cONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO ADMI

cONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO ADMI

§3. FUNDAMENTOS CONCEPTUAIS E CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DO DIREITO ADMINISTRATIVO

 

 

1.O direito administrativo foi-se criando, sobretudo ao longo destes últimos dois séculos, tendo como conteúdo não só a organização da Administração Pública e as suas formas e procedimentos de actuação, mas também técnicas jurídicas garantísticas dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos.

A Administração Pública está ao serviço dos cidadãos, existindo os funcionários e outros agentes, nomeados ou contratados, e trabalhadores para serem servidores das necessidades colectivas.

 

Mas as organizações ganham facilmente dinâmicas de poder próprio, de poder burocrático e os servidores que as integram nem sempre aparecem orientados por uma pura lógica funcional, de instrumentos de um serviço público, respeitadores das normas que enquadram a gestão pública.

Muitas vezes, os agentes da Administração cometem ilegalidades, mesmo prosseguindo os interesses colectivos, fazendo-o com atropelos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

Por isso, o direito administrativo também vem procurar criar mecanismos para repor a legalidade ignorada pela Administração Pública.

 

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2.De facto, constata-se que não há uma Administração que governe, executando apenas as leis, qual Poder Executivo, o órgão de soberania Governo, segundo a teoria dos três Poderes separados do Estado.

 

Há uma Administração Pública que nos «governa», actuando em todos os domínios da vida moderna e com um conjunto amplo de poderes, que ultrapassa o simples poder executivo.

 

O Governo é mais do que um poder executivo, porque actua e dirige serviços administrativos, com recurso a tipos de intervenção na sociedade, que o faz ser a um tempo o poder executivo, que cumpre as leis, administrador, mas com desempenhos que materialmente seriam característicos de poder legislativo, criador de actos de carácter geral e abstracto (para além dos regulamentos, no caso português, o governo tem, também, vindo do contexto de confusão de Poderes do Ancién Régime, o poder livre e concorrencial com o Parlamento, peculiar em Estado democrático, de criar decretos-leis, tidos como leis em sentido material, mas não orgânico, porque são não aprovados pelo Parlamento, mas pela «Administração» legisladora.

Ou seja, o Governo, cabeça da Administração Pública estadual, em veste considerada não administrativa, veste esta que a jurisprudência também tem aceite que ela não não assume quando se pretende fazer fugir os seus actos ao controlo jurisdicional (actos de governo ou políticos, tidos por insindicáveis, a pesar de «alheios» ao Estado de Direito, doutrina que, v..g.., a legislação processual espanhola já rejeitou expressamente em finais do século passado).

 

3.E temos uma Administração Pública dirigida pelo governo [como órgão complexo, com competências distribuídas a vários níveis, que não só pelo órgão colegial Conselho de Ministros, mas também pelos seus ministros a título singular], dotada de poder regulamentar, praticando não apenas actos concretos e individuais de aplicação da lei, como é conatural à ideia de gestão da coisa pública e administração concretizadora ou viabilizadora de direitos e interesses legalmente protegidos, mas praticando, também, actos unilaterais de carácter geral e abstracto.

 

Estes actos, criados pela Administração Pública, apesar do recurso a diferente designação, não deixam de ser normas da natureza material das leis, muitas vezes sem carácter meramente executivo (ou complementares) de leis parlamentares, mas mesmo autónomas ou independentes destas, diferenciadas essencialmente pela sua génese administrativa (plano orgânico e formal).

E ocorre que podemos mesmo considerar que a Administração tem também alguns desempenhos de «poder jurisdicional», no sentido da aplicação normal da lei a uma situação individual e concreta, que seria já «julgar», na medidad em que exista autotutela declarativa e executiva, como acontece em geral em regime administrativo continental, em que nos integramos, o que exige uma distinção com a Função Jurisdicional em termos de considerar que esta se identifica num agir apenas quando provocado em situações de conflitos e aquela na gestão do quotidiano da vida em sociedade.

 

Acontece mesmo que o particular quando não concorda com as decisões da Administração pública pode reclamar ou «recorrer» para a própria Administração, por vezes obrigatoriamente como condição para o exercício posterior de direitos processuais perante os tribunais. Mas recorrer não significa precisamente pedir a reapreciação de uma decisão anterior? O próprio uso do vocábulo recurso não traduz, em termos de linguagem jurídica, a ideia de um pedido da anulação de uma «sentença» anterir, cujo proferimento a lei pôs nas mãos da Administração e não dos tribunais?.

 

E que dizer do seu poder sancionatório, em caso de infracções contra-ordenacionais?

 

4.Nas mãos da Administração Pública portuguesa existem os seguintes poderes:

 

a)-a autotutela declarativa, que significa que a Administração declara o que é o direito para cada caso que aprecia, sem necessidade de recorrer aos tribunais, mesmo que o destinatário das suas posições delas discorde;

 

b)- a autotutela executória, que existe na medida em que a Administração executa, em geral a sua própria declaração prévia (pela força se necessário, quando os seus destinatários a não cumpram voluntariamente), e portanto também sem necessidade de recorrer aos tribunais. No Reino Unido, nos EUA e nos outros países anglo-saxónicos, se o cidadão não cumpre uma decisão administrativa, a Administração, em princípio, deve recorrer a tribunal para a impor. Em Portugal, como na generalidade dos Estados continentais europeus, com regime administrativo, de inspiração francesa, quando a Administração aplica o direito a um caso em apreço e o particular não quer respeitar a sua posição, ela impõe a sua decisão sem necessidade de recorrer a tribunal (autotutela executiva ou princípio da execução prévia).

 

c)- o poder de reapreciação dos seus actos de autoridade, em procedimento administrativo derivado, através de reclamação (para o autor da própria decisão contestada, não apenas com base em demérito ou oportunidade, mas também em ilegalidade) ou recurso administrativo (quando tal pedido é dirigido a entidade diferente, dotada de poder decisória superior);

 

d)-o poder sancionatório, ou seja, de condenação em coimas e outras sanções acessórias, por incumprimentos das leis administrativas. Ora as coimas por infracções administrativas são materialmente punições financeiras, da natureza das multas impostas pelos tribunais, independentemente do recurso do legsilador a um nome medieval e da sua inconvertibilidade posterior em prisão, o que aliás também inexiste, em certas situações, em condenações judiciais em multa, não sendo, por isso, num plano substantivo, decisivo para a caracterização das actividades e da tipologia das sanções.

 

e)- e, ainda outros poderes: arbitrais, conciliadores, etc..

 

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5.E, além disso, o tribunal, com competência para apreciar as actuações administrativas e decidir sobre os direitos e interesses legalmente protegidos, a pedido dos cidadãos, não é, normalmente, o tribunal comummente dotado de poderes para resolver os conflitos surgidos entre os cidadãos, mas uma jurisdição, a jurisdição administrativa, cuja origem histórica a implicava como entidade administrativa e portanto a afastava da ideia de órgão de soberania como os outros trinuais, embora hoje já seja constituída por juízes independentes, cuja manutenção separada da organização judicial aparece justificada ser especializada na aplicação de uma ramo muito extenso e complexo de direito, o Direito Administrativo.

 

Com efeito, esta jurisdição tem a sua origem numa organização de reapreciação dos actos da Administração Pública, no início sem carácter de verdadeiro tribunal, por ser uma entidade administrativa, que, sobretudo em França, foi criando o direito que os seus membros iam causiticamente consideando mais adequado à resolução das situações que os cidadãos lhes colocavam e foi a base doutrinal para a conformação dos princípios a reger pela actividade administrativa e agora, já transformada em verdadeiro tribunal, continua a existir precisamente porque está especializada na aplicação desse ramo do direito público.