.

[7]   LUCAS VERDÚ, Pablo e MURILLO DE LA CUEVA, Pablo Lucas –Manual de Derecho Político. Vol. I, Introducción y teoria del estado. 3.ª Edición Corregida, Madrid, Tecnos, 1994, p.[7-11].

[8] Ora, a ser este, mais ou menos, o figurino que a caber, numa perspectiva lógica, consentânea com a abordagem própria a uma cadeira de direito político, por maioria de razão numa Licenciatura de Ciência Política, além do mais, de apenas um semestre, parece-nos ser de manter a exposição de alguns conhecimentos que devem considerar-se pressupostos e com ligação umbilical à temática compreensiva do direito administrativo.