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Discurso sobre a Uniao Europeia e o Federalismo

Discurso sobre a Uniao Europeia e o Federalismo

FRAGA, Carlos Alberto Conde da Silva -O poder judicial e a problemática da sua descentralização e regionalização. Albufeira: Arandis e ISMAT, 2018.

 Discurso na apresentação do livro no ISMAT, em Portimão, por FERNANDO CONDESSO:

Agradeço ao Autor, assim como ao Editor, Diretor do Instituto Universitário e Diretor da Licenciatura de Direito do ISMAT, o convite para a apresentação desta sua obra de levantamento panorâmico e análise comparativa num domínio do Poder Público tão importante como o do Poder Jurisdicional.

1.Estamos perante um estudo muito rico, ao desenvolver uma abordagem quer de conceitos de soberania quer de modelos de federalismo e uma apresentação das realidades funcionais do poder judicial quer em Estados unitários quer em Estados complexos, sejam federados a partir de Estados soberanos (como a RFA, EUA, Suíça, Canadá), seja a partir de um Estado unitário (como o Brasil), sejam Estados parafederados (como a Áustria), sejam Estados unitários politicamente regionalizados ou parcialmente regionalizados (como Finlândia, Dinamarca, Itália, Espanha ou Portugal) e, ainda, analisou as realidades historicamente sui generis, que são Macau e Hong-Kong, integradas na China. Estudo imenso, trabalho aturado, análise séria e merecedora de leitura atenta por políticos e académicos.

Não tenho muito a acrescentar especificamente sobre o conteúdo do livro ao texto extenso que redigi para o Prefácio da obra, para cuja leitura atual remeto, destacando apenas este parágrafo: “Importa atentar na sua atualidade, num momento em que vão aparecendo, se contradizem e se enterram sucessivamente propostas de reforma da UE, revelando parte dos dirigentes europeus uma consciência de necessidade inultrapassável, mas simultaneamente traduzida em voluntarismos denotadores de um claro desnorte.”

Este Estudo, fruto da investigação, conclui que a unidade do poder jurisdicional não se quebra pela pluralização de organizações judiciárias comuns e especializadas, nem mesmo pela conjugação de umas com jurisdições especiais nem pela existência de ordens consideradas à parte desse poder judicial, como a constitucional e a das contas públicas. De qualquer modo, em causa não está a unidade da justiça, a qual pode revestir diferentes formas como o autor bem demonstra, nem a unidade do corpo dos juízes, comuns, administrativos, ocasionais (tribunais de comércio, ou da segurança social ou outros que existem em vários países ou a criar no nosso), todos integrando o terceiro poder.

Respeitando os argumentos em que tal afirmação assenta, creio que mais do que acabar um debate, esta tese, que ultrapassa o âmbito da reflexão meramente nacional e se coloca no campo da análise principiológica e empírica, abre outros debates de interesse desde logo para a Europa.  Com efeito, são muitas as pistas de reflexão que abre frutuosamente e por isso felicito vivamente a iniciativa que aliás patrocinei junto ad FCT e o sábio labor do autor, de que agora me apraz dar constância

 

2.Muitas questões, como é próprio de uma obra rica de conceitos, teorização e análises, ficam ainda para os estudiosos no futuro:

Por exemplo e cingindo-me apenas a três questões debatidas na doutrina estrangeira:

-Será que a questão da inserção do TC na organização jurisdicional, tal como o conhecemos de base kelsiana, não deve ser necessariamente colocada, sendo certo que as suas decisões se impõem às outras ordens judiciárias? …

-Num sistema difuso ou misto, como o nosso, de controlo da inconstitucionalidade, a harmonia na interpretação da Constituição e na aplicação hierarquizada da teoria plurigenética das fontes de direito ou no alcance a reservar à interpretação de uma lei apreciada e reinterpretada de modo constitucionalizador pelo TC, não repousa amplamente na prática, seguida ou a seguir em geral pelos tribunais, em nome da justiça, face ao papel principiológico das funções jusconstitucionais?

-Face à independência jurisdicional dos juízes, como explicar aos cidadãos que, num conflito concreto já em apreciação, os tribunais nacionais devem ignorar uma lei votada pelo seu Parlamento, face a uma norma, diretiva ou regulamento unionistas, tendo presente o princípio da primazia do DUE, que se impõe designadamente face à CRP?

E, por isso, importa perguntar se na procura de coerência e inteligibilidade do direito e de razões de politologia, não seria de aceitar a hipótese de uma específica função generalizada de verificação pré-decisional da conformidade primeira de uma lei interna em formação face ao DUE, evitando depois a inaplicação em concreto de uma lei vigente com que o cidadão já não devia deparar, não só generalizando o processo à maneira do Conselho de Estado Francês como impondo por sistema uma revisão pelo legislador.

Tudo para que os particulares não possam ter à partida alguma dúvida ou errada criação de fortes expetativas face a leitura que façam da norma a aplicar que julgavam válida, reconhecendo-lhes aliás a qualidade de detentores de um direito a uma justiça efetiva e certa e, portanto, defendendo-os de surpresas, especialmente no âmbito dos direitos fundamentais?

Provavelmente, se não avançarmos em Portugal nesta linha do aperfeiçoamento do sistema jurídico, sobretudo face à imensa irrupção das normas de fonte externa, o que parece indispensável, acabaremos por ver o direito da EU a surpreender o nosso direito constitucional se formos incapazes de nos adaptarmos, no importante campo da justiça e seus princípios básicos, à evolução dos tempos e da importância crescente e decisiva do poder jurisdicional.

Não é esta a tendência paulatina mas sem retrocesso que vemos estar a acontecer já na doutrinação do Conselho de Estado e do Tribunal de Cassação franceses desde há muito tempo [como o comprovam, por exemplo, os assuntos Sarran, analisado pelo CE em 30.10.1998 ou pelo Tribunal de Cassação, em sessão plena, em 2000, o assunto Fraisse?

Não podemos deixar de rapidamente tirar todas estas consequências face à evolução do direito comunitário, do direito internacional europeu e da internacionalização em geral do direito, o qual, na sua conceção nova de concretização da justiça, que a moderna história do direito atualizada vem registando, impõe isso à nossa Constituição: que se tirem todas as consequências.

 

3.Creio que a Justiça do futuro será, não só comunitária e europeia, eminentemente federalizada ou intergovernamentalizada, ou não o será; e que se imporá face à letra da lei, a qual mais do que dictat para o juiz terá de ser elemento de provocação, ponto de partida impositivo, para a análise, em simbiose com os factos, do sentido de justiça do juiz ou, como dizia Holmes, de proposição para a solução, mas sem prejuízo de poder merecer desprezo, se não obedecer à ideia de justiça em concreto. O que em geral na UE atribuirá um papel novo ao juiz, semelhante ao do juiz anglo-saxónico, claramente acima do legislador no campo normativo, com tudo o que isso implicará também para a natural desvalorização da classe política, se não no campo das definição e aplicação das políticas públicas, pelo menos no do fazer justiça, direito para os cidadãos, enquanto norma devida ao caso.

Repare-se aliás como a justiça é já comunitária, mesmo quando aplicada pelos juízes nacionais, quer se trate de cooperação, ou de assistência jurídica ou de assistência judiciaria mútua, ou de harmonização ou reconhecimento mutuo de procedimentos e direitos.

Não deixo de registar que, sendo a justiça algo inerente essencialmente aos direitos fundamentais (e embora tal não resolva todas as questões que se irão colocando, desde logo na perseguição penal de atos desviantes graves, de guerra ou de genocídios e sobretudo no domínio económico, sendo certo que hoje a justiça nacional, internacional e europeia são o elemento-chave, sempre a aumentar de importância, do comércio interestadual e de todo o seu desenvolvimento económico durável nos nossos países), a nossa Constituição já referia e refere, quanto aos direitos fundamentais, os princípios derivados de direito cogente não nacional e sua absorção futura: fomos precoces na compreensão da importância desta via integradora de direitos e princípios, o que revela a qualidade dos nossos juristas e atores constituintes do texto de 1976, assim como dos deputados revisores em geral, que foram os verdadeiros construtores do atual texto, que é de 1982.

Outros tempos!

De qualquer modo, no domínio da justiça, importa criar fórmulas que não obriguem a estar sempre a rever as Constituições sob pena de se aceitar o risco real de a Constituição como instituição ficar deixada à parte, o que enfraqueceria quer a CRP quer a justiça, que não devem ser um teatro de sombras que alguns governantes, juristas e economistas meanstream gostariam que fosse.

 

4.Processando-se este evento num instituto universitário, não deixo passar a oportunidade de lembrar que a Europa política de hoje também é uma Europa jurídica e carente de rever o seu projeto político para o adequar à sua atual dimensão pan-europeia e aos novos desafios mundiais, que independentemente da conformação concreta os poderes legislativos, executivos e jurisdicionais, sempre terão de se orientar por princípios federalistas básicos.

O projeto europeu conduz e convive necessariamente com a ideia-objetivo de um direito comum da Europa, visando fazer o que nem o direito romano nem o direito canónico conseguiram representar outrora, enquanto “ius commune” europeu.

É nesta linha evolutiva que aponta já o direito unionista europeu e o direito europeu dos direitos do homem, enquanto avanços nesse direito comum, que o ensino e os investigadores universitários vão difundindo, assim contagiando os tribunais.

Claro que, na atualidade, trata-se de uma aproximação dos direitos nacionais. Mas no futuro tal conduzirá a um direito comum, embora ainda seja sobretudo a nota da influência que constitui a realidade de hoje, processando-se quer em termos diretos (com o processo de integração europeia, em que os Estados da UE têm de aplicar ou traduzir nos seus ordenamentos as normas de fonte unionista, criando assim o berço de um direito comum da Europa), quer de modo indireto, com a UE a propiciar a intensificação de contactos entre todos os Estados europeus e a levar à coordenação das ações e à harmonização de legislações e instituições.

A rica temática envolvida no livro permite-me rapidamente voltar a temas sobre as realidades do poder, soberania e estadualidade, organização judiciária e integração europeia, sobre que escrevi em tempos, dado o grande interesse da obra não só na análise das organizações de poder interno como do assumir de poderes acima do Estado ou seja quer relacionados com a própria organização interna quer com as organizações intergovernamentais e supranacionais, com a vantagem nesta obra da preocupação em tratar essencialmente da problemática jurisdicional, domínio de organização e exercício do poder público a que os estudiosos menos se dedicam e que na minha opinião deverá reganhar no futuro uma importância decisiva, na defesa dos direitos fundamentais, até aqui preocupação maior dos constituintes e legisladores, mas eventualmente em crise com os novos revisionismos jurídicos e complexificações internacionais, orientados numa lógica, potenciada pelos poderes económicos enlaçados, osmótica e  corruptamente, com o poder político, que têm vindo a capturar num sentido de desprezo  pela lei, pelo Estado e pela Constituição.

De facto, desde logo, o tratamento do tema jurisdicional é cada vez mais oportuno. Pois, se na EU, o Poder melhor organizado e que melhor funciona, tem sido o Poder Judicial, ao longo de décadas exercido por intelectuais de grande qualidade europeia, muito há ainda a fazer. E os tempos que se aproximam dizem-nos que esse salto, a relacionar melhor com os cidadãos, urge.

Por isso, este estudo é a todos os níveis de grande utilidade política. Lendo esta investigação do professor Carlos Fraga, qualquer um de nós percebe que muito ainda há a fazer neste domínio.

 

  1. Na minha opinião é urgente avançar para uma jurisdição europeia plena: não apenas ao serviço da uniformização da aplicação do direito europeu em todos os Estados e portanto apenas com ténues e esporádicos procedimentos de acesso à Jurisdição europeia nas mãos dos juízes de que somente depende numa abordagem alheia à lógica de defesa direta dos interesses dos pleiteantes situados em concreto no processo como reais sujeitos de direito processual, impondo-se que também se configure como última instância de decisão normal nas mãos dos legitimados para agir a nível nacional e únicos destinatários finais da solução de direito, sempre que esteja em causa não apenas a aplicação de normas europeias como também de normas de fonte nacional em aplicação do direito unionista europeu.

Com efeito, é aqui que pode residir a possibilidade da plena realização do princípio da tutela judicial efetiva por parte dos cidadãos dos Estados europeus.

Não é verdade que até na jurisdição internacional europeia dos direitos humanos, o cidadão de um Estado já tem hoje legitimidade ativa para demandar o Tribunal dos Direitos do Homem sem interposição necessária de natureza institucional? Porque não a há-de ter numa jurisdição da EU?

 

6.De passagem, direi que os juízes europeus, em vez de serem indicados pelos Estados, deveriam ser selecionados por uma independente organização da Magistratura específica, segundo critérios de mérito definidos a nível europeu, e deixar de o ser segundo interesses dos Estados em exportar figuras de apoio partidário ou incómodas nacionalmente.

Sobretudo importa reter que o lugar da justiça nas nossas sociedades está a mudar. E importa desde logo destacar que as questões orgânicas também são fundamentais para a questão mais importante de uma justiça única e igual para todos na UE, independentemente de ela se exprimir por jurisdições diversificadas, devendo sobretudo restaurar ou garantir a Justiça no Estado.

Ou seja, restabelecer a confiança perdida ou em acelerada perda e o respeito mútuo entre o mundo político e económico, por um aldo, e as magistraturas judiciárias, por outro, não sendo aceitável que a política possa romper ou enfraquecer as leis adotadas, recusando aplicar segundo as suas conveniências ou a ela mesma a regra que formulou e pretendeu impor aos cidadãos.

Paradigmática foi a alteração da eliminação de escutas por políticos por uma decisão que passou a ser meramente individual, o amigo Presidente do STJ, quando antes tal dependia do coletivo dos juízes do Tribunal

 

7.Quanto a fenómenos de especialização judiciária, na medida em que ela se funde em razões objetivas, proporcionadas e necessárias para a salvaguarda unicamente do interesse publico, eles não constituem um privilégio nem chocam com princípios estruturantes do poder judicial em democracia.

Num Estado imparcial, a confiança supõe um controlo permanente e recíproco dos governantes em relação aos governados, dos governados para com os governantes, mas também dos governantes, no sentido amplo, ou seja dos titulares dos poderes quaisquer que sejam, entre eles, controlando-se reciprocamente e naturalmente, sob pena de ser o poder a questionar o próprio poder, desacreditando-o; fenómeno que vai proliferando, esperando-se por isso mais da autoridade do poder judicial, o que tem levado nos últimos tempos à subida do poder da Justiça nas sociedades ocidentais.

O fundamento de toda a democracia de opinião é por definição a adesão dos cidadãos a uma forma de verdade social, o que, para lá da afirmação de uma verdade política ou legal, como garantia de garantia última, exige sobretudo uma verdade judicial.

Com efeito, a autoridade de coisa julgada ligada às decisões de justiça foi comparada a uma verdade legal, imparcial, de que, graças à teoria da interpretação, ela parecia diretamente proceder e que explicará que a Justiça, ao lado da imprensa, tenha sido percebida como um verdadeiro poder, e, muitas vezes, apelidadas como terceiro e quarto poderes, não organicamente mas funcionalmente, pela sua pretensa independência, apesar de hoje uma ser facilmente aprisionável pela política, como aconteceu recentemente com essas escutas, que tendo matéria administrativa e portanto sujeitas à LADA, e nos seus termos ao direito de acesso livre pelos cidadãos à informação administrativa, pelo que (mesmo que fosse imprestável para a justiça segundo normas processuais penais), não podiam ser apagadas indevidamente pelo presidente do STJ; e outra, a imprensa, comprada pela economia, como acontece com a maior parte da comunicação social hodierna, nas mãos de bancos e empresários em acumulação com outros ramos de atividade, fabricando políticos e politicas e protegendo-se patronalmente dos jornalistas conforme as suas conveniências.

 

8.O tema do federalismo, que domina esta obra, é constante na história europeia, saudosa da grandeza e paz do império romano.

Tema, já bem debatido antes da Segunda guerra mundial entre a Franca e o Reino Unido, que aceitara mesmo formalmente a proposta francesa de federação entre ambos, voltaria desde meados do século XX a irromper de novo com força no Espaço continental, para garantir a “paz perpétua”, assente no método funcional e na estratégia dos pequenos passos, para ultrapassar as experiências dos fracassos sucessivos de anteriores soluções impositivas de domínios pela guerra (de Napoleão e Hitler), sobre as ruínas da ineficaz Sociedade das Nações e soft impulso churchilliano (1949, Conselho da Europa).

Permita-se-me, pois, que tente submergir no ambiente político, jurídico e integracionista europeu e mundial em que todos os atores e teses, como as do autor, se terão de situar para se tornarem úteis no plano do desenvolvimento deste mundo novo; e assim ganhar sentido pleno: por um lado, o processo unificador europeu e de globalização, e por outro o processo em curso de degradação, corrompidor, dos grandes valores do Estado Social, da Democracia, da supremacia do poder político sobre o económico, da conciliação dos poderes nacionais com os novos poderes supranacionais, etc..

Em 1952, tenta-se sem êxito um acordo unificador anti-bélico europeu (Plano Pleven, Tratado da CED, para criar e coordenar as forças armadas europeias; decisivo passo para a Federação, que não vingou apesar de então não existirem receios de qualquer hegemonia estadual por nenhum Estado euro-ocidental agigantado e passível de dominar o projeto (só a reunificação alemã pós-URSS permitiria hoje tais apreensões, que na última década o governo de direita da RFA tem revelado).

Desde a Segunda Grande Guerra que a Europa se tem esquecido das guerras fratricidas pela via do estreitamente do convívio político e do mundo económico aberto. Mas politicamente desde o Tratado de Roma, quer com a França pós-democrata-cristã, após a ascensão gaulista, por razões de soberania quer sobretudo da entrada do Reino Unido por razoes económicas e isolacionistas, ela tem repetidamente duvidado de si, estremecido, parado, avançado e pior, por vezes, andando para trás com supostos avanços como o do Tratado de Lisboa ou o Tratado Orçamental ou a multiplicação de órgãos políticos como as presidências, desvios orgânicos democráticos como os referentes à distribuição dos poderes legislativo e executivo, subserviências na política externa aos americanos e seus interesses globais, porque nunca conseguiu ter forças anímicas que ultrapassassem a lógicas da economia e do comércio, nem forças armadas próprias sem cuja retaguarda não há poder internacional, deixando ao EUA e Rússia o destino ou des-destino do seu futuro e dos seus interesses, tudo devido desde logo ao falhanço deste plano Pleven que tudo previa e propunha adequadamente.

Dizia eu que fomos assistindo aos avanços federadores, mas sempre nos momentos em que se chegava ao fundo de túneis sem saída.

Logo no início, com a rejeição deste plano de federação global na Assembleia Nacional Francesa, por força dos recém-chegados deputados gaulistas…: só que depois, já com DE GAULLE, se se estremecia muito e avançava pouco – mau, mas menos mau; é preferível parar do que descarrilar- a partir de meados da década de 80 as complicações EU- RU aceleram e bloqueiam o projeto em aspetos essenciais face ao pensamento fundador inicial.

 (período em que fui não só observador como ator interveniente, na qualidade Deputado Europeu.

Ou seja, ator e testemunha privilegiada deste período riquíssimo da história europeia, desde logo ao conviver com duas das maiores figuras da vontade, inteligência e sabedoria, de europeístas, o italiano Altieri Spinelli, cuja comissão constitucional europeia integrei – fui o primeiro português a integrar, tal como a então criada subcomissão de defesa- ainda antes de eu ter sido eleito Presidente do Intergrupo federalista europeu, cuja experiência marcou o meu pensamento prático e a minha visão realista do mundo e da vida política.

E por ter também convivido com aquele que considero o melhor Presidente da Comissão Europeia de todos os tempo no exercício de funções nessa década, o francês Jaques Delors.

Um Delors, que apesar das dificuldades criadas pela ascendente pressão, excessiva, das pretensões do RU, sobretudo desde o meio do seu mandato e do célebre discurso de Margaret Thatcher em Bruges, a que assisti atónito pela cópia fiel das principais teses expressas, designadamente nos livros “O caminho da servidão”, “O conceito Fatal” mesmo em “A Constituição da Liberdade”, em que Frederich Hayek defende designadamente o desperdício do Estado Social para o desenvolvimento dos povos, atacando os malefícios para a economia e as sociedades do conceito de justiça social; defende que o enriquecimento de um é sempre enriquecimento de todos e portanto benéfico para os países.

De facto, o jogo económico egoísta, individual, não conduz automaticamente, sem mão redistribuidora do Estado, ao enriquecimento de todos (Wicksell), não sendo possível aceitar apenas uma tese de regulação mínima, assente em falsos dogmas chicaguianos das expectativas racionais, dos ciclos reais de negócios e dos mercados financeiros eficientes capazes de se autorregularem (este, da autoria de Eugene Famma), Esta recente recessão neles assente basta para os desmascarar.

Justiça social que se impos recentemente, mas já tão cara na antiguidade clássica a Platão e que a partir do pensamento da democracia católica do virar do século XIX-XX, da política do partido liberal inglês, da viragem na esquerda de Bernstein e da social-democracia alemã, do pensamento económico de Maynard Keynes na Inglaterra, e na prática da Grundnorm alemã do pós-guerra e da economia social de m,ercado ( a Soziale Marktwirtschaft de Müller-Armack) se vinha afirmando em toda a Europa.

A viragem no governo britânico em defesa na UE dos meros interesses britânicos na abordagem thatcheteriana e das nascentes brumas do retorno ao liberalismo Clássico do seculo XIX e das suas crises destrutivas da economia, que ela nesse discurso então protagonizou (liberalismo no seculo XX travestido de uma imponente abordagem matematizada pela escola económica de Chicago e pela de Economia de Londres e rebatizado de neoclassicismo económico ou na versão do austro-checo neoliberal Frederico Hayek, tutor intelectual da governante inglesa e alinhado com os boys de Chicago, cujos êxitos económicos na ditadura de Pinochet, convenceram Regan e Margarida Thatcher a alinharem com o chamado novo “Consenso de Washington”, que entendeu desprezar então, não só o essencial das leitura da economia pelo lado da procura, de Keynes (atacada já antes mas sobretudo no ultimo quartel do seculo passado, com o argumento de que entramos num mundo aberto, sem fronteiras comerciais), como mesmo as suas intuições fundamentais, sem dúvida de valor permanente (como o demonstrou a crise nascida em 2008 face à revogação em 1999, por Carter, da Lei GLASS-STEAGALL de 1933, que sabiamente, entre outras coisas, para evitar uma nova depressão que estava a acabar, proibia que os bancos de depósitos pudessem funcionar como bancos de especulação; juntamente com a não regulação dos “credits-default swaps” e, em 2004, e a inadmissível submissão ao lobby bancário para poder aumentar os seus rácios de alavancagem), intuições-pressupostos que apenas exige a sua reaplicação adaptadora ao novo globalismo e regulação deste (para que não vença o livre espírito de acumulação de dumpings, que nada tem que ver com os princípios das vantagens comparativas), pois o que se precisa é da descoberta de um novo Graal da economia, sobre o qual escrevi há anos um artigo científico em revista estrangeira e que em grande parte está presente nas tentativas De superação das políticas anteriores por parte do novo Ministro das Finanças (em parte, porque seria difícil ir mais longe, dado que se vinha de um cenário tão degradado, que qualquer investimento público é problemático, sendo certo que o governo da primeira parte da década aplicou a mais pura política económica ultraliberal e orçamental neoconservadora, cavalgando na cartilha habitual do FMI e no desnorte dos responsáveis europeus, sem tentar os necessários equilíbrios keynesianos, não permitindo orientar devidamente, nesta década, ainda algum reforço de abordagem keynesianista, consumo mas também investimento, em conjugação com uma política mais liberal, própria dos momentos bons de dinamismo da economia, momentos em que umas vezes pode e outras deve mesmo dispensar mais o Estado.

E agora temos hoje este mundo neoliberal, de poucos ricos e crescentemente de muitos pobres. De uma generalidade de cidadãos europeus que empobrece, a prazo num mundo em que de novo nos países do Sul proliferam os remediados.

E temos, no Portugal de hoje, um Estado dispensado por falta de meios e um Estado comprometido do passado só agora mais empenhado, mas ainda assim, porque a retoma sendo boa é lenta, sem uma economia privada que pudesse já cumprir mais o seu papel neste favorável contexto de maior confiança interna e de maior dinamismo e desenvolvimento europeu e global.

Temos vivido com uma crise financeira derivada de meros “riscos morais” que temos de pagar e crise económica com recessões graves, hipotecadoras do bem-estar geral de muitas populações europeias.

Assim, é difícil amar esta Europa sem a repensar e aos seus contornos institucionais internos e internacionais, contextos ideológicos e leis ultraliberais, que o permitiram.

Vemos que as práticas e possibilidades futuras de governança democrática genuína, em geral declinam ou mesmo perdem-se, tal como o seu modelo social e solidário.  

Neste inicio de seculo XX vemos as pessoas a sofrerem, os pedintes não são já só os drogados, pois pululam por todo o lado e por razões da crise financeira que temos de pagar e crise económica com recessões graves, criadas pelo liberalismo e por ele mantida, com a economia e o emprego a regredirem, num ambiente social em que UMA minoria pôde multiplicar exponencialmente, gananciosamente ou com expedientes e corruções inacreditáveis, as suas fortunas e uma maioria piora a sua qualidade de vida e mesmo passa a viver em aflições de ou próximas de pobreza, é difícil amar a Europa, mas isso mais impõe o repensar da Europa, dos contornos internacionais, dos contextos ideológicos e das leis ultraliberais, que o permitiram.

Apesar do aparente desenvolvimento e disseminação de formas liberais de estados democráticos nas décadas de 1980 e 1990, as práticas e possibilidades futuras de governança democrática genuína em geral declinam ou mesmo perdem-se.

Ora, o surgimento e a consolidação da democracia moderna estavam inextricavelmente ligados ao desenvolvimento do Estado-nação e de fortes classes médias, sem o que a garantia da continuidade da sua incorporação social, sustentada nesse contexto estrutural, se perderia.

E, neste mundo globalizado de hoje, vemos estruturas e processos de governança paralelos e transversais sobrepostos a tomarem paulatinamente formas privadas, de índole oligárquica, quando não mistas públicas-privadas, mas com custos fortíssimos dos cidadãos e dos Estados a favor dos privados.

Os dogmas neoliberais vão hegemonizando e deslegitimizando a governança estatal em geral, alheados de pensamentos democráticos, ideologias e consensos constitucionalizados, com osmoses corruptores em circulação, cada vez mais visível e escandalosa, entre os mundo dos grandes negócios e a classe política que compram quando não assumem mesmo o seu lugar.

E os Estados democráticos estão perdendo a capacidade política para gerir as suas sociedade democráticas. E, em vez de uma nova sociedade civil global pluralista, é mais provável que a globalização, que a UE não tem força para disciplinar, leve a um crescimento das desigualdades, a uma fragmentação de estruturas eficazes de governança e à multiplicação de quase-feudos remanescentes à maneira da Idade Média.

De facto, a nível do processo de globalização, estamos realmente já numa idade média, com feudos, negação das soberanias que a partir do século XVI Jean Bodin e depois Tomas Hobbes permitiram concetualizar e já no seculo XX os descolonizados do hemisfério sul não deixaram de querer apropriar-se. Hoje processa-se a carência de poder do Estado substituído por milhentos feudos, impostos pelo jogo do dinheiro das multinacionais e do ultraliberalismo, e pelo avanço dos tecnocratas e governantes vendidos pelos partidos em troca de vantagens e dinheiros para eleições. Temos cada vez menos o governo da soberania e mais o governo dos dinheiros e dos grandes interesses que facilmente o têm vindo a capturar esse poder e a soberania, ao ponto de hoje, mais do que capturar, a estão desfigurando, esvaziando para logo a estruir.

Em breve, o rei irá realmente nu: o povo que mandava soberanamente voltará de novo a súbdito, senão mesmo a escravo das elites financeiras e capitalistas, donas dos governos pelo endeusamento único do mercado e da ganância do dinheiro, conduzindo a uma elite de ricos e a uma denominada democracia -ou pelo menos república- sem povo.

Face à fragilidade do legislador e do administrador nacional temos de ultrapassar o medo do governo dos juízes, desde que de triple recurso e sem poderes que não sejam coletivos (e sempre de recurso das partes e não, por exemplo como no caso europeu, apenas dos juízes nacionais para os juízes da UE).

Juízes que, mais do que escribas fieis aplicadores da norma imposta sejam antes de tudo criadores de justiça, mesmo contra a norma, e impeçam quer a desconstitucionalização da vida coletiva consensual, com práticas derrogatórias de suas normas, por acasionais agentes governamentais em agressão às constituições vigentes, quer mesmo soluções de constitucionalização da imposição de vida coletiva de povos, se claramente, em referendo livre e maioritário, desconformados com meras regionalizações ou descrentes de federações impostas.

Já não vale a pena lutar por monarquias ou repúblicas.

Hoje, há ditas Repúblicas que são monarquias e até imperiais, como os EUA ou a Rússia ou a China e ou Irão ou Coreia do Norte, etc.. E há ditas monarquias que realizam a República, por mais que tenham fortes símbolos do modelo histórico monárquico, como o RU.

Tudo depende de as câmaras dos representantes dos povos ou, em federação livremente desejada-criada-e-mantida, dos povos-nações linguísticas e culturais específicas, mandarem ou não.

 

9.Mas voltando mais propriamente ao tema do federalismo ou melhor dos federalismos de que trata este Estudo, constata-se que o debate sobre o federalismo não aponta para um modelo exato e rigidamente copiável, mas uma orientação de conciliação de poderes em grandes Espaços políticos, que tanto pode ser criado em termos de exercício construtor e compositor como destruidor do já construído, decompondo-se em múltiplos o que era uno. Veja-se o caso brasileiro.

Como presidente do Intergrupo federalista europeu, fui convidado a proferir discurso nas comemorações em Roma do 30 aniversário da criação da CEE, em que não só aflorei premonitoriamente a questão da economia como criticamente os riscos da incerteza do modelo europeu.

Neste livro refere-se que a soberania é algo divisível.  De facto, só pode entender-se a afirmação do óbvio porque alguma doutrina insiste em fechar os olhos às realidades. Como aceitar as velhas teses clássicas, de que alguns “constitucionalistas de texto”, mesmo do nosso tempo, ainda não conseguem libertar-se?

Acrescentaria que, na construção da UE, sempre tive receio deste híbrido pró-governamentalizado, em que se perdem as ideias de soberania igual de cada Estado e a de separação de poderes, que são completamente desprezadas, para levar a favorecer um poder decisivo nas mãos dos Governos dos Grandes Estados.

Com efeito, a UE nem é confederação, o que historicamente sempre se revelou relativamente ineficaz, mas em que, de qualquer modo, todos os Estados mesmo os mais pequenos têm o mesmo peso para decidir numa matéria, só passando os assuntos aprovados por unanimidade.

Tem-se avançado no caminho de lógicas materiais federalizadoras, mas ainda não é uma federação.

Esta sempre revelou um exercício de poderes mais eficaz.

Ter-se-á de prescindir da prepotência volitiva de membros dos governos dos Estados, leia-se na prática dos grandes Estados, e votacionalmente do domínio desses grandes Estados, pois estes não podem ter representação maior numa das câmaras legislativas, a Câmara Alta de representação dos Estados, seja um Senado à americana ou uma de representação dos Governos à maneira do modelo do Bunsdesrat alemão), para se aprovarem as decisões normativas, orçamentais e políticas, nem com mais votos nem com maior ponderação de votos para os Estados grandes, para melhor poderem impor os seus interesses, como hoje acontece, sendo, na minha análise, de relativizar a atual solução de simulacro reequilibrador de minorias de bloqueio. …

Urge, numa Europa plurinacional e aliás de nacionalismos ainda por resolver, refundir o projeto atual numa reconfiguração orgânica do Congresso da União, nas duas Câmaras, de modo a criar um equilibrado sistema orgânico para o exercício do poder legislativo.

Ou seja, quanto à organização do poder legislativo e político parlamentar na UE, numa Europa de tantas nações, seria de propender para uma configuração orgânica global com 2 Câmaras claramente assumidas: uma Câmara dos Representantes dos eleitores (1 homem, um voto), com tantos deputados quantos resultem da percentagem de eleitores votando em listas intra-estaduais ou interestaduais (aceitando-se territórios parcelares de Estados regionalizados ou grupos de Estados pequenos ou partes de uns Estados e de outros com maiores afinidades). Ou seja, apurados nos Estados unitários, com uma só lista nacional; mas nos Estados compostos, aceitando-se listas em cada Estado federado ou por cada Região autónoma existente.

E com uma Câmara Alta, substituindo os poderes do atual Conselho de Ministros dos Governos dos Estados, com um número de representações territoriais iguais por Estado-membro soberano: um representante por cada estado federado ou por cada região autónoma, acrescido de tantos representantes pelo cada Estado-Membro quantos os necessários para ele completar o número igual que caiba por todos os Estados, assim cada Estado soberano garantindo um número de votos igual a todos os Estados nessa Câmara.

De qualquer modo, este é um dos temas mais sensíveis do projeto europeu, sendo a organização das Câmaras um tema inacabado na UE e fundamental em qualquer Federação, porque a votação na Câmara Alta seja dos Estados federados ou dos seus Governos, implica obrigações de revisões decisórias na Câmara dos Deputados, onde realmente dominam os representantes dos eleitores dos Estados com maiores populações.

Temos de reconhecer que o atual itinerante Conselho de Ministros domina a EU, fragilizando-a e fragilizando o trabalho acumulado nos Estados, não servindo ao desejado reequilíbrio face ao atual Parlamento, além deste estar despido de verdadeiro poder inovador legislativo, ao estar em geral antidemocraticamente privado de iniciativa legislativa.

Acrescento que um federalismo europeu só pode assentar num regionalismo estadual concomitante (assente no respeito pelos nacionalismos e patriotismos históricos, independentemente da sua dimensão territorial ou populacional, uns já existentes, vencedores da história, ou a vencer no futuro – pois na própria Europa e mesmo EU, muitos povos sentem-se ainda subjugados, pretendendo a independência), tal pode e deve permitir uma melhor república, pois a igualdade dos Estados na desigualdade da dimensão dos povos permite harmonizar os interesses de todos sem desprezar os dos povos-Estados mais pequenos.

E acrescento que, no contexto globalizador e perdedor de valores fundamentais consensualizados, a problemática da organização do poder jurisdicional tornar-se-á tao ou mais importante para os cidadãos do que o poder legislativo e executivo e a justiça que se espera dependerá muito da sua organização concreta e organização dirigente, da sua dependência, da sua articulação nacional-unionista europeia, ainda incipiente...

Foi em 1947, no Congresso da União Europeia dos Federalistas, que Denis de Rougemont apresentou o seu texto “L’Attitude Fédéraliste”, em que defende a sua tese federalista para uma Europa a construir menos pelos Estados e mais pelas regiões. Este tema reganha hoje grande atualidade, já não tanto face à deriva perigosa do projeto europeu após a re-evolução ultraliberal de Margaret Thatcher e a propensão liberalizadora que o RU bebe da influencia americana, mas sobretudo pela constatação da ressurreição -justa – da ansia dos povos que são nações XX poderem ascender dentro da UE a independências face aos Estados historicamente submissores em que ainda se mantêm contra o revisionista principio da autodeterminação dos povos, pensada por Wilson para a Europa e depois da segunda guerra mundial reconvertido para favorecer a independência das colónias.

Face à complexa e nem sempre livre-consensual organização interna dos Estados e das nações da Europa, abarcando povos ainda submetidos por irracionais processos históricos, por povos sem pátria e por muitas minorias nacionais, o federalismo numa futura Europa não pode marginalizar nem independentismos claramente queridos pelos povos nem reformas dentro dos Estados historicamente existentes, de natureza regionalista (aceitando naturalmente a vitória final dos sonhos de revoluções regionalistas e respeitando as diferentes espécies de nacionalismos sem território).

Importa aceitar o princípio maritaniano de que é possível distinguir para unir, tal como o rougemontiano de que é possível dividir para unificar.

Tal nada tem que ver com processos do modelo de Estado absolutista de dividir para reinar.

Só os imperialismos e os absolutismos, que ainda hoje de novo se estão a afirmar, é que praticam a máxima “divide ut regnes”.

O federalismo democrático que teremos que defender para a Europa do futuro só pode ser um sistema onde os Estados se unem com objetivos comuns a partir de diferentes forças, vantagens, debilidades e oportunidades, mas de facto no sentido escatológico do necessário proveito maior para todos e não apenas para os já mais desenvolvidos que necessitavam da abertura de mercados para continuar os seus processos de acumulação de riqueza, à custa dos povos já dotados de menos bem-estar dos seus cidadãos.

Há que lutar para inverter esta lógica natural tendencial bem detetada e sintetizada pelo prémio Nobel de 1974, Gunnar Myrdal.

Numa federação democrática, exige-se a manutenção da identidade de cada um e a prosperidade de todos. 

Partindo-se sempre de consensos sufragados na ideia de bem-estar crescente para todos os povos europeus, e numa linha de pluralismo ligado à ideia de subsidiariedade e com respeito das autonomias de todos, mesmo dos mais pequenos Estados sem imposições deluidoras das especificidades e de poderes suficiente da sua manutenção, numa unificação sem unidade, em pluralismo de logica simultânea de integração e diferenciação.

Para o pensamento democrático, federar só pode ligar-se a um novo conceito de Estado de Estados, cujo poder venha dos povos, dirigido ascendentemente para garantir o bem comum alargado, de modo horizontal para que os povos federados possam controlar mutuamente os poderes.

Na UE, entendo que tal conceito, no plano das relações externas, implica uma autoridade, entre o supranacional e o internacional. E exige, no plano interno da União, uma nova forma de Direção máxima em sistema de Conselho colegial mas à maneira Suíça, que elimine a figura de Chefe de Estado ou Presidente, resquício de rei, sem monarquia, absoluto ou meramente moderador; ideia que tem sido destruída pela burocracia dos Estados-Nações e máquinas dos partidos.

Com espaços públicos permanentemente criadores de opinião, com processos auto-seletivos das verdadeiras elites políticas nos países e na UE, abertas, de mérito comprovado e não “promovido”.

Em causa, um federalismo horizontalista, de real dupla cidadania.

Tal implica renúncia a qualquer ideia de hegemonia internações. A federação, obra do conjunto, tem de se compor e respeitar as diferentes realidades concretas e heteróclitas (nações, regiões económicas e tradições políticas, minorias e pequenos Estados).

Só um federalismo democrático pode salvaguardar a identidade de cada um, nas suas diversidades e complexidades, construindo-se a partir simultaneamente de Estados e Regiões e não imposto aos cidadãos e poderes territoriais existentes.

O projeto europeu só pode unificar os Estados historicamente constituídos para se atingir a grande unidade europeia, numa solução final que partinDo de Estados independentes viva a ideia de uma democracia plurisoberana, assente, através de checks and balances, num realismo de clara afirmação tríade de necessária unidade, variedade e harmonia.

O federalismo, tal como o regionalismo, em democracia com cidadãos, tem de criar uma melhor República Europeia, com governados partícipes da governação, legislação e jurisdição (mesmo que apenas pela intervenção cívica: jurados, publicistas e militante de causas).

Os perigos distorsores espreitam, hoje mais do que no passado.

Não podemos deixar-nos usurpar pelos tradicionais inimigos das autonomias e da democracia, pelo que importa lutar de imediato por um federalismo, gradualista e consensualizado.

Ou seja, que nada tenha a ver com unificações impostas, compressoras de liberdades nacionais e pessoais, nem centralismos dos eurocratas nomeados pelos Estados e não pelos Povos, como a UE e BCE atual, num claro desvio democrático e que assim se constituem como elites mandantes que disfarçam as pretendidas hierarquias de potências que hoje são bem visíveis.

Em causa, na Europa, só pode estar o debate por um federalismo cooperativo e não algo na linha do atual percurso europeu de tendência competitiva entre os seus Estados, com enriquecimento dos Estados mais desenvolvidos à custa dos outros.

O projeto europeu tem de rever-se no ideário dos seus “progenitores históricos”, e aceitar as lições enquadradoras historicamente vencedoras como nos mostra o livro do Prof Fraga, dando-nos uma União em democracia com povo e não nas costas dos povos, e muito menos em nome de uma Santa Aliança do capitalismo sem regras de geodemocracia e de Estado de direito, que queremos de valor universal, tudo sem anular um democrático modelo existencial político com poderes periféricos, territoriais ou não, com aceitação de uma reorganização simultânea, que favoreça o renascimentos da solidariedade perdida.

Um federalismo sem medo de autarquias municipais e regionais, para que esta República maior, com ou sem reis, seja a nação de todos, uns Estados Unidos da Europa.

Importa denunciar este atual resvalar para um modelo absolutista de um Estado europeu com uma Comissão prepotente e iluminada pelos deuses das cartilhas ideologias de cada momento, a que chegámos, e lutar pela regeneração deste Estado português, que permitiu deixar-se subjugar aos seus poderes de ocasião.

As propostas de reforma da EU vão-se sucedendo, mas os povos europeus continuam a não se sentir devidamente representados e defendidos (política, militar, económica e socialmente, sem construção de sólidos projetos de solidariedade), sofrendo com as degenerescências democrático-sociais (resultantes de pactos de estabilidade e crescimento e de multilaterais de empréstimos-cobranças-austeridades, Brexit, crescimento de extremismos), numa UE onde ocorrem tantos desvios antidemocráticos.

Mácron propõe várias Europas numa mesma União. O Reino Unido já referendou a secessão.

Na Escócia, Catalunha e noutras partes, Sardenha, Baviera, Norte de Itália, etc., os Poderes centrais tremem com pretensões independentistas e possíveis secessões, apenas historicamente suspensas e que os poderes centrais teimam em aprisionar com métodos repressivos ou negação de pronúncias democraticamente reguladas, como ainda se está constatando agora em Espanha, numa luta que vem do século XVII mas que será cada vez mais inglória, nos novos tempos, se essa for a real e comprovada vontade dos povos.

Em nome de limitações de uma Constituição, que é o que está precisamente está em causa, pois a quebra de consensualidade convivencial de base não é uma questão jurídico-constitucional, mas questão política prévia: vontade de querer ou não reger-se por essa Constituição, o que, como tem feito o RU na Escócia, só referendos livres e livremente participados permite apurar em alternativa a subjugações antidemocráticas, que não se compagina com uma Europa de povos livres.

Creio que os atuais limites da atual UE aparecem claramente à luz do dia.

Chegou a hora de se efetivar uma reconfiguração dos atuais Tratados, tanto no plano dos órgãos políticos como dos jurisdicionais.

De imediato, deveria caminhar-se na correção das mais crassas anomalias institucionais e relacionais na UE e na anti-democrática Zona Euro; pôr fim ao atual modelo de Conselho de Ministros, com viajantes de duplo assento (nacional e unionista) e votações desiguais; alterar os Estatutos do BCE e o Mecanismo de Estabilidade da União Europeia, para poder apoiar adequadamente nas crises financeiras sem necessidade do FMI e com medidas re-equilibradoras também para os Estados comercialmente excedentários que têm explorado o Sul Europeu, face a balanças sistemicamente distorcidas, que não têm querido ajudar a sanar, como alias mandaria o Tratado, na linha de antigas propostas keynesianas.

Só depois, se devendo efetivar reconfigurações “definitivas” orgânico-“competenciais”, para uma futura Constituição Federal Europeia, a sufragar devida e diretamente pelos cidadãos europeus, sem o que nunca ficará garantido um modelo de federalismo cooperativo e solidário.

 

10.A UE sofre de insuficiências e disfuncionalidades em vários vetores, implicando uma crise existencial, vivendo em gestões de crises e evoluções longe do projeto de uma Europa de valores e de solidariedades.

Falta internamente o devido equilíbrio de poderes e de políticas para uma inultrapassável integração política, que possa propiciar o enriquecimento para todos e a Justiça social. Tal como falta, perigosamente, Poder Europeu na cena internacional para impor regulações minimamente aceitáveis da globalização, que não destrua os nossos níveis de vida nem o Estado Social, sem o que se destruirá o sonho pacificador e isodesenvolvimentista de uma federação europeia.

Urge o regresso à defesa de um modelo federal adaptado a espaços pluriculturais-plurilinguísticos e políticos historicamente ciosos das suas soberanias, com um único quadro institucional coerente e eficaz:

-um Conselho Presidencial para as políticas gerais);

-um Parlamento bicamaral, com uma Câmara dos Estados representando direta e igualitariamente cada povo dos Estados soberanos);

-um Governo e Administração, funcionalmente melhor enquadrado e

-um Poder Judicial Europeu, com real entrosamento com as jurisdições nacionais

 

Tudo numa construção de Estados iguais e para tarefas e direitos iguais, nunca para uma Europa a várias velocidades, naturalmente dominada pelos mais desenvolvidos, que deixariam os outros para trás.

 

Em conclusão, creio que todos quantos leiam e analisem este bem conseguido estudo sobre soberania e poderes judiciais, mas também sobre federalismos e governos democráticos, ficará melhor colocado para refletir sobre o futuro da EU e os caminhos possíveis para se democratizar a União Europeia.

Só o federalismo pode democratizar a União.

Urge fugir de uma Europa a várias velocidades ou de projetos a la carte sem sentido, com objetivos encapotados de privilegiar o poder dos Estados do Norte e em grande parte dos grandes Estados, como a Alemanha.

Torna-se necessária a existência de uma câmara alta federal em que a representatividade seja nacional e igualitária e uma revisão quer dos poderes executivos e sua legitimação quer também da conceção mais federalizadora do sistema jurisdicional, tendo presente as experiências históricas que em boa hora o nosso Professor decidiu tratar neste livro, que nos ajuda a repensar a Europa.

 

Peço perdão pela divagação europeísta, mas entendo que é dos rumos concretos e democráticos desta construção no seu todo que depende a vivência do bem-estar futuro dos povos europeus, a democracia e também a aplicação da Justiça e o respeito pela dignidade da pessoa e direitos dos cidadãos.

Tudo está interligado na configuração dos poderes, de cada poder, do jurisdicional e da sua força também.

 

Obrigado pela paciência de me ouvirem tempo demais…