Criar um Site Grátis Fantástico

História do direito do urbanismo

História do direito do urbanismo

 

CONDESSO, Fernando -“ Resenha diacrónica e sincrónica da normação urbanística”. In Direito do urbanismo: Noções Fundamentais. (Lições). Colaboração de Catarina Alexandra Azevedo Condesso. Lisboa: Quid Juris, 1999         
 
Capítulo II - Resenha diacrónica e sincrónica da normação urbanística
Introdução
 Antes de traçar a trajetória do moderno direito do urbanismo, ou seja, da legislação urbanística no pós-guerra, dando uma panorâmica geral da evolução ocorrida nos principais países da Europa Ocidental, França, Itália, Reino Unido, República Federal Alemã, Espanha e também, embora em termos mais sintéticos, nos outros Estados integrados na União Europeia, e finalmente em Portugal, faremos uma alusão à evolução das regras urbanísticas em períodos históricos anteriores, desde a antiguidade até ao século XX.
O direito do urbanismo começa a surgir no princípio do século passado, com a revolução industrial e a concomitante concentração urbana. De qualquer modo, o direito do urbanismo do século XIX e primeiro terço deste circunscreve-se às grandes cidades europeias.
O direito do urbanismo, com as características do actual, como sistema jurídico estatal, só virá a desenvolver-se a partir da II.ª grande guerra.
E há que distinguir quatro etapas na sua evolução:
1.ª — As duas décadas a seguir ao meio do século, que é o período europeu da reconstrução e aceleração dos processos urbanos;
2.ª — A década de setenta, com uma legislação corretora das graves disfunções originadas pela urbanização massiva;
3.ª — O período a partir da década de oitenta, com o deteriorar dos centros urbanos das cidades e das áreas metropolitanas, apesar da ascensão de um novo modelo de organização territorial e urbanística; a que se segue
4.ª — A actual década, de aperfeiçoamento legislativo e de renovação-expansão urbana.
Mas vejamos a evolução do direito do urbanismo ao longo dos tempos.      
 
2.1. O urbanismo da antiguidade à Idade Média
 
Os romanos criaram normas jurídicas destinadas a impor certas exigências urbanísticas, em que todos os aspetos referentes à edificação interessavam à Cidade, implicando o poder político, com admissão da expropriação. Trata-se de garantir condições de segurança (prevenção dos riscos para os residentes e transeuntes), tutela de elementos estéticos-culturais dos edifícios, a salubridade e de ordenação mínima do aglomerado urbano (com restrições ao direito de propriedade -Lei das XIII Tábuas- aparecendo a limitatio ou distância entre os prédios, com preocupações civilistas, de luminosidade e de configuração).
Com a diluição da vida citadina caracterizadora do desmoronar do império romano e sobrevinda da Idade Média (até ao século X, em que o desenvolvimento do comércio faz renascer a vida urbana, com cidades formada à volta de castelos e mosteiros), desaparece o espírito urbanístico mesmo que incipiente dos romanos.
A partir deste milénio, de florescimento concelhio, de forais e governos autónomos, as posturas locais aparecem com as políticas económicas das urbes, tratando de polícia de abastecimento público, mercados, preços, pesos, exercício de profissões, etc. mas também de polícia de construções e higiene pública.
A tradição portuguesa de atribuição de poderes regulamentares no plano da construção e urbanismo aos municípios data já desta época.
Em Paris, desde o século XIII, que é necessário uma licença do responsável da administração real para efectivar qualquer construção, a enquadrar em função dos alinhamentos das edificações novas. Segundo Friauf o senhor, fundador de cidades, dava o plano ou nomeava quem o traçasse, fixando a largura dos caminhos e as modalidades de loteamento, delimitava as parcelas. Podemos dizer que na Alta Idade Média já eram aplicadas normas jurídicas, como a licença de construção, o instituto da expropriação por utilidade pública, e o processo urbanístico da planificação para orientar a criação e expansão das urbes.
 
2.2. O urbanismo desde o início da época moderna até ao século XIX
 
Desde a formação do estado moderno até ao aparecimento do iluminismo não existe um conjunto de regras jurídicas no domínio do urbanismo, mas apenas medidas isoladas do poder central ou local no âmbito da construção para garantir a higiene, a segurança, a salubridade e a firmação estética sobretudo nas capitais dos reinos. não existe propriamente direito urbanístico territorial, tudo se reduzindo normalmente à dimensão do edifício, rua ou praça, sem visão de conjuntos urbanos e periurbanos.               
             
2.2.1. O direito do urbanismo do Renascimento
 
Com o Renascimento, no século XVI, temos uma fase de transição para o barroco oitocentista, em que vão brotando novas perspectivas cuja caracterização vai desde a construção rectilínea, o alinhamento uniforme dos frontões, o arco redondo e a repetição de elementos semelhantes na procura de um certo ideal estético da época.
As principais realizações processam-se nos Estados Pontifícios, onde deve destacar-se a «Constitutio de aedificiis» de Gregório XIII, de 1574. Aparecem normas sobre expropriações de casas ou terrenos para a correcção do tracejado das vias existentes ou abrir novas, retificá-las e ligá-las entre si, para a criação de praças, obrigação de levantar muros à volta dos edifícios confinantes com as vias públicas, normas sobre a recuperação de mais-valias originadas em obras públicas e determinada a obrigatoriedade de venda de terrenos privados a particulares que construam imóveis de «bela aparência».
 
2.2.2. O urbanismo Clássico
 
O Estado de Polícia, do Iluminismo Setecentista, do barroco, dos fins do século XVII e XVIII, tinha como política do urbanismo, a aplicação de máximas que, em parte, já haviam sido apregoadas dois séculos atrás. No dizer de HARQUEL, ela pretende levar à existência de cidades «cómodas e belas», no seguimento do pensamento urbano marcante da obra do florentino Alberti, no século XV «De aedificatoria: commoditas e voluptas». Vai aparecer um urbanismo político (com arranjos enaltecedores do monarca, vg. as praças), prático (amplidão de ruas, passeios e jardins, com preocupações no domínio dos equipamentos, como esgotos, águas, pavimentação, hospitais, teatros) e estético (ruas retilíneas, tracejados bonitos, comunhão com a natureza, contacto com os rios, construção de canais, criação de parques, aproveitamento de paisagens naturais, perspectiva monumental, embelezamento com figuras geométricas e esculturas, praças circulares de irradiação de vias públicas, arranjos exteriores dos edifícios).
Em Portugal, as poucas normas urbanísticas que apareceram, isto é, sobre a construção e ordenamento da urbe, resultavam de regulamentos municipais, dado que eram concebidas como normas de polícia local e não estadual, embora existisse a figura do representante do poder central, o corregedor, que, nos termos das Ordenações Filipinas (Livro 1.º, Tít. 58, § 17 e Tít. 66, §§ 28 a 31 deviam fiscalizar e anular quando não respeitassem as leis ou prejudicassem o interesse público).
Para além das limitações civilistas ao direito de construir ligadas à proteção dos direitos dos outros proprietários vizinhos (Ordenações Filipinas, L. I, T. 68, §§ 22 a 42), não havia quaisquer outras restrições, de direito público (excepção feita, por razões trágicas, às normas editadas no rescaldo do terramoto de 1755, em Lisboa, que trouxe ao direito pombalino o planeamento, o alinhamento, a obrigação de construir, a expropriação por utilidade pública, etc.), em relação à construção de edifícios públicos ou privados, por se entender que os proprietários tinham a liberdade de construir no seu solo como entendessem e com a altura que entendessem (cada um é senhor da altura correspondente ao seu terreno, ejus est aer cujus est solum: Cap. 3, pág. 34 do Livro 8 do Título «De servitutibus et de aqua», do Codex Justiniano).
O Estado de Polícia em Portugal revelou a afirmação explícita do direito de propriedade, (só limitado naturalmente pela necessidade de conciliar os direitos dos outros), a quase inexistência de direito urbanístico territorial e a redução de um labor normativo por parte do poder local a questões de salubridade e segurança das construções.
 
2.3. O urbanismo no Liberalismo do Século XIX até à 2.ª Guerra Mundial
 
As características do direito do urbanismo deste período podem ser sintetizadas no seguinte:
a) A libertação dos vínculos feudais em relação à propriedade imobiliária em geral, com a afirmação do direito de propriedade como direito absoluto;
b) A afirmação do princípio da liberdade de construção;
c) A vigência do princípio da legalidade, com normas circunscritivas (regulamentos de polícia urbana);
d) O reforço do papel municipal;
e) A afirmação de legislação sanitária, mas sem preocupações de ordenamento do espaço;
f) O uso do instituto da expropriação;
g) Uma planificação que se traduz apenas em planos de alinhamento.
No que diz respeito a Portugal, podemos dizer que as diferenças quase não existem. Com efeito, o direito de propriedade afirma-se em termos absolutos, embora com o reforço de normas circunscritivas (regulamentos sobre alinhamento, dentro das povoações, cedência ou aquisição de terrenos devido aos alinhamentos, licenciamento de edificações e reedificações junto das ruas e lugares públicos, ordens de demolição ou reparação de habitações insalubres ou que ameacem ruína), há planos gerais de melhoramentos e vigora o instituto da expropriação. Mas verifica-se a importância diminuta do factor sanitário, dado que não tivemos os problemas da industrialização.                        
 
2.4. O direito do urbanismo no Estado Social de Direito
 
2.4.1. As linhas gerais da evolução no pós-guerra
 
Neste século, ocorreram alterações de grande alcance na conformação das políticas urbanísticas, que implicaram uma caracterização qualitativamente diferente do direito do urbanismo.
O Estado desliza de um urbanismo de polícia e regulamentador para um urbanismo comprometido que lhe dá um estatuto de agente ativo, participante do processo. Aparece uma intervenção operativa da Administração no domínio do urbanismo, deixando o Estado de se limitar a criar simples regras de enquadramento da atividade privada de urbanismo para passar a intervir ativamente no desenvolvimento de obras urbanas e construções, desde infraestruturas, vias de comunicação, arruamentos, redes de abastecimento de água, até à drenagem de esgotos, construção de habitações para as classes com menores rendimentos, expropriação de terrenos com grande dimensão, para reduzir a pressão especulativa e posterior urbanização, sendo vendidos a preços razoáveis ou cedidos em direito de superfície, política incentivadora em termos fiscais e financeiros para a construção, para o mercado do arrendamento ou para aquisição de casa própria.
Aparecem as primeiras leis gerais disciplinadoras do urbanismo, com planos normativos, leis de solos, leis de construção, leis de loteamento urbano, etc.
Surge o urbanismo de concertação, com planos elaborados em cooperação com as diferentes Administrações e a participação dos particulares.
A planificação deixa de ser um instrumento de fins limitados para se tornar omnicompreensivo da realidade urbanística, decidindo do uso, da ocupação e da transformação do solo, com âmbito territoriais sucessivamente alargados até abranger o território nacional. E estamos perante uma planificação gradualista, com os planos de escalão territorial mais diminuto ficando dependentes dos de âmbito mais alargado, assumindo-se normalmente com natureza prospetiva e provisional, onticamente dinâmica, contendo orientações para a atividade planificadora subordinada. O seu conteúdo é reforçado com a técnica do zonamento, propiciadora de divisões orgânico-diferenciadas do uso do solo.
Em geral, vai-se abandonando o conceito de direito de propriedade como direito absoluto, aceitando-se que a sua densificação e limites sejam definidos pela lei e pelo plano. De qualquer modo, a função social da propriedade leva à sua vinculação às orientações no planos dos interesses urbanísticos, a defender pela Administração.
O ius aedificandi não pertence ao direito de propriedade do solo, mas nasce com a vontade do legislador e da administração planificadora. À expropriação, como instrumento de execução dos planos urbanísticos, juntam-se os institutos da obrigatoriedade da cedência de terrenos à Administração, realização de obras de urbanização pelos proprietários, repartição dos custos da urbanização por estes, a consagração do direito de preempção da Administração na alienação de solos e edifícios, a associação da Administração Pública com os particulares para executar os planos, a criação de sistemas de perequação de benefícios e encargos resultante do desenvolvimento urbanístico.
Aparecem direitos dos solos urbanos para lutar contra a especulação do preço destes, usando desde a expropriação sistemática até a meios influenciadores do mercado, como a regulamentação das operações de loteamento urbano e a atribuição de direitos de preferência à Administração Pública.
Recentemente, evolui-se de um urbanismo quantitativo das três primeiras décadas do pós-guerra para um urbanismo qualitativo, visando a melhoria do es-paço urbano, defesa do meio ambiente e da qualidade de vida, protecção do património construído antigo e paisagístico, levando a um reforço de novo do urbanismo de regulamentação, salvaguardando e protegendo o meio físico existente.
Vamos ver alguns aspetos mais salientes desta evolução e dos sistemas ordenamentais e urbanísticos nos vários países da União Europeia.
 
2.4.2. O direito do urbanismo em Espanha
 
Em Espanha, até à publicação da Lei do Solo e do Ordenamento Urbano de 1956, não existiu uma legislação geral para ordenar o processo urbanístico, apesar da importância da legislação elaborada no século XIX sobre as zonas de expansão das principais cidades e para a Reforma Interna e Saneamento das Localidades e da publicada já neste século, no primeiro terço.
A concentração urbana levou à publicação da Lei dos Solos e do Ordenamento Urbano, de 12 de Maio de 1956, com os seus extensos 228 artigos, aparecendo como um verdadeiro código do urbanismo, dado que incidiu sobre os principais problemas urbanísticos, que são enquadrados em termos muito avançados para a sua época. Nela se conjugam institutos da tradição espanhola com inovações inglesas e italianas.
O urbanismo aparece aí concebido já como algo que tem de ser abordado em geral a partir e para todo o território nacional, implicando:
a) A formulação de orientações gerais para o ordenamento do território a consagrar num Plano Nacional de Urbanismo;
b) A generalização da planificação urbanística a todos os municípios, como condição prévia para os processos de urbanização;
c) A definição de um regime jurídico para a propriedade do solo urbanizável, a delimitar de acordo com o plano e um sistema de classificações do solo (urbano, de reserva urbana e rústico);
d) O princípio da não indemnização do ordenamento dos terrenos, por implicar meras limitações e deveres que se devem considerar como conformando o conteúdo normal do direito de propriedade;             
e) A previsão da constituição de patrimónios municipais do solo, para interferir no mercado e proporcionar o desenvolvimento ordenado da expansão urbana;
f) Uma política anti-especulativa, assente na tipologia dos valores do solo para efeitos de expropriação;
g) A edificabilidade forçada de terrenos ou a expropriação;
h) A estruturação de procedimentos para a realização dos planos e a atribuição de poderes, fiscalizados a nível provincial e central, aos municípios para a planificação e gestão urbanística.
É notória a influência britânica no que diz respeito à não indemnização pelas limitações à propriedade, importância das técnicas da concretização dos valores do solo e na absorção pela comunidade das mais-valias.
A influência italiana é patente, desde logo, na importância dada ao planeamento escalonado e normativo.
É uma lei muito avançada mas a ausência de meios financeiros, o aumento acelerado da concentração urbana e a não adesão da Administração, por razões culturais, inviabilizadora da regulamentação adequada à lei, não permitiram que ela fosse o êxito esperado, nem sequer se tendo constituído os patrimónios municipais do solo, o que deu origem a uma grande indisciplina urbanística, a partir da década de sessenta. A lei viria a ser reformada em 1975.
Com efeito, após uma longa reflexão, que ocorre desde 1972, (e quando passam quase 20 anos de vigência quase sem vigência), dá-se uma revisão atualizadora desta lei urbanística básica, que é a LSOU. A Lei de Reforma, de 2 de Maio de 1975 tem os seguintes objetivos:
a) Integrar vinculativamente a planificação urbanística na planificação territorial regional e na planificação económica;
b) Submete-la à defesa do meio ambiente urbano e natural (influência da Conferência de Estocolmo de 1972 sobre o Ambiente);
c) Dar um carácter mais operativo e flexível ao planeamento urbanístico, capaz de responder aos desafios da urbanização acelerada;
d) Atribuir ao plano força reguladora das faculdades de transformação do solo rústico em urbano, condicionando-as também pelas cedências obrigatórias para caminhos e serviços públicos;
e) Aperfeiçoar a gestão urbanística pública e privada, para estimular a oferta de terrenos para a construção;
e) Melhorar os meios sancionadores;
f) Reforçar o sistema garantístico dos particulares.    
 
A Lei de Reforma de 1975 teve expressão em três diplomas regulamentadores, que, no conjunto, constituem uma codificação do Direito do Urbanismo, e que são:
a) O Regulamento do Planeamento de 23 de Junho de 1978, sobre o conteúdo e o procedimento da planificação urbanística;
b) O Regulamento da Disciplina Urbanística, de 23 de Junho de 1978, sobre o controlo da utilização do solo e o procedimento sancionador das infrações urbanísticas;
c) O Regulamento da Gestão Urbanística de 25 de Agosto de 1978, referente aos meios jurídicos e económicos para a execução do processo de urbanização.
Em geral, visa-se:
a) Acabar com os obstáculos de ordem física e jurídica que a propriedade privada do solo cria à realização dos planos urbanísticos, mediante o controlo administrativo da utilização do solo;
b) Distribuir equitativamente os benefícios e encargos derivados do planeamento, para facilitar a execução dos planos pelos particulares;
c) Permitir que a Administração recupere as mais-valias geradas pela urbanização, a favor da comunidade;
d) Combater a especulação do solo.
Para conseguir estes objetivos, consagra-se o seguinte:
a) A discricionariedade planificadora inclui a disposição sobre a livre localização das suas opções urbanísticas e portanto a disposição sobre a propriedade privada do solo, a classificar e a qualificar pela Administração. Os solos são classificados em três categorias: solo urbano, solo urbanizável e solo não urbanizável, fixando assim o seu destino urbanístico. Os atos de qualificação afetam-nos a destinos específicos. Estas classificações e qualificações condicionam os poderes dominiais, sendo certo que não é possível a utilização dos solos não urbanizáveis para fins urbanísticos;
b) As normas sobre utilização dos terrenos não conferem direito a indemnização (que a dimensão do processo urbanizador não comportaria), dado que implicam meras limitações e deveres que incidem sobre os titulares da propriedade, definindo o seu conteúdo normal. Isto sem prejuízo de os afetados pelo plano terem direito à distribuição equitativa dos benefícios e encargos daí resultantes, com exceção das normas que imponham limitações ou sujeições singulares, implicando a restrição ao aproveitamento urbanístico do solo não passível de uma distribuição equitativa entre os interessados.                       
No regime urbanístico de 1956, a distribuição equitativa superadora do tratamento inicial discriminatório do planeamento urbanístico era enquadrada através da possibilidade do reparcelamento, que consiste em se proceder, nos diferentes sectores de divisão do plano, a um emparcelamento e a uma posterior distribuição de direitos e encargos, levada a cabo pelos próprios proprietários, embora sob controlo administrativo, que traduz mutações das propriedades.
De qualquer modo, tratou-se de uma técnica com insuficiente valor de distribuição equitativa, precisamente por aparecer ligada a um procedimento parcelado por sectores territoriais do plano.
Só uma técnica de reparcelamento intersectorial podia evitar as deficiências verificadas.
Por isso, o legislador de 1975 criou a técnica eficaz do apuramento do aproveitamento médio, para conseguir esse desiderato, levando a um exercício equilibrador dos direitos e encargos para todos os proprietários de solo planificado urbanizável, constituídos em comunidade de interesses. No próprio plano, é fixado um aproveitamento médio a nível total.
Há a atribuição das mais-valias, derivadas do plano, à comunidade, recorrendo a várias técnicas, a concretizar em dimensão adequada ao tipo do solo, desde as cedências gratuitas e obrigatórias de terrenos para vias de comunicação, espaços verdes públicos, parques, centros de ensino e de vida comunitária, até à obrigação de construir em dado prazo ou de custear as despesas da urbanização.
Estas técnicas são operacionalizadas por meio de dois sistemas de atuação: o sistema de compensação (distribuição das cedências e realização das obras de urbanização pelos próprios proprietários) e o sistema de cooperação (entre os particulares, que cedem terrenos, e a Administração, que faz as obras, a pagar com tais cedências).
A Administração é dotada de meios anti-especulativos, desde a possibilidade de criar patrimónios públicos de solos, que depois cede aos construtores em venda ou em regime de direito de superfície, até à expropriação forçada para se substituir aos particulares na atividade urbanística ou à imposição de impostos gerais ou locais que ajudem a absorver as mais-valias geradas.
O controlo do respeito pelas determinações do plano, da execução do planeamento, faz-se através de várias técnicas:
a) A exigência de licenças urbanísticas para todos os atos de utilização do solo, para a edificação, operações de loteamento, movimentações de terras, corte de árvores não isoladas, colocação de anúncios, etc.;
b) O estabelecimento de um procedimento de concessão de licenças, obedecendo a regras rígidas, desde a necessidade de conformidade com a Lei dos Solos e do Ordenamento Urbano e os planos de urbanismo, com prévios pareceres dos serviços camarários, até à obrigação de fundamentar qualquer deferimento ou recusa neste domínio, que no caso de silêncio da Administração, continua a ter o favor da regra do deferimento tácito, mas sofrendo a limitação da exigência de conformidade com a Lei dos Solos e do Ordenamento Urbano e os planos;
c) As associações profissionais devem preventivamente negar o «visto» autorizador dos projetos técnicos que visem licenças de edificação, com infração grave às regras urbanísticas;
d) A imposição de sanções administrativas e penais, se ao caso couberem, aos responsáveis por infrações urbanísticas, com simultânea obrigação de reparação dos danos e indemnizações pelos prejuízos.
A Constituição de 1978 vai mexer profundamente na matéria das atribuições, em face da criação de Comunidades Autónomas. Além disso, ela reconhece a propriedade privada, especificando a sua função social, competindo à lei delimitar o conteúdo dos respetivos direitos.
Os cidadãos têm o direito a dispor de uma habitação condigna e adequada, o que obriga o Estado a tornar efetivo o direito subjacente, regulamentando a utilização do solo de acordo com o interesse geral, desde logo para impedir a especulação, permitindo que a coletividade absorva as mais-valias geradas pela atividade urbanística, enquanto simultaneamente se impõe a utilização dos recursos naturais para defender a qualidade de vida, e a conservação e promoção do património histórico, cultural e artístico.
A nova Constituição veio enfatizar certos princípios da atividade administrativa, sem pôr em causa aspetos técnicos da legislação anterior. Fundamental foi a atribuição às Comunidades Autónomas de competências em matérias de urbanismo (art.º 148.º), o que tem sido integrado nos vários Estatutos de Autonomia, levando à regionalização, na década de oitenta, do direito urbanístico, embora as leis regionais se limitem a transcrever, e adequar às particularidades regionais, a legislação nacional entretanto vigente e que hoje se tem visto obrigada a restringir o seu campo de normação.
As leis nacionais que regeram o ordenamento do território em Espanha, nesta década, foram a Lei n.º 8/1990, de 25 de Julho, recolhida no chamado «Texto reformulado da Lei sobre o Regime dos Solos e o Ordenamento Urbano», aprovada por Real Decreto Legislativo 1/1992, de 26 de Junho (e cuja sorte ficou marcada com a sentença do Tribunal Constitucional de 20 de Março de 1997). Hoje rege a Ley 6/1998, de 13 de Abril, sobre o Regímen del Suelo y Valoraciones.
A lei de 1992 agrupava a lei sobre o planeamento nacional de 1990 e todos os textos legislativos anteriores sobre o planeamento urbano. No que diz respeito ao ordenamento do território, esta lei de 1992 incluiu os instrumentos de planeamento espacial propostos pelas diferentes regiões (Comunidades Autónomas), procurando dar-lhes cobertura jurídica. A base legal do ordenamento do território em Espanha tornou-se extremamente complexa, após a aprovação da Constituição espanhola em 1978, que transferiu os poderes e competências de ordenamento do território para as diferentes instâncias regionais.
A par da lei de solos, existe uma quantidade de leis que não visam diretamente o ordenamento do território, mas sobre o qual tem implicações. Nomeadamente em relação às zonas costeiras, autoestradas, recursos hídricos, proteção dos espaços naturais, à fauna e à flora selvagem. As dezassete Comunidades Autónomas espanholas (que correspondem ao escalão administrativo intermédio das regiões) podem elaborar as suas próprias leis sobre o ordenamento do território e sobre o planeamento e ordenamento urbanos, nos domínios que não são das atribuições do Estado. As leis regionais relativas ao planeamento espacial variam segundo as dezassete comunidades. Daqui resulta um leque complexo de instituições e de instrumentos nas diferentes regiões, que refletem a diversidade dos territórios e das estratégias adotadas para o seu desenvolvimento.
As cláusulas da lei de 1992 e das leis anteriores autorizam a elaboração de um Plano Nacional que abranja o conjunto do país e sirva de quadro aos objetivos e políticas de planeamento espacial. O Governo central elaborou um Plano Diretor das Infraestruturas para o período de 1993-2007, que abrange todo o território espanhol, o que é um importante instrumento de ordenamento do território (define o programa e as ações relativas às grandes infraestruturas de competência estatal).
O planeamento da utilização dos solos realiza-se essencialmente a nível dos municípios. A Comunidade Autónoma elabora planos regionais e tende a definir medidas de proteção do ambiente, determinar as infraestruturas e ordenamentos de base e tomar medidas de coordenação, visando a integração das políticas sectoriais, tais como as dos transportes, das vias de abastecimento de água, assim como dos planos locais de desenvolvimento. A nível municipal, os planos, mais pormenorizados, seguem um procedimento que requer um a três anos de elaboração.
Os planos locais têm que ver com a ocupação dos solos, regulamentos que incidem sobre a construção, a concretização de programas, etc. Podem ser preparados quer por um município, quer por um grupo de municípios. São revistos de quatro em quatro anos. Têm força de lei e carácter coercivo, deixando à Administração decisória pouca liberdade no processo da tomada de decisão.
Segundo a lei nacional, os instrumentos nacionais e regionais de planeamento espacial podem compreender medidas que se ocupem dos objetivos e do contexto económico e incluir, nomeadamente, subsídios regionais ao investimento e outros incentivos.
O complexo sistema de leis e regulamentos em Espanha fornece um grau bastante elevado de certeza jurídica, sobretudo a nível municipal. Mas foi recentemente eliminado o sistema rígido de planeamento da utilização dos solos da lei de 1992, para responder às tendências emergentes. Ou, como diz a exposição de motivos da Lei n.º 6/1998, que trouxe maior flexibilidade, para que «por um lado, elimine os fatores de rigidez que se foram acumulando e, por outro, assegure às Administrações públicas responsáveis da política urbanística uma maior capacidade de adaptação a uma conjuntura económica em mudança».
Os planos nacionais e regionais, que dizem respeito às grandes infraestruturas, reagem às disparidades regionais e contribuem para o desenvolvimento das redes transnacionais de transporte, de energia e de telecomunicações.
A nova lei dos solos, mostrando-se crítica da complexidade normativa que as sucessivas reformas da legislação urbanística espanhola criara, multiplicando as intervenções administrativas nas diferentes fases do processo de desenvolvimento urbano, que acusa de, juntamente com a limitação da oferta de terrenos, causar demoras inaceitáveis nas operações de urbanização e construção, e em face da necessidade de o legislador nacional se limitar aos seus âmbitos competências, vem (sem poderes urbanísticos e ordenamentais), no seguimento do acórdão do Tribunal Constitucional, reenquadrar parcialmente a questão. Esta lei vem regular condições básicas que «garantem a igualdade no exercício do direito de propriedade do solo em todo o território nacional, assim como regular outras matérias que incidem no urbanismo, como são a expropriação forçada, as valorizações dos terrenos, a responsabilidade das administrações ou o procedimento administrativo comum».
Assim, a lei trata da determinação das diferentes classes de solos como pressuposto da definição das condições básicas do direito de propriedade urbana. O seu objetivo é facilitar o aumento da oferta de terrenos para construção, permitindo que todo o solo que não tenha sido incorporado no processo urbano, desde que não haja razões para a sua preservação (de acordo com o planeamento e a legislação territorial ou sectorial, em razão dos seus valores ambientais, paisagísticos, históricos, arqueológicos, científicos ou culturais, riqueza agrícola, florestal, ganadeira ou de outra índole, ou da sua justificada inadequação para o desenvolvimento urbano), possa considerar-se susceptível de ser urbanizado.
Neste amplo solo urbanizável, que o planeamento venha legalmente a concretizar, o promotor executará, à sua custa, as infraestruturas de conexão (ou o reforço e melhoramento) com os sistemas gerais, que se considerem necessárias. Com isto, o regime jurídico do solo veio prescindir de impor aos proprietários «um sistema de atuações programadas pela administração, sem datas nem garantias efetivas que assegurassem a sua execução».
Não há um retirar à Administração de funções diretivas e de orientação, que é consubstancial ao planeamento, que deve fixar casuisticamente a estrutura geral do território, e portanto a imagem da cidade querida pela comunidade. A palavra de ordem do legislador é a conjugação da flexibilidade com a defesa do interesse urbanístico, flexibilidade que por isso não convive com um «regime de absoluta discricionariedade».
O direito a promover a transformação do solo existe logo que delimitado o planeamento geral. Pretendeu-se assegurar o mínimo de consistência ao direito do proprietário do solo classificado pelo planeamento como urbanizável, compreendido nas condições básicas do estatuto jurídico da propriedade. Os critérios de valorização do solo procuram             refletir o valor real determinado pelo mercado para cada tipo de solo, renunciando assim formalmente a qualquer tipo de fórmulas artificiais de cálculo, eliminando a atual dualidade de valores, o inicial e o urbanístico. Só há um valor, aquele que ele realmente tem segundo a lei da oferta e da procura, o único valor que pode reclamar para si a classificação de justo, que toda a operação expropriatória exige. A partir deste princípio básico, a lei limita-se a estabelecer o método aplicável na determinação desse valor, em função da classe do solo e em consequência do regime jurídico aplicável ao mesmo. Quer para o solo não urbanizável como para o urbanizável, mesmo não incluído num âmbito concreto para o seu desenvolvimento, e para o solo em que não se hajam estabelecido as condições do referido desenvolvimento, o método é o da «comparação com os valores comprovados de outros terrenos análogos, tendo presente o seu regime urbanístico, situação, tamanho e natureza, assim como os usos e aproveitamentos permitidos pelo planeamento». Ou, quando tal não seja possível, o método será o da «capitalização das rendas reais ou potenciais do solo de acordo com o seu estado e natureza, que é o método tradicional». No solo urbano e urbanizável, incluído nos âmbitos delimitá-dos, o método consiste na aplicação do aproveitamento correspondente do valor básico de repercussão, recolhido nos registos cadastrais para o terreno em causa. A aplicação dos valores de repercussão obriga a deduzir a totalidade dos custos da urbanização e os custos financeiros, de gestão e outros que forem imprescindíveis para dotar o terreno da condição de construível.
2.4.3. O Direito do Urbanismo Britânico
O Reino Unido não tem uma constituição em sentido formal, uma constituição escrita, sendo o Parlamento que, sem qualquer limite, sem ordenação supralegal, portanto sempre em termos plenamente soberanos, quem legisla sobre urbanismo e os tribunais têm de aplicar qualquer lei aprovada pelo legislativo. As autarquias pese embora as suas atribuições de self-government têm as competências que o parlamento lhe atribui. Não há propriamente uma distinção entre direito privado e público, porque o direito administrativo quer existe, não deriva de uma segre-gação de tribunais de assuntos administrativos, em contraposição com os tribunais de direito comum, que aplicariam o common law.
Os chamados «administratifs tribunals» não são senão entidades administrativas independentes do governo.
Os conflitos entre órgãos da administração e cidadãos são dirimidos perante tribunais ordinários e por vezes apenas perante os AT, mesmo que com aplicação de normas especiais do parlamento ou desenvolvidas pelos tribunais ao abrigo de leis administrativas entretanto publicadas.
As bases de um novo Direito do Urbanismo foram lançadas após a guerra. E os seus eixos institucionais influenciaram os restantes direitos europeus.           
             
  Três razões explicam a renovação inglesa:
— A reflexão sobre o processo urbanizador do século XIX e princípios deste século;
— As exigências da reconstrução das cidades destruídas pela guerra;
— A emergência do Estado Social de Direito, impondo os valores da equidade e justiça social (Welfare State), e que tem expressão nos três Relatórios já citados nesta obra, que funcionaram como documentos básicos:
1. O Relatório da Comissão BARLOW de 1940 (elaborado no período 36-40) e intitulado The Distribution of the Industrial Population, o Relatório dos Comités Scott, de Agosto de 1942, intitulado Land Utilisation in Rural Areas, e o Relatório de Comité UTHWATT, de Setembro de 1942, intitulado Compensation and Betterment.
2. O Relatório Barlow analisou as disfunções do desenvolvimento descontrolado sem direção governamental e o desequilíbrio na distribuição das atividades industriais, propondo uma política de ordenamento do território assente na responsabilização da Administração central quanto à localização das atividades comerciais e industriais, a sua coordenação e controlo dos planos aprovados pelos governos locais e a criação de novas cidades descongestionadoras das urbes hiperpovoadas.
3. O Relatório Scott avançou depois com novas propostas para o desenvolvimento do mundo rural e conservação dos espaços naturais.
4. O Relatório Uthwatt debruça-se sobre a criação de mais-valias resultantes da utilização do solo e as indemnizações pelas limitações à propriedade privada imposta nos planos de urbanismo.
Destas propostas, nasceram, em 1943, o Ministério do Urbanismo, «Town and Country Planning», em 1944, o Plano para a Grande Londres e em 1946 o «Acquisition of Land Act» e o «New Tows Act» (substituída em 1956 e 1982), e finalmente, em 1947, aparece a Lei do Urbanismo, a «Town and Contry Planning Act» (que se seguiu a outras leis com menor significado em 1909, 1925 e 1932), institucionalizando um sistema de planeamento urbanístico e regulamentando a nacionalização dos direitos de desenvolvimento do solo e da sua valorização.
A lei sobre as Novas Cidades vinha responder aos graves problemas, em termos de condições de vida existentes nas grandes cidades. O Secretário de Estado indicava zonas rurais onde seriam implantadas as novas cidades, tendo sido criados órgãos da administração («new town development corporations», associações para o desenvolvimento de novas cidades), a quem o Ministério das Finanças atribuía fundos substanciais e que se tornaram proprietários de todos os terrenos situados na zona de implantação, tratando das construções de habitações, fábricas, serviços, esgotos, água, estradas, etc.. Em pouco tempo, com especial pujança na década de 50 e princípio de 60, apareceram 26 novas cidades, desde Crawley no Sussex, com mais de 100.000 habitantes atualmente, a outras mais pequenas, de cerca de 50.000 habitantes.
A Lei do Urbanismo (TCPA), de 1946, tem como disposição fundamental o condicionamento pelo poder político dos direitos do proprietário e do arrendatário, a partir do ano seguinte.
Ela transfere para o Estado os direitos de edificação do solo (Development Rights), com base em três instrumentos interligados:
1.º O «planning permisson» (licença de construção, a conceder, depois de 1986 com amplo poder discricionário, pelos «district council», a quem compete elaborar os planos de desenvolvimento, embora possam depois desviar-se deles (autarquia de base, subdivisão do «country», correspondendo este aos nossos distritos, mas com natureza autárquica), a que fica sujeito qualquer «desenvolvimento» da propriedade: construção de edifícios, exploração de minas e alterações de fundo na exploração dos terrenos e dos imóveis);
É o Secretário de Estado do Ambiente que aprova os planos e os proprietários lesados podem recorrer para ele de decisões do «district council». O recorrente tem direito a ser ouvido num inquérito, que pode terminar por uma decisão modificadora da posição do district council, podendo depois, quer o proprietário quer o município, interpor recurso para o Supremo Tribunal, embora apenas sobre questões de direito. Os trabalhos urbanísticos não licenciados constituem crime, e o concelho municipal pode entrar na propriedade e proceder a qualquer trabalho às custas do proprietário, que não tenha acatado a ordem para parar na sua execução. O próprio derrube de árvores ou grupos de árvores indicadas como protegidas implicam o cometimento de crime por parte de quem as derrube. Demolição ou alteração relevante de edifício necessita de autorização de edifício de interesse arquitetónico ou histórico. A afixação de publicidade em qualquer terreno é interdita, sem autorização escrita do concelho municipal, tal como vazar lixo (Lei sobre o controlo da poluição de 1974). Nos termos da Lei de Habitação e Planeamento de 1986 o depósito de substâncias perigosas sofre um rigoroso controlo.
2.º A não concessão de indemnização por recusa de edificação devido a motivos urbanísticos;
3.º E a atribuição de um valor de utilização atual em caso de expropriação e submissão ao «betterment levy», imposto aos desenvolvimentos urbanísticos relativos à edificação, através do lançamento do «development charge», de uma taxa sobre a edificação. Há, pois, a cobrança de 100% das mais-valias, liquidadas antes das obras.
Não há nacionalização dos solos, mas do seu aumento de valor por obra de urbanização. O seu valor seria sempre o da sua utilização existente, pelo qual os governos locais o podiam adquirir.
Em 1951, acaba o imposto sobre a edificação e apenas se mantém o valor da utilização existente para a «compulsory purchase», expropriação forçada, já não para os negócios privados, privilégio que também acabará em 1961 com o «Land Compensation Act» que consagra o conceito de justo preço em termos de mercado. Nesta década de 50 e princípios de 60 aparece a política das cinturas verdes para as grandes cidades, promoção de planos regionais, criação de novas cidades com um novo enquadramento jurídico e a aprovação em 1963 da «London Government Act», com a criação de uma autoridade metropolitana com poderes nos domínios do planeamento, usos do solo, transportes e emprego (Greater London Council). Depois virão os novos «Land Compensation Act» de 1967 e «Town and Country Planning Act» de 1968, o primeiro impondo a taxa de 40% sobre a mais-valia resultante da edificação do solo e criando-se simultaneamente o «capital gains tax», imposto sobre os rendimentos do capital, e o segundo renovando totalmente a metodologia e os meios do planeamento urbano. É criada a nível nacional a Comissão do Solo para adquirir por expropriação forçada terrenos para expansão urbana e industrial, enquanto se prepara o relatório REDCLIFFE-MAUD de 1969.
Toda esta legislação será no entanto revista na primeira parte da década de setenta, suprimindo-se o «betterment levy» da lei de 1967, publicando uma nova Lei do Urbanismo, Lei do Planeamento Urbano e Rural, a Town and Contry Planning Act de 1971 que modifica o enquadramento planificador e promulgando «Local Government Act» de 1972.
No entanto, a partir de 1974 começam reformas que visam corrigir desequilíbrios urbanísticos. O liberalismo do início da década de sessenta levou a uma grande especulação dos terrenos em todo o país e dos escritórios centrais das cidades. Em 1974, reata-se a política trabalhista de absorção das mais-valias do solo e publica-se um «White Paper on Land» (que pretende encarar o «betterment» através da aquisição de terras), em 1975 «Land Community Act» e em 1976, a «Development Land Tax Act». O primeiro permitindo a aquisição de terras para serem urbanizadas, no prazo de 10 anos, com ajuda da Administração Central, através de compra ou expropriação, pelo simples valor de utilização e com a exceção das situações em que o proprietário pretenda construir a sua própria habitação. A Administração Pública pode depois vender a preços de mercado ou ceder em leaseholp, direito de superfície, com revisões periódicas. Expropriáveis são também os locais para escritórios nos centros das cidades não ocupados nos dois anos posteriores à construção. O segundo, agravando a venda do solo com um imposto de 80% entre o valor de utilização e o valor de marcado. Esta legislação de eficácia limitada, levantou oposições na população, acabando por ser revogada em 1979.
 
Com efeito, a modificação de governo operada neste fim de década vai levar a uma alteração profunda da política urbanística e também do regime local, dentro de uma orientação ideológica neoliberal.
Já desde 1976, que a polémica urbanística se instalara na sociedade inglesa, como o constata o Relatório do Royal Town Planning Institute, com ataques à falta de objetivos no planeamento, transformado não tanto em meio de controlo do solo, mas sobretudo em meio de controlo social, deterioração física do centro das cidades, etc..
As novas orientações são as seguintes:
1.º Derrogação do «Community Land Act», de 1975, no ano de 1980, embora se mantenha em vigor o «Development Land Tax», de 1976, com a diminuição da taxa de desenvolvimento urbano para 60%;
2.º O «Greater London Council» é extinto pelo «London Government Act», de 1985, com a devolução da maioria das competências aos municípios;
3.º Inicia-se uma política de auxílio aos arrendatários para aquisição de habitações;
4.º Criam-se novas cidades, com alterações em 1981, no domínio da sua promoção e gestão, sendo encarregadas desta tarefa e das novas urbanizações as «Development Corporations», a quem compete fazer a aquisição, o ordenamento urbanístico e alienação aos usuários das habitações construídas, ficando, de qualquer modo, a cargo da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, a decisão sobre a localização das novas cidades, após consulta aos municípios e aos organismos responsáveis pelas estradas e outros serviços públicos;
5.º Empreende-se um esforço enorme no domínio da «inner city policy», da renovação dos centros urbanos das cidades com degradação e crise industrial, continuando a ação iniciada a partir do «Inner Urban Areas Act», de 1978, através do «Local Government Planning Act», de 1980, combinando-se o crescente aumento de investimentos com ajudas estatais, com o estímulo à formação a nível municipal de «Local Entreprise Agencies», para conjugar dinheiros municipais e empreendimento privado;
6.º E as zonas rurais são, também objeto de uma política de recuperação, com «enterprise zones», desde 1980, concedendo-se isenções importantes às empresas que se instalem aí, facilidades na concessão de autorizações, libertação de restrições urbanísticas.
No que diz respeito à Lei sobre as Áreas Centrais Urbanas, de 1978, como as novas cidades chamaram a si os elementos mais qualificados e na década de 1950 a 1975 o crescimento populacional é muito grande, impunha-se uma política virada para os «inner cities», visando a renovação do seu parque habitacional e das indústrias locais.            
 
Com esta legislação foram tomadas as seguintes medidas:
1.º A criação das UDCs («Urban Development Corporations»), órgãos independentes, que não precisam de solicitar licenças de desenvolvimento (ainda hoje existem algumas, vg. Liverpool criada em 1980, a da zona das docas londrinas criada em 1981 e mais recentemente as das zonas de Tyneside e West Midlands);
2º A criação das Ezs (zonas de concessão empresarial), pelo Secretário de Estado, a quem compete delimitá-las juntamente com a autarquia (área pequenas dentro da zona urbana ou no seu perímetro, com edifícios e infra-estruturas em ruínas, cujos terrenos as autarquias passam a poder comprar, expropriar e arrendar para promover rendas razoáveis e em que os investimentos industriais e comerciais não necessitam de licenças e têm isenção de impostos durante 10 anos).
3.º Por fim, em 1986, é criado a «the simplified planning zone», que pode ser determinada pelo «country council», responsável pelo planeamento sem qualquer autorização governamental, juntando autarquias e empresas, que têm ao seu dispor vários tipos de comparticipações incentivadoras em face dos problemas dos centros urbanos. Aqui, com resultados espetaculares, apesar da diminuição dos benefícios fiscais, pode-se construir e também instalar indústrias sem licença administrativa. A Inglaterra tem há muito o mais completo sistema de controlo de planeamento do mundo ocidental.
Hoje, em termos sintéticos, podemos dizer que a base legal do sistema britânico de planeamento espacial não sofreu grandes alterações desde 1947, data em que os planos de divisão do território em zonas foram abandonados em favor de um sistema de planos de desenvolvimentos não coercivos. No entanto, o sistema foi revisto em 1991, data em que as principais leis foram alteradas. Em Inglaterra e no País de Gales, o texto fulcral é a Lei de Planeamento Urbano e Rural, de 1990 (Town and Country Planning Act). E há várias legislações específicas sobre variados assuntos, como a preservação e a proteção do ambiente, que completam esta lei do urbanismo. Disposições semelhantes são aplicadas no resto do Reino Unido.
 
O sistema de planeamento espacial atingiu a maturidade. É geralmente bem aceite e é fundamentalmente uniforme em todo o país.
Este sistema tem bastante poder no que diz respeito à regulamentação dos ordenamentos locais em sítios específicos. Mas, contrariamente a outros Estados da União Europeia, tem menos disposições normativas relativas ao planeamento nacional ou regional. O planeamento espacial é da atribuição das autoridades locais, embora o Governo estadual tenha um grande poder de controlo neste âmbito.
 
Os principais elementos do sistema são os seguintes:                        
— Orientações nacionais publicadas pelos Ministérios do Governo central que abarcam aspetos particulares, tais como o centro das cidades ou a economia rural, ou ainda orientações estratégicas destinadas às zonas metropolitanas e às regiões;
— Um sistema a dois níveis de planos de desenvolvimento não coercivos, que abrangem a maior parte do país;
— Os esquemas diretores fornecem orientações completas, mas gerais, e os planos locais contêm propostas específicas e uma afectação concreta dos solos para alguns locais;
— Um sistema de planos unitários de desenvolvimento nas zonas metropolitanas, incluindo Londres;
— Um sistema rigoroso de controlo de conformidade para a maior parte dos tipos de ordenamento e de alterações na utilização dos solos, com excepção das utilizações agrícolas e silvícolas.
As decisões são tomadas no momento do pedido da licença de ordenamento, sendo dada a devida consideração aos planos e outros aspectos.
Na análise deste sistema constata-se o seguinte:
— O plano não determina de modo automático o direito ordenamental, pelo que existe uma menor certeza no plano legal, do que noutros ordena-mentos jurídicos, compensada por uma maior flexibilidade relactiva às diferentes situações particulares;
— O sistema está concentrado na utilização dos solos, desligado do controlo dos edifícios e da planificação baseada nas despesas (incluindo os quadros comunitários de apoio);
— Não existem planos regionais, sem prejuízo de as associações autárquicas cooperarem no âmbito da elaboração de pareceres para o Governo estatal, no que se refere a grandes orientações, com implicações a nível regional. A elaboração de planos foi demorada, tendo o Governo reforçado o estatuto dos planos, no processo da tomada de decisão e exercido pressão sobre as autoridades locais, para a elaboração dos planos de desenvolvimento local, que passaram em geral a abranger todo o país, em 1996.
Desde há cinquenta anos, que tem sido seguida uma política de limitação urbana por uma cintura verde e outras medidas de proteção dos espaços naturais e de preservação do campo e do património natural e histórico.
Esta limitação foi equilibrada pela necessidade de oferecer terrenos para a habitação e a indústria, o que em geral, evitou o aumento da urbanização (mas o sistema de planeamento funcionou, regra geral, melhor enquanto regulamentador da construção, do que no papel de encorajador).  
 
As prioridades atuais da política de ordenamento de território centram-se na promoção de um desenvolvimento económico duradouro do país, numa revitalização urbana através do imobiliário, nas consequências espaciais do excedente de terrenos agrícolas e na concentração do crescimento da população e da economia nas cidades que desempenham o papel de centros de comércio.
2.4.4. O Direito do Urbanismo em França
Em França, o urbanismo começa com Henrique IV e o processo de alinhamento por ele instituído, através do Édito de Dezembro de 1607 que dá ao «Grand Voyer» do reino o poder de conceder por escrito as actas de alinhamento que per-mitiam a construção, com validade durante um ano, nos termos por elas previsto. Obra irregular dava origem a multa e demolição. Portanto, as normas urbanísticas começam com a criação de vias públicas, ou seja, pelo alinhamento das fachadas dos prédios em relação à linha da via, sendo certo que até aí, como diz GEORGES LIET-VEAUX, as construções não tinham regras e as passagens entre prédios não era retilíneas.
A partir de 1725 aparece a cota de soleira (a obrigação de pedir à Administração a indicação do nivelamento a respeitar ao longo da via pública).
Luís XVI, em 1783, veio obrigar a respeitar uma dada relação entre a largura da via e a al-tura da fachada dos prédios (a cércea). Alguns destes regulamentos da rede viária ainda hoje têm vigência em França.
Depois, as normas iniciais de urbanismo irão relevar também preocupações no campo sanitário, com regulamentações referentes a fábricas e construções perigosas ou insalubres. Legislação do segundo império, de 1850, veio introduzir o controlo da higiene nas habitações. Um Decreto de 26 de Março de 1852 veio controlar a salubridade dos edifícios em Paris, embora só após as descobertas de Pasteur, a higiene pública tenha ganho foros de verdadeira política pública. Em Fevereiro de 1902 verifica-se a publicação de um regulamento sanitário para os municípios que traduz a codificação de legislação sobre a matéria impondo a licença de habitação, isto é, uma licença especial após a vistoria das obras como condição para a utilização do edifício, e que em 1935 se transformará em diploma de âmbito departamental.
A seguir, já no nosso século, serão os objetivos estéticos que se irão impor nas preocupações da regulamentação urbanística. Em 14 de Março de 1919, uma lei virá dar realce urbanístico às questões de embelezamento da urbe, impondo, para além dos planos gerais de alinhamento e nivelamento concelhio, a elaboração, no prazo de três anos, de projetos de ordenamento, embelezamento e expansão para os aglomerados urbanos com mais de 10.000 habitantes, o que em geral não foi concretizado (300 planos entre as duas guerras).
A partir da Lei do Urbanismo de 1943 começam a formar-se princípios nacionalizadores do urbanismo, que informarão mais tarde o chamado impropriamente Código do Urbanismo, recompilação sistemática de normas urbanísticas de natureza legal e regulamentar, frequentemente alteradas pontual ou parcelarmente.
A Lei do Urbanismo de 15 de Junho de 1943 institui toda uma organização de Estado para obrigar, pela primeira vez, os municípios a elaborarem projetos de ordenamento comunais, incluindo normas sobre rede viária, higiene, estética, com a instituição pela primeira vez das licenças de construção, que eram planos de urbanismo visando a regulamentação do desenvolvimento das cidades, que se pretendia que fosse a par da imediata reconstrução e edificação em face da destruição da guerra. Mas as necessidades imediatas do pós-guerra vieram cindir as regras urbanísticas em dois grupos: o código de 26 de Julho de 1954 na linha da legislação de 1943 e outras leis e ordonnances (normas do governo criadas ao abrigo de autorização parlamentar) especiais com planificação autoritária de emparcelamento para as zonas sinistradas das cidades visando a reconstrução (1955-60) assente em indemnizações por prejuízos da guerra.
A política urbanística sofre um grande impulso a partir de 1958, com as leis e «ordonnances» de 31 de Dezembro deste ano, instituindo planos de urbanismo com uma hierarquia entre planos diretores, planos de pormenor e depois também planos sumários. Entre 1950 e 1975 a população francesa cresceu tanto como durante todo o século XIX e isto acontece apenas nas cidades, com o campo a perder a sua população que passa de 40% do total para 10% neste período. Estamos pois no tempo da aprovação pela Administração central dos Planos Diretores de Urbanismo e o chamado urbanismo operacional, que consistia na delimitação pública, após parecer dos municípios, de Zonas de Urbanização Prioritária para a construção rápida de grandes conjuntos habitacionais.
Depois, já quase no fim da década de sessenta, aparecerá o apelidado urbanismo coerente, com a Lei de Orientação Fundiária de 30 de Dezembro de 1967, que aperfeiçoa os instrumentos planificadores, de carácter orientador (Esquemas Diretores de Ordenamento e Urbanismo) ou executivo (Planos de Ocupação dos Solos, novo nome dos planos de urbanismo). Estes planos de urbanismo local (existe um regulamento nacional de urbanismo de 1961 com carácter subsidiário) processam-se de modo mais expedito, são executórios, durante um período de três anos, a partir do momento em que são tornados públicos, ou seja, ainda antes da submissão a inquérito público e aprovação oficial. São essencialmente elaborados pela Administração central, através das Direções Departamentais do Equipamento e outros organismo delas. No entanto, a nova legislação passa a dar competências conjuntas ao Estado e municípios, todos participando na sua elaboração.
O regulamento nacional de 1961, ainda hoje vigente, aplicável nos casos de inexistência de planos locais, cria poderosos mecanismos discricionários de recusa de licenças de construção por invocação de cláusulas vagas sobre segurança, salubridade, meio ambiente, etc.            
                         
Para além deste urbanismo interditador, circunscritivo, de polícia administrativa, aparecem também políticas incentivadoras da construção, permitindo opera-ções conjuntas da Administração e construtores ou promotores privados ou públicos. Aparecem para isso, novos tipos de zonas. Um decreto de 31 de Dezembro de 1958 cria zonas de urbanização prioritária (ZUP), com recurso, quando necessá-rio, à expropriação. Depois aparece a zona de desenvolvimento coerente (ZOC, servindo para habitação, comércio, indústria, recreio, etc., podendo estabelecer plano de urbanismo especial, derrogando o plano municipal), através de lei de 30 de Dezembro de 1967, que foi incluída no anterior Código do Urbanismo de 1973). Estas zonas vêm permitir a iniciativa urbanística privada, precisamente por isso se designando por Zonas de Ordenamento Concertado.
Em geral, o direito do urbanismo está vinculado à política de ordenamento do território e ao sistema de planificação económico-social. À zona de desenvolvimento coerente, que se tornou a zona-tipo em França, desenvolvendo um urbanismo local concertado, acrescentam-se outras zonas sem objetivos ordenamentais, como as zonas de renovação, as zonas sensíveis (zonas de meio ambiente protegido contra a construção), as zonas de instalações classificadas (perímetros de protecção à volta de fábricas de efeitos previsivelmente nocivos), as zonas de proteção histórica e arquitetónica, e as zonas de locais protegidos, zonas arborizadas, zonas insalubres, etc.
Foi em 1975 e 1976 que apareceram em França novas leis urbanísticas que mexem significativamente com o DU, visando desenvolver um urbanismo de qualidade, em face da contestação aos processos vigentes especialmente a construção dos Grandes Conjuntos Imobiliários manifestada pelos ecologistas.
Refiro-me à Lei sobre a Reforma da Política Fundiária de 31 de Dezembro de 1975, à Lei da Proteção da Natureza de 10 de Julho de 1976 e à Lei de Reforma do Urbanismo também de 31 de Dezembro de 1976, à Lei sobre Arquitetura de 3 de Janeiro de 1977 e à Lei de Proteção à Habitação de 3 de Janeiro de 1977.
 
Esta reforma giscardiana renuncia à utilização do urbanismo fiscal e de intervencionismo administrativo, embora generalize os direitos de preferência da Administração e instale o «Plafond Légal de Densité». Daqui resultará:
— a manutenção, como sistema básico da urbanização e disponibilização de terrenos urbanizados, do urbanismo operacional com base nas Zonas de Ordenamento Concertado (ZAC);
— a introdução de limitações ao incremento deste modelo, que visam impedir os vícios da sua experiência anterior. As limitações são a interdição de que o volume das operações imobiliárias nestas zonas ultrapasse 2.000 ou 1.000 habitações, nos casos de cidades com menos de 50.000 habitantes, a sujeição da localização e realização de operações a informação pública prévia, a delimitação da zona sem possibilidade de derrogação do documento urbanístico preexistente; e se este vier a ser denunciado tem de se elaborar um plano de ordenamento de zona (PAZ, superplano de ocupação dos solos), medidas que foram eficazes na diminuição significativa de construções nas ZAC, retirando parcialmente o carácter desumanizador que haviam tido;
— a luta anti-especulativa assenta no direito de preempção administrativa de terrenos em zonas previamente delimitadas (função de dissuasão com respeito do direito de propriedade), sejam urbanas (Zonas de Intervenção Fundiária: instituto urbanístico criado em 1976, correspondendo a uma área demarcada onde a Administração pode exercer o direito de prefe-rência na compra de terrenos e edifícios com base nos preços do mercado) ou urbanizáveis (Zonas de Ocupação Diferida: área marcada onde a Administração, durante um período de 14 anos, pode exercer o direito de aquisição preferencial de compra sobre o terreno e edifícios, na base dos valores em curso um ano antes da demarcação) e perímetros sensíveis (área de salvaguarda paisagística designada com base na Lei do Planeamento Urbano em regiões ameaçadas devido ao fraco desenvolvimento urbano e crescimento descontrolado, onde além do direito de preferência, a Administração pode cobrar um imposto específico sobre novos edifícios a fim de desenvolver zonas de lazer).
Os regimes jurídicos destas zonas impõem a obrigação de dar a conhecer à Administração a intenção de vender, a faculdade de atuar o direito nos casos de invocação de interesse público especificamente previsto na lei (que não tem como fim determinante o de criação de patrimónios imobiliários, para o que existe a figura das Reservas Fundiárias, em geral bloqueada por falta de verbas suficientes, com exceção das zonas com Programas de Aquisição financiados pelo Estado), acordo sobre o preço ou sendo exigido um valor excessivo (superior ao valor do mercado), a sua fixação pelo tribunal.
A limitação do direito de propriedade em termos de espaço (ou seja, o espaço privado é limitado, daí para cima ele pertence à coletividade, legitimando não a limitação do volume das construções, mas a sua densidade), com a instituição do Plafond Légal de Densité (PLD) vem fixar para todo o território nacional uma densidade de construção limitada, nos termos propostos por SAVTIER em 1965 e depois aprofundados por J. P. GILLI, no seu livro Redefinir o Direito de Propriedade, acabado de ser publicado. A densidade é 1, exceto em Paris, que é 1,5.
Significa isto que se o proprietário quiser construir para além disso nos termos previstos no plano tem de pagar à colectividade um dado montante financeiro.
A ideia é teoricamente interessante, enquanto técnica de socialização parcial do direito de construir, mas inadequada a políticas que não visem transferir para a periferia, em prejuízo do centros citadinos, o processo edificador.     
Em 1982 e 1985, o direito urbanístico viu ser permitida a fixação pelos municípios de PLD, embora condicionada por limites estabelecidos em termos gerais (e com faculdades de inaplicação ou modificação do regime no caso de habitações protegidas ou populares), e a afetação dos montantes cobrados em três quartos para o município (sem prejuízo do respeito dos direitos adquiridos quanto a construções existentes e nas situações da sua recuperação), ficando o restante para as despesas de urbanização.
Mas desde 1981 que o Direito do Urbanismo começara a sofrer profundas alterações, com a descentralização local do ordenamento e da gestão urbanística, modificando a orientação centralizadora iniciada em 1958.
Uma lei de 7 de Janeiro de 1983, aperfeiçoada por outra lei que se lhe seguiu quase de imediato, de 22 de Julho de 1983, veio regular as competências distribuídas entre os municípios, os Departamentos, as Regiões e o Estado. Neste plano, há que destacar o aparecimento de três leis que veem concretizar os novos princípios: a Lei n.º 85/729, relativa à definição e execução dos princípios do ordenamento, a Lei n.º 85/704, relativa ao controlo das obras públicas e as suas relações com o controlo das obras privadas e a Lei n.º 86/1290 de 23 de Novembro, tendente a favorecer o investimento da oferta fundiária.
A Lei 85/729 vem delimitar as atribuições urbanísticas dos municípios, segundo perspetivas objetivas e subjetivas, em definição geral de atuações e objetivos no domínio dos princípios do planeamento, que passam a funcionar como padrão legitimador das operações urbanísticas e uso dos instrumentos fornecidos pela política do solo.
A municipalização dos objetivos urbanísticos é acompanhada do incremento da participação dos cidadãos (art.º 300-2 do novo CU: ordenamento articulado com habitantes, associações locais e pessoas afectadas), quando, salvo regulamentação diferente, se trate de modificações ou revisão de Plano de Ocupação do Solo das zonas de ocupação futura, criação de iniciativa municipal de zonas de ordenamento concertado e operações de ordenamento efectivadas pelo município em que saia substancialmente afetada a qualidade de vida ou atividade económica do município.
Todos os pedidos de licenças de construção, loteamento, demolição e instalação de caravanas e instalações simples de atividade de lazer ficam sujeitas a um sistema de publicidade.
A licença de construção é uma técnica central do sistema de aplicação das regras urbanísticas, da sua executoriedade. Antes da sua exigência, as normas ficavam sem sanção, os planos estavam destinados a serem violados, o que acaba com a obrigatoriedade de obter uma licença de construção, que ocorre em 15 de Junho de 1943.
A licença é a sanção-tipo das regras de urbanismo. Não só a de construir, todas as licenças, também a de loteamento, para implantar vedações, etc.. Em 1943, proclama-se o princípio de exclusividade da licença de construção, que substitui todas as que eram anteriormente exigidas, o que era considerado impossível dado o número de entidades a consultar que dispunham de um direito de veto, pelo que ele foi abandonado em 31 de Dezembro de 1976, pelo que a licença de construção só sanciona as normas de urbanismo mas não outras normas referentes por exemplo à abertura de grandes centros comerciais, instalação de indústrias incómodas ou insalubres, abertura de uma clínica, etc.
Ela é um documento de ordem pública passada em conformidade com disposições urbanísticas, sem poder valorar qualquer transação entre particulares, o beneficiário não pode desistir dela, embora possa vender o solo e com ele fazer transferir o direito a construir, dado que ela tem carácter real por estar relacionada com um bem imóvel e não ser função do seu proprietário. Uma licença de construção não pode ir contra uma regra de urbanismo (sistema de derrogações).
Além disso, a sua concessão é vinculada. A Administração Pública tem de automaticamente passar uma autorização se o projeto de construção estiver conforme às leis e aos regulamentos de urbanismo, tendo-se criado um procedimento de obtenção tácita de licença. E confere direitos adquiridos, durante um certo período de tempo, que atualmente é de dois anos. Se as obras tiverem sido iniciadas nesse prazo, a partir da data da concessão, o proprietário não fica sujeito a quaisquer modificações ulteriores de regras urbanísticas, desde que a obra não tenha estado interrompida mais de cinco anos. Nestas condições só pode ser revogada nos termos gerais de direito, ou seja, no prazo do recurso contencioso e só por razões de ilegalidade.
De qualquer modo, também há sanções de índole penal. Se se fizer uma obra e não existir licença ou houver violação de licença de construção, o proprietário fica sujeito durante três anos, desde o início dos trabalhos, a ver ser iniciado um processo correcional, por iniciativa pública ou de particulares (vg. um vizinho). E a violação de um plano de ocupação do solo ou de um documento similar como violação de norma urbanística também é passível de ser penalizada (v.g. não respeito da indicação das atividades previstas para uma dada zona em POS, independentemente da existência de licença de construção).
No que diz respeito ao regime urbanístico do solo, só os terrenos com serviços mínimos legalmente estabelecidos e qualificação de edificáveis de acordo com os planos pode ser considerado solo edificável; os proprietários dos terrenos não edificáveis por ficarem reservados para obras públicas ou criação de serviços urbanísticos, ou previstos para zonas verdes, podem pedir a sua expropriação, a efetivar num prazo de dois anos após o pedido; e a sujeição em certos aspetos aos valores fiscais dos terrenos em caso de expropriação forçada e exercício do direito de preferência administrativa.
Este direito, fundamental para a política dos solos, estava condicionado até à lei de 1985, a prévia delimitação de certas zonas onde pode funcionar: ZIF (zona de intervenção fundiária), ZAD (zona de ordenamento diferido), e ZF (zonas frágeis e perímetros sensíveis).
 
Atualmente, ele foi generalizado (art.º 210-1) a qualquer tipo de operações urbanísticas relacionadas com objetivos ínsitos nos princípios do ordenamento, ou seja, ele fica instituído em todas as zonas urbanas e de urbanização futura, delimitadas por planos de ocupação dos solos, tornados públicos ou aprovados.
A lei de 23 de Dezembro de 1986 alargou o direito de preferência em ordem a potenciar a oferta de habitações às atuações ligadas aos Planos de Ocupação do Solo e aos Planos de Salvaguarda e Proteção de Espaços.
E o município pode delegar ou transferir o exercício deste direito para qualquer organismo que aja no domínio urbanístico, com exceção a sítios, paisagens e meios naturais cuja gestão pertence ao âmbito do poder departamental.
Este direito tem vigência indefinida com excepção dos imóveis incluídos nos ZIF, em que só pode ser exercido durante 14 anos a contar da delimitação da área. O preço, se não puder ser acordado, é fixado nos termos das normas da expropriação forçada.
Os sistemas de execução do Plano são as Zonas de Ordenamento Concertado, os Loteamentos e as Associações Fundiárias Urbanas de Proprietários, tendo a legislação de 1985 reforçado o papel dos municípios, que tem a primazia na delimitação das ZAC desde que haja Plano de Ocupação do Solo aprovado, senão tal caberá ao Estado com parecer prévio dos municípios, parecer que também tem de existir em relação à criação das ZAC criadas por outras instâncias administrativas, sejam elas o Estado, as regiões ou os Departamentos ou seus concessionários.
A PAZ, que deve ser sujeito a informação pública, tem que ser compatível com a respetiva ZAC e esta com o POS ou, não existindo este, com o Esquema Diretor.
Em França, em ordem a definir uma estratégia nacional coerente de ordenamento do território, e uma melhor coordenação entre os objetivos nacionais de desenvolvimento e o planeamento físico, existe uma lei de orientação para o ordenamento do território, com um esquema nacional que dá a visão espacial da França que se pretende atingir em 2015.
Em resumo, o sistema francês distingue claramente o planeamento espacial e o planeamento sectorial. Este último pertence às tarefas do Estado, das regiões ou dos departamentos, ao passo que o territorial é da competência das comunas.
Desde os anos quarenta até aos anos oitenta, o sistema francês de ordenamento do território foi-se caracterizando por um acentuado grau de centralização. Nos anos 80, em particular a de 1983, começaram as reformas administrativas descentralizadoras dos poderes e das decisões em matéria de planeamento. É então que os municípios são autorizados a elaborar os seus planos de ocupação dos solos (POS).
Em França, existem quatro escalões de administração territorial pública. A Administração estatal, que define as regras e tomadas de decisões estabelecendo o contexto dos grandes ordenamentos e a sua gestão.
O governo define, nomeadamente, os esquemas diretores sectoriais (autoestradas, TGV, universidades) para todo o território nacional. E depois os serviços descentralizados do Estado asseguram o controlo da legalidade das decisões locais de planeamento. As regiões participam na coordenação do desenvolvimento económico, nomeadamente em ação conjunta com o Estado através da elaboração e programação dos Contratos de Plano, que fixam por cinco anos os grandes investimentos públicos (em cada região). Os departamentos fornecem uma assistência técnica às pequenas comunas rurais, elaboram e implementam os esquemas departamentais de transportes. Depois as autarquias de base, ou seja, cerca de 36000 municípios, formando o escalão das autoridades públicas mais próximo dos cidadãos, são responsáveis pelas infraestruturas locais, pelo planeamento local e pela determinação da validade das propostas de ordenamento. Cada vez mais os municípios se agrupam à volta de projetos intercomunais de desenvolvimento.
Como elementos fundamentais do sistema francês temos um direito nacional do planeamento espacial codificado: o Código do Urbanismo, cuja primeira versão foi publicada em 1957, e depois foi objeto de alterações frequentes. As suas reformas recentes mais importantes ocorreram em 1983, 1987 e 1991. Temos depois associações municipais, que abrangem muitas vezes zonas metropolitanas, e que colaboram e elaboram planos que definem os objetivos gerais de planeamento de zona — os Esquemas Diretores.
Eixos de todo o sistema são os POS e as licenças de construção. Os planos de ocupação dos solos (POS) são elaborados pelas comunas, definindo as regras e os regulamentos ligados a usos específicos do solo e às características relativas às construções em cada parcela do solo. Em princípio, o POS deve estar em conformidade com todo e qualquer esquema diretor pertinente. A licença de construção depende da sua conformidade ao POS ou, quando este não existir, das regras de planeamento urbano constantes do Código do Urbanismo, que determinam se um ordenamento pode ou não ser autorizado.
2.4.5. O Direito do Urbanismo em Itália
Em 17 de Agosto de 1942, é publicada em Itália a Lei n.º 1150, a Lei do Urbanismo, não só ainda hoje em vigor, como representando o texto fundamental do direito urbanístico, embora tenha sofrido já muitas alterações de regime e a introdução de regulações de pormenor, que ela tinha querido deixar para diploma regulamentar à parte.
A Constituição de 1948 não dá relevo à matéria, que só o centro-esquerda trará com força para a ordem do dia no início da década de sessenta. Aparecem então propostas do INU de Dezembro de 1960, dos Ministros do emprego público, ZACCAGNINI e SULLO de 1962, PIERACCINI de 1964, MANCINI de 1967, que se podem consultar na Documentação Italiana, de 1976, n.º 28 a 33.
SULLO enfrenta a problemática das áreas edificáveis através da expropriação generalizada por parte do município de todos os solos incluídos nos planos respetivos com a posterior cessão de terrenos em regime de direito de superfície em hasta pública, a determinação de indemnização de modo diversificado para os terrenos edificáveis e inedificáveis e a interdição de construção desde o momento da aprovação do plano regulador da área até à aprovação dos planos particularizadores. As polémicas geradas foram então tão acesas que o mesmo foi abandonado.
No entanto, a lei n.º 167, de 18 de Abril de 1962 que introduz os planos de zona prevê a expropriação «a tappeto» das áreas destinadas a localização de construções populares e económicas. E a lei n.º 865, de 22 de Outubro de 1971 também viria prever uma expropriação geral em terrenos para localização de estabelecimentos produtivos, tal como permitiu até 1977, no seu art.º 26.º, a expropriação de 20% da área compreendida em zona de expansão para criar um património municipal de solos a edificar para urbanizar e ceder sucessivamente aos particulares para evitar a especulação.
Antes da lei do urbanismo de 1942, o sistema de planificação estava enquadrado em vários níveis, desde os planos territoriais, aos planos diretores intermunicipais, planos diretores gerais, planos de pormenor até aos planos de loteamento. Agora a lei de 1942 veio introduzir o novo conceito do zonamento como modelo de controlo de crescimento dos aglomerados urbanos e suas áreas de expansão, continuando as áreas rurais sem planeamento. Trata-se de uma lei que visou sobretudo o saneamento básico, a recuperação arquitetónica e o melhoramento da rede viária, com o objetivo de lutar contra o urbanismo e organizar as exigências do tráfico, higiene e decoro público.
A planificação aplica-se quer às áreas municipais quer no âmbito supramunicipal com carácter coordenador, através dos planos territoriais de coordenação.
Mas as necessidades de reconstrução do pós-guerra impuseram que se seguissem por caminhos que levaram à criação de planos de reconstrução de habitações danificadas pela guerra. Entretanto a expansão sem limite das urbes, exigia o controlo da edificação, em especial nas zonas fora do aglomerado ou nas zonas de expansão previstas pelos planos diretores.
A partir da década de sessenta sente-se que a legislação urbanística precisa de dar corpo a esta nova política, o que ocorre com a Lei n.º 765 de 6 de Agosto de 1967, designada por lei-ponte (ponte para uma nova lei radical de disciplina dos solos edificáveis, e cujas orientações tendiam para a transferência dos terrenos para o Estado), que se preocupa sobretudo com o reforço da disciplina urbanística. A sua missão era a de controlar durante os tempos que se seguiriam a atividade de construção civil, impondo o planeamento total do território. Tinha sobretudo normas proibitivas e limitativas, para impedir a construção em áreas não sujeitas a planificação. Tem como dado importante a imposição do princípio de que a planificação deve ser compreensiva de todo o território, com a consequente exigência de licenças de construção em qualquer solo, a conceder pelo município. E também a ideia de loteamento convencionado, para todo o território, e a colocação das despesas de urbanização a cargo dos particulares que construíssem.
Em resumo, a lei n.º 765 de 6 e Agosto de 1971 veio retocar a lei do urbanismo de 1942 para acelerar os prazos de elaboração dos planos e limitar a construção enquanto não haja planos urbanísticos.
Em 1968, o Tribunal Constitucional, sob a presidência de SANDULLI, dita a sentença n.º 55, de 9 de Maio, que declara inconstitucionais as normas da lei de 1942 que consintam a imposição sobre a propriedade privada de obrigações de inedificabilidade absoluta por tempo indeterminado e sem indemnização (áreas verdes, áreas destinadas a acolher obras públicas, etc.) Impede-se a previsão de obras públicas que tornavam inedificável um terreno para tal destinado com duração indefinidamente, sob pena de se traduzir no equivalente a uma expropriação da maior parte do valor do terreno, sem pagamento de indemnização. A lei 1187 do mesmo ano vem, por isso, apontar para um período limitado de tempo, 5 anos, após a entrada em vigor.
Depois, a partir de 1972, inicia-se o processo de regionalização da regulamentação urbanística.
A Lei da Habitação, de 22 de Outubro de 1971, vem obrigar os municípios com mais de 50.000 habitantes, a delimitarem zonas de expansão para a construção de habitações, com admissão do instituto da expropriação.
A Lei n.º 865, de 1971, vem pôr em causa o conceito tradicional da propriedade fundiária. O valor a pagar, mesmo para os terrenos edificáveis (estes com uma correcção estereotipada) era o preço do terreno agrícola, atribuindo-se ao Estado gratuitamente o direito de construir nos solos expropriados. Os solos são divididos em três zonas: urbana (valor do terreno agrícola da região de maior valor, aumentado de 2 a 10 vezes, conforme a densidade populacional do município), de expansão (terreno edificável fora da zona urbana, a pagar apenas pelo valor agrícola da cultura em processo) e agrícola (em que ainda hoje, a indemnização corresponde ao valor agrícola: sentença 5/80 do Tribunal Constitucional, embora a pagar em duplicado, se o proprietário não for o agricultor ou em triplicado se o proprietário for o agricultor).
A Lei n.º 10, sobre a edificabilidade do solo, de 28 de Janeiro de 1977, intentava expropriar em geral o direito de construir, chamando concessão à licença de construir, precisamente porque a definição do direito de construir passara para o Estado. Tratava-se de legalizar a apropriação gratuita da atribuição do direito de edificar. Além disso, ela impõe encargos para a urbanização e um imposto sobre as construções.
Ela veio permitir combater melhor a especulação dos terrenos e proceder à utilização social ou comunitária do solo, tendo posteriormente a Lei n.º 47 de 28.2.85 aperfeiçoado as medidas de disciplina urbanística.   
 
Operam-se alterações nas bases do regime jurídico do solo e combina-se o planeamento com a programação temporal dos objetivos urbanísticos.
Esta Lei n.º 10, de 1977, consagra o princípio da programação da edificação, da atividade de construção civil, e impõe a inclusão em todos os programas de uma parte de construção pública.
Ela procede à institucionalização dos programas plurianuais de atuação, delimitadores das zonas e áreas a urbanizar num prazo mínimo de três anos e máximo de cinco, cujo principal efeito está em os proprietários, que não apresentem o pedido de concessão da urbanização, serem expropriados dos terrenos, sendo certo que o simples pedido de concessão obriga ao pagamento de valores fixados em lei, em ordem a dotar a Administração com fundos para a urbanização. Através dela, subordinam-se todas as atividades ao pagamento dos encargos de urbanização e de execução das obras e a prévia obtenção de uma concessão administrativa.
Há no Direito do Urbanismo italiano uma separação entre o direito de propriedade e o direito de construir, reservado à coletividade e atuado através dos poderes públicos e correspondente concessão.
De qualquer modo, as zonas agrícolas e a recuperação de casas e construções em zonas de catástrofe não estão sujeitas a tais pagamentos. Tal como deles podem ser isentas as realizações de construções económicas e populares.
O titular da concessão é obrigado a dar início às obras no prazo fixado pela Administração, sob pena de caducidade da concessão.
O Decreto n.º 717, de 1977, veio depois considerar a urbanística como um meio global de governo, referenciando-se a todo o território, transferindo muitas competências do Estado para as regiões e para os municípios nesta matéria.
Em 1978, distingue-se entre nova construção e recuperação de edifícios, sob a forma de registos de recuperação.
A década de oitenta ganha uma grande importância, porque logo em 1980, o Tribunal Constitucional, pela sentença n.º 5, declara inconstitucional a regra do valor agrícola para os terrenos edificáveis, por dever ser tomado em conta o valor real do imóvel. Uma outra lei, a Lei n.º 223, de 1983, criadora de um sinal com esse valor, com adiamento da determinação do restante preço, também foi anulada. Assim renasce uma lei do século XIX, de 1865 atribuindo um valor correspondente ao do mercado.
A Lei n.º 47, de 1985, prevê a sujeição a controlo do uso dos edifícios, mesmo sem alteração física dos mesmos, efetivada pelos proprietários (embora limitado às áreas a determinar pelas Regiões) e, para além das edificações de raiz já reguladas, também outras obras de construção e as modificações dos edifícios.
Quanto ao sistema dos planos gerais de urbanização, as principais atribuições neste âmbito são dos municípios, embora compita hoje constitucionalmente às Regiões o poder de aprovar e rever os planos urbanísticos e de controlar a atividade municipal, suprindo as suas omissões, anulando os seus atos ilegais, e salvaguardando a paisagem. Os municípios elaboram os planos diretores urbanísticos gerais, de execução e de pormenor, fiscalizam a actividade dos particulares no domínio da construção, através de concessões e a aplicação de sanções administrativas.
O sistema planificador passa pela existência nacional de legislação prevendo os quantitativos mínimos de espaço público a reservar à urbanização, o que, constituindo uma regulamentação geral, acaba por suprir a inexistência de um plano urbanístico nacional. Trata-se de determinações de reservas de áreas proporcionais aos diferentes serviços.
O nível superior da planificação, concretizador das grandes orientações sobre a viabilidade e a localização dos conjuntos habitacionais, ocorre com os planos urbanísticos territoriais (regionais), concebidos para enquadrar os planos de nível imediato, que os devem respeitar porquanto eles não produzem efeitos diretos, e que praticamente não têm sido elaborados, sendo certo que apareceram sobretudo os planos de desenvolvimento industrial (áreas do sul de Itália), que têm uma extensão superior à de um município, mas se aplicam diretamente no território municipal, e os planos paisagísticos, para a defesa da paisagem.
Depois, há os planos diretores gerais, de índole municipal, que começou por ter carácter urbano e disciplinador da edificação, mas que hoje é um instrumento de planificação geral do território (contendo a previsão das vias de comunicação e a divisão do território em zonas), e que são elaborados pelos municípios, constituindo o principal instrumento de planificação urbanística. Eles são acompanhados de regulamentos para a construção civil no município. Juntam-se-lhes, desde 1942, outros planos que começaram por ser mais simplificados, e hoje são da mesma natureza, os chamados programas de construção.
O zonamento aí previsto é de carácter funcional, contrariamente ao zonamento arquitetónico anterior a 1942, em que a distinção aparece feita sobretudo entre zonas residenciais intensivas e extensivas, quintais e jardins e as zonas de indústrias (não poluentes), com fraca diferenciação das funções urbanas. De qualquer modo, em algumas zonas são possíveis usos diferentes compatíveis, apesar do recurso a soluções de grande fracionamento de usos, com interdições em certas áreas de restaurantes e bares, hospitais e outros pequenos serviços, o que tem merecido críticas.
Portanto, os planos territoriais regionais, praticamente sem implementação, estão previstos como planos indiretos, que não disciplinam a realização pública ou privada das obras de construção ou de plena edificação executiva, constituindo apenas o enquadramento obrigatório para os planos diretores do território.
De qualquer modo, os planos de desenvolvimento industrial, para os núcleos industriais do Sul, têm carácter misto, na medida em que produzem efeitos imediatos na atividade da construção, não havendo necessidade das suas previsões serem incorporadas nos planos diretores municipais.
O plano diretor municipal, geral, já não é um simples plano urbano-edificador, mas um instrumento de planificação, contendo as vias de comunicação e a divisão do território em zonas. Quanto a estas há uma separação entre zonas urbanas e extraurbanas, vedando as leis regionais a construção nestas de edificações, para quem não cultive a terra. Há quantitativos mínimos de áreas destinadas a fins públicos que, para passarem a ter um efetivo uso público, devem ser expropriadas.
Acontece que, apesar da sentença n.º 55, as obrigações que pendem sobre os proprietários para o efeito perduram indefinidamente, devido à possibilidade de repetição e renovação das declarações administrativas, sendo certo que a duração dos processos judiciais não resolve o problema.
Nas zonas com carácter histórico, ambiental e paisagístico, além das limitações visando a sua conservação, há-as sujeitas a normas estaduais, e geridas por entidades espaciais encarregadas de defender os interesses envolvidos. As normas para a realização do plano constam de regulamentos específicos das diferentes zonas, em contraposição com as normas de alcance geral, para todo o território, que constam dos regulamentos municipais de construção civil e saúde pública.
O Plano Diretor Geral é elaborado pelo município, podendo os cidadãos participar no processo planificador, quer neste, quer no do plano de atuação, com observações. E é a região que o aprova e o pode modificar, para o conformar com a lei, em relação a pequenas alterações. É de revisão ordinária geral, de dez em dez anos, independentemente da possibilidade de outras alterações frequentes.
Finalmente, aparecem todos os planos de atuação, quer de iniciativa pública, que são os planos de pormenor (planos obrigatórios para os particulares, impondo obras, sob pena de expropriação, que haviam sido concebidos como principal instrumento de concretização das previsões do plano geral, que acabou por sofrer uma tal pormenorização que os dispensou), os planos de construção de habitações sociais (planos de pormenor, visando a criação de bairros de habitação social), os planos públicos para a indústria, os de turismo e ainda os de renovação urbana (visando recuperar construções degradadas, devido a rendas baixas, através de um sistema coativo, ligado à ameaça de expropriação; após o restauro seguia-se o aluguer de novo aos anteriores inquilinos, a rendas reduzidas, pelo que, por antieconómicos, não funcionaram), e os de iniciativa particular, que são os planos de loteamento (que substituem os planos de pormenor, nas áreas de expansão urbana; foram usados comumente para criar novos conjuntos habitacionais; até 1967, era livre fora das áreas sujeitas a planificação, sendo hoje obrigatório quando o plano diretor municipal o imponha, como acontece nas áreas ainda não edificadas, pressupondo a cedência gratuita de terrenos para obras de urbanização primária e o pagamento de uma parte referente ao estabelecimento das áreas necessárias para obras de urbanização secundária, a pagar também proporcionalmente, e implica a efetivação de obras ligadas ao loteamento; é nula a venda de terrenos ilegalmente loteados).              
 
A planificação é controlada, dado que a construção civil passa por prévias concessões (onerosas, obras criadoras de encargos urbanísticos, v.g. novas construções e trabalhos de profunda renovação) ou autorizações (gratuitas, obras não ocasionadoras de tais encargos, por não aumentarem a procura de serviços, v.g. restauro de edifícios, construção de partes acessórias ou transformação interna, para adaptação sanitária e tecnológica).
Desde 1942 que há não só sanções administrativas, mas também estão previstas sanções penais, para a realização de trabalhos não autorizados.
Em síntese, os fundamentos legais do sistema italiano, de ordenamento do território remontam a 1942.
É nesta altura que se introduz o «Piano Regolatore Generale» (esquema diretor), plano estabelecido a nível municipal e baseado numa ação de divisão do território em zonas, e que atribui características particulares a cada zona. Esta ação de planeamento local resultou num elevado grau de concentração sobre as questões geográficas e de conceção.
Desde o início dos anos 70 que em Itália se começa a pugnar pela expansão e integração no sistema de planeamento do desenvolvimento económico. Em 1990, aparece uma nova lei sobre reorganização administrativa, a Lei do «Ordinamento delle Autonomie Locali», que procede a uma revisão radical do mapa das autoridades locais, criando designadamente zonas metropolitanas para onze grandes cidades italianas. Cada uma destas estruturas metropolitanas tem uma assembleia eleita por sufrágio direto, que passou a ter atribuições de planeamento e de gestão dos solos, embora às autoridades locais caiba a elaboração dos esquemas diretores.
O sistema de ordenamento do território italiano está agora estabilizado, operando ao nível nacional (onde são elaborados os planos sectoriais, incluindo o plano geral dos transportes, que fornece orientações coordenadas para as políticas e projetos nacionais de transporte, e instrumentos de alcance geral ou incidindo sobre sectores particulares que fornecem orientações coordenadas as autoridades regionais e locais), a nível regional (planos regionais, «Piani Territoriali di Coordinamento», que fornecem orientações sobre a utilização dos solos aos escalões inferiores das coletividades publicas, reunindo os dados sectoriais, incluindo sobre o desenvolvimento económico, e os dados locais de planeamento) e a nível local (esquemas diretores, Piani Regolatori Locali, que definem a utilização dos solos, os itinerários para as comunicações e a localização das novas infraestruturas, devendo os ordenamentos concretos estar conformes com este esquema diretor).
A lei impõe a indemnização dos terrenos comprados para fins de utilidade pública, de acordo com o seu valor de mercado. Por conseguinte, a orientação e a natureza do desenvolvimento têm sido orientados simultaneamente quer pela lógica do mercado como pela do planeamento. As questões ambientais são cada vez mais decisivas em matéria de planeamento territorial, embora o ambiente seja objeito de tratamento orgânico-administrativo distinto do da política de planeamento. De qualquer modo, aparecem frequentemente ponderados em conjunto, quer ao nível da definição das políticas quer da sua própria aplicação.         
             
2.4.6. O direito do urbanismo na Alemanha
 
O sistema alemão de ordenamento do território é um sistema consolidado desde há muito, através de uma organização em três níveis, que refletem a estrutura federal do país: o Federação (Bund), os Estados federados (Länder) e as autoridades locais (Selbstverwaltungskörperschaften). Estas últimas compreendem os círculos (Kreise), as cidades (Städte) e as comunas (Gemeinden). Em matéria de ordenamento do território, a Federação possui o poder legislativo em dois grandes domínios urbanísticos: o da legislação-quadro do planeamento (Bundesraumordnungsgesetz) para a elaboração dos planos regionais dos Länder e o da elaboração do Código Federal do Urbanismo, que disciplina os projectos de ordenamento e as propostas de construção (Baugesetzbuch; à letra, Código da Construção), que foi publicado em Dezembro de 1986, e alterado em Abril de 1993.
Ora, este código é o conjunto legislativo mais importante para o desenvolvimento urbano na Alemanha.
O sistema decisório combina o federalismo e a autonomia local, através de uma série de políticas e planos hierarquizados coercivos.
A Administração urbanística está organizada em termos que o governo (Ministério federal responsável pelo ordenamento de território) tem essencialmente a função de definir com os Länder um documento geral de orientação nacional e coordenar os planeamentos especializados, empreendidos a nível da Federação, assim como as medidas de planeamento tomadas a nível dos Länder.
Cada Land elabora uma lei de planeamento do Estado (Landesplannungsgesetz), adota um programa de desenvolvimento do Land (Landesentwicklungsprogramm), os planos de desenvolvimento do Land (Landesentuwicklungspläne) e os planos regionais (Regionalpläne).
As cidades e os municípios elaboram dois tipos de plano: um plano indicativo de utilização dos solos (Flächennutzungplan) e um plano coercivo de utilização do espaço (Bebauungsplan).
O controlo do planeamento e da construção faz-se com a ajuda de um único instrumento: a licença de construção (Baugenehmigung), obedecendo a um poder vinculado, na medida em que é sempre concedida, salvo se a proposta infringir a regulamentação pública, pela autoridade de controlo da construção, situada na base da hierarquia (município ou círculo, consoante os casos).
Um elemento essencial do planeamento regional federal é a tónica posta na promoção de «condições de vida equivalentes em toda a Republica», objetivo que é prosseguido com um sistema de perequação financeira, que assegura uma transferência de fundos dos Länder mais ricos para os outros. A reunificação fez surgir grandes desfasamentos entre o Leste e o Oeste do país, nomeadamente no que diz respeito à produtividade e às taxas de emprego.
Estas disparidades sofreram um aumento com as migrações internas para o Oeste e com a imigração proveniente da Europa de Leste.
Estes movimentos submetem a pressões crescentes a oferta de habitação nos antigos Länder e minam o processo de restruturação a Leste. Consequentemente, todo o sistema de redistribuição se encontra doravante orientado para o apoio aos novos Länder, com o objetivo de equiparar as suas condições de vida às condições de vida da Alemanha Ocidental. Resoluções de meados desta década do Parlamento Federal (Bundestag) e da Câmara de representação dos Estados (Bundesrat) defenderam que a atualização dos trabalhos empreendidos, no âmbito do programa Europa 2000, deveriam incluir os elementos que conduziram à abertura da Europa Central e da Europa de Leste, a importância das regiões rurais e periféricas, os amplos movimentos de despovoamento e os efeitos ecológicos das zonas de povoamento, o que levou a Comissão da União Europeia, na reformulação do seu documento de orientação, a ter em conta estes objetivos e as políticas de ordenamento do território dos seus diferentes Estados-Membros.
 
2.5. Os sistemas de ordenamento do território e de urbanismo nos outros Estados da União Europeia
 
2.5.1. O direito belga
 
O ordenamento do território é hoje uma atribuição regional, em face das reformas constitucionais de 1980 e 1988. Mas o sistema e os princípios de ordenamento do território baseiam-se na Lei Orgânica do Ordenamento do Território e do Urbanismo, de 1962, que diz respeito ao conjunto do território nacional, alterada e atualizada várias vezes, e cujos princípios de base permanecem válidos, conforme refere o Relatório da Comissão, «Europa 2000+», que se segue de perto nesta matéria.
O sistema de planeamento espacial integra os pontos de vista económico, social e estético e a salvaguarda das belezas naturais.
A lei de 1962 tinha estabelecido uma hierarquia de planos: planos regionais, sub-regionais e municipais. Portanto, além do plano nacional, que nunca foi elaborado, e dos planos regionais, temos os planos sub-regionais (v.g. os planos de sector) e os planos comunais (v.g. o Plano Geral de Ordenamento e o Plano Especifico de Ordenamento (Plan Géneral d'Amenagement, P.G.A., e Plan Particulier d'Amenagement, P.P.A.). A execução dos muitos planos de sector e municipais debateu-se com graves insuficiências de recursos financeiros, de mecanismos de aplicação inadaptados, de processos rígidos e de mudanças de prioridade, desde a introdução da legislação.
Nesta década, o sistema de planeamento atravessou um período de transição, com as três regiões-Estado (Região Flamenga, Região Valã e Região Bruxelas-Capital) a organizarem o exercício do seu poder de planeamento espacial.         
Cada Região segue caminhos próprios, em face das suas próprias prioridades, na elaboração da sua política. No entanto, é possível caracterizar as orientações seguidas, realçando os principais elementos dos três sistemas, que são os seguintes:
Na Região Flamenga, o sistema assente em três níveis territoriais, o da região, o da província e o do município, baseia-se em dois tipos de plano: um plano de estrutura e um plano de aplicação.
Os planos de estrutura, em que a grande prioridade é a protecção dos espaços não construídos, fornecem o quadro diretor de conjunto, visando o desenvolvimento estável, com o crescimento essencialmente centrado nas zonas urbanas, nomeadamente nas três grandes cidades (Antuérpia, Bruxelas e Gand).
Na Região Valã, em que as prioridades vão sobretudo para as zonas rurais e a descentralização do sistema de planeamento, as normas sobre a matéria foram codificadas no «Code wallon de l'amenagement du territoire, de l'urbanisme et du patrimoine» (CWATUP) — Código Valónio de Ordenamento do Território, do Urbanismo e do Património, que congrega as leis, decretos e regulamentos relativos ao ordenamento do território. O sistema tem dois níveis, o regional e o municipal.
Cada nível de planeamento deve elaborar o seu plano estrutural: o Plano regional de ordenamento do território (Plan regional d'amenagement du territoire) para a região, e um esquema de estrutura (Schema de structure) para os municípios, assim como planos de afetação, com valor regulamentar (Planos de sector e planos específicos de ordenamento -Plans de secteur e Plans particuliers d'amenagement).
Na Região de Bruxelas-Capital, em que as principais prioridades da política de ordenamento do território têm que ver com a preservação da diversidade da população e do equilíbrio social, a diversidade das atividades económicas, os transportes e a política do ambiente (conciliação do progresso económico e social com a qualidade de vida), vigora um sistema a dois níveis, regional e o municipal, em que os planos elaborados pelo nível territorial inferior, os municípios, devem ser aprovados pela Região. A cada nível há dois tipos de planos, um plano de desenvolvimento e um plano de afetação (plano regional de desenvolvimento, plano regional de afetação dos solos e plano municipal de desenvolvimento, plano particular de afetação dos solos).
O plano de desenvolvimento serve de quadro diretor geral e o plano de afetação determina as utilizações dos solos.
 
2.5.2. O direito dinamarquês
 
A lei de planeamento neste país entrou em vigor em 1992, depois de décadas de experiência de ordenamento do território, em que ela se baseia. Trata-se de um sistema de ordenamento do território muito aperfeiçoado e interiorizado na sociedade.
Há três níveis de planeamento, o nível nacional, o do condado e o do município. Como característica do sistema, temos a divisão de todo o território do pais em três zonas, as zonas urbanas, as zonas de residências estivais e as zonas rurais.
Nas zonas urbanas e nas zonas residenciais estivais, são autorizados os planos de ordenamento, conformes com as regulamentações de planeamento vigentes.
Nas zonas rurais (cerca de 90% da superfície do país), os ordenamentos ou as modificações de afectação dos solos só são permitidos na medida em que os seus fins sejam ligados à agricultura ou à silvicultura. De qualquer modo, são passíveis, excecionalmente, de concessão de licenças especiais, em função da regulamentação do planeamento e da divisão do território em zonas.
Uma zona rural pode ser convertida, através de um plano local (Lokalplan), numa zona urbana. Se ele for aprovado, o proprietário de bens de raiz deve pagar um imposto correspondente à mais-valia, obtida com o direito de construir O sistema assenta na descentralização de poderes, situando-se o essencial do poder de decisão ao nível do condado e do município.
Os principais elementos do sistema são os seguintes:
A nível nacional, a política de ordenamento do território encontra-se expressa no Relatório Nacional de Ordenamento do Território (Landsplanredegegorrelse), publicado em 1992 sob a forma de uma perspetiva de desenvolvimento espacial (Landsplanperspektiv), intitulado «Dinamarca Horizonte 2018». Esta perspetiva fornece um quadro de referência estratégica nacional para os condados, os municípios e o sector privado. Além disso, para facilitar a aplicação das políticas nacionais de ordenamento do território, o Governo central criou um certo número de diretivas nacionais coercivas (Landsplandirektiv). Os Conselhos dos condados e dos municípios são legalmente obrigados a elaborar, adotar e rever um plano estrutural global e um conjunto de regulamentos dos solos para todo o conjunto da sua circunscrição geográfica.
Os planos são revistos de quatro em quatro anos e são motivo de debates públicos, antes da sua adoção definitiva. Os catorze Conselhos de condado devem realizar os planos regionais (Regionplaner), que fornecem as orientações para a utilização dos solos no condado, para as infraestruturas e para a proteção do ambiente. Devem ainda fixar prioridades para um número razoável de considerações e interesses sectoriais. O processo dinamarquês de avaliação dos impactos ambientais é integrado, a este nível, no processo de planeamento. Os 275 Conselhos municipais elaboram dois tipos de planos, os planos municipais (Kommuneplaner) e os planos locais (Lokalplaner). Os planos municipais são elaborados com base numa avaliação geral da utilização atual e futura dos solos e dos recursos económicos, sendo dada a devida consideração às atividades locais. Estes planos são compostos por um relatório, com uma estrutura geral e por um quadro para os planos locais. Os planos locais são planos pormenorizados, permitindo um controlo específico dos ordenamentos.
Desde 1975, foram elaborados mais de 20000 planos locais pormenorizados. Estes planos são legalmente coercivos para os proprietários de bens de raiz, mas os planos apenas regulamentam as transações futuras. O controlo dos ordenamentos é exercido por intermédio do direito e do dever das autoridades municipais de estabelecerem um plano local, através da concessão da licença de construção (Byggetilladelse).
Consequentemente, existe na Dinamarca uma hierarquia de planos integrados, em que os planos de níveis inferiores não devem contradizer as decisões de planeamento adotadas pelos níveis superiores.
No decorrer dos últimos anos, a Dinamarca alargou as suas atividades de ordenamento do território, de modo a ter em consideração o contexto europeu e abarcar um conjunto mais vasto de questões. O estabelecimento das prioridades relativas ao ambiente é considerado como um objetivo importante do sistema dinamarquês de planeamento espacial. Trata-se de favorecer o desenvolvimento duradouro e a qualidade do território, para melhorar as condições de vida.
 
2.5.3. O direito grego
 
A lei fundamental que rege o ordenamento do território na Grécia é o Decreto-Lei de 17 de Julho de 1923, que determina a forma dos planos de utilização dos solos. Esta lei e os regulamentos gerais da construção (Genikos Oikodomikos Kanonismos, ou GOK), estabelecidos na Lei n.º 1577/1985, exerceram uma enorme influência na modelação da forma e do desenvolvimento das cidades. O texto principal que regula o planeamento urbano é a Lei n.º 1337/1983, sobre a extensão da cidades e o desenvolvimento urbano.
O planeamento espacial encontra-se centralizado. A maior parte das políticas emanam dos Departamentos Estaduais. E a regulamentação relativa à elaboração dos planos é estabelecida pelo Governo estadual, por intermédio de 54 prefeituras (delegações regionais dos Ministérios do Governo estadual).
Os elementos do sistema ordenamental jurídico são a Constituição, que impõe que o Estado proteja o ambiente natural e cultural e os direitos de propriedade e tome providências para satisfazer as necessidades, em matéria de habitação; um conjunto de planos de desenvolvimento a nível nacional, regional e de prefeitura (anartyxiaka programmata); uma hierarquia de planos legalmente coercivos para as zonas onde o desenvolvimento deve ser orientado: terrenos dentro do plano (entos schediou), sistema de planeamento local pormenorizado (poleodomiki meleti), plano de conjunto para a cidade (geniko poleodomico schedio, ou GPS), esquemas diretores estratégicos, estabelecidos apenas para Atenas e Tessalónica (rythmistiko schedio); instrumentos legislativos ou de ação nacionais que regem o desenvolvimento das zonas não abrangidas pelos planos (ektos schediou); e regulamentos gerais de construção (GOK), aplicáveis a todo o país.
O contexto legal é complexo e disperso, com desfasamentos frequentes em relação aos planos aprovados, sendo de realçar negativamente os seguintes fatores: as exigências extremamente duras de ordem económica, demográfica e cultural, que pesam na utilização dos solos e no seu ordenamento, a importância dos investimentos prediais e imobiliários para os indivíduos e dos valores culturais, que rejeitam a intervenção e a regulamentação do Estado, a inexistência de um sistema cadastral eficaz, a existência de litígios prolongados e a falta de controlo local do planeamento. Daqui resulta um afastamento considerável entre o planeamento oficial e a realidade do ordenamento do território. O quadro do planeamento é constantemente adaptado, para acompanhar a evolução real. As reacções negativas do público provocam processos de planeamento, que exigem muito tempo. Não existe coordenação entre os diferentes níveis de planeamento espacial e de programação do desenvolvimento. O Governo grego tem examinado o sistema legislativo, que rege o ordenamento do território, simplificado os processos e procurado fazer funcionar departamentos de planeamento num segundo nível de coletividades locais.
Todas estas orientações visam dar maior eficácia às políticas nos domínios da gestão dos solos, fora dos centros urbanos, incluindo a delimitação de parques industriais, para organizar os ordenamentos industriais, comerciais e de parques tecnológicos, assim como a revitalização dos centros de povoamento rurais, a renovação progressiva e o melhoramento do ambiente nos centros das cidades, um melhoramento das zonas urbanas deprimidas, a humanização do ambiente urbano, a promoção de espaços verdes, culturais e reservados a atividades sociais, o desenvolvimento de relações de complementaridade entre cidades vizinhas, tendentes a formar redes urbanas integradas e a encorajar relações mais alargadas com as redes europeias.
 
2.5.4. O direito irlandês
 
O planeamento da utilização dos solos, na Irlanda, é fundamentalmente disciplinado por uma Lei de 1963, referente às autoridades locais (Local Government Act). Esta lei estabelece as autoridades com poderes de planeamento (atualmente em número de 88) e os seus direitos e deveres específicos, incluindo a obrigação de criarem e de rever os planos de desenvolvimento. Fixa, também, as exigências necessárias à obtenção de licenças de ordenamento.
Entre 1963 e 1993, várias foram as leis que vieram alterar a política de ordenamento do território nos Estados da Comunidade Europeia ou completá-la, mas esta continua a ser a principal lei, que rege o sistema irlandês de planeamento espacial e introduz as seguintes disposições: criação de um Bord Pleanala, Conselho de Relação nacional independente (tanto os promotores como o público têm o direito de recorrer das decisões tomadas pelas autoridades de planeamento aquando da apreciação dos pedidos de licenças de construção) e a fixação dos prazos para que o Conselho tome as suas decisões; o reforço dos poderes que permitam obter o cumprimento das decisões, incluindo o direito de todo e qualquer um de requerer uma injunção do Tribunal em caso de ordenamento não conforme a regulamentação; a codificação das cláusulas de indemnização; a incorporação no sistema de planeamento da diretiva da Comunidade Europeia relativa às avaliações do impacto no ambiente; o alargamento da obrigatoriedade de requerer licença de construção para a grande maioria dos ordenamentos previstos pelo Estado e autoridades dele dependentes.
Também se fez bom uso dos poderes de substituição, previstos nas leis de 1986 e 1987, sobre a renovação urbana, de modo a revitalizar as zonas centrais em deterioração, nas cidades de grande e média dimensão. Cada autoridade local tem o dever legal de elaborar um plano de desenvolvimento e de o rever, de cinco em cinco anos.
Este plano fixa objetivos de desenvolvimento, incluindo os objetivos quanto à divisão do território em zonas (sobretudo nas zonas urbanas), objetivos de proteção e de extensão de paisagens naturais, de ordenamento e de renovação das zonas em declínio e de construção de novas infraestruturas e de novos centros de serviços. No plano, a divisão em zonas indica as utilizações preferidas, que só podem ser modificadas por uma alteração específica adotada durante a revisão do plano ou por um recurso, e apenas se o planeamento e o ordenamento corretos da zona o justificarem. Hoje em dia, uma das grandes prioridades da política governamental é assegurar que a manutenção de um ambiente de alta qualidade seja parte integrante de todas as decisões. A Agência para a Proteção do Ambiente foi criada em 1992, para estabelecer um sistema integrado de autorizações, em matéria de luta contra a poluição, relativa a atividades programadas, que apresentem um grave risco de poluição, exercer uma vigilância geral da qualidade do ambiente, aconselhar e auxiliar os departamentos ministeriais e os organismos públicos e coordenar as pesquisas sobre o ambiente.
A 1 de Janeiro de 1994, foram criadas oito autoridades regionais. Possuem o poder de coordenar a oferta de serviços públicos na sua região, de examinar os planos de desenvolvimento das autoridades de planeamento e de elaborar os seus próprios relatórios regionais. Desempenham também um papel no fornecimento dos elementos regionais aquando da determinação e da revisão dos programas, estabelecidos no âmbito dos quadros comunitários de apoio.
O Plano Nacional de Desenvolvimento 1994-1999 fixa a estratégia do Governo para este período.
Este plano expõe a estratégia decidida pelo Governo para atingir o objetivo, nacional e comunitário, de maior coesão económica e social. O objetivo central do plano e a garantia de melhores resultados a longo prazo para a economia, graças a um aumento da produção, do potencial económico e dos empregos estáveis. Visa, por outro lado, a reinserção dos desempregados de longa data, e daqueles que correm o risco de o vir a ser, nas atividades económicas dominantes. O plano abrange as propostas de despesas públicas em todos os domínios estruturais e            constituiu a base de discussão com a Comissão das Comunidades Europeias para se acordarem os quadros comunitários de apoio 1994-1999, aplicáveis à Irlanda. A estratégia e as grandes prioridades dos quadros comunitários de apoio são as fixadas pelo plano. Em termos de planeamento espacial, o plano nacional de desenvolvimento e os quadros comunitários de apoio fornecem indicações sobre as principais infraestruturas a serem realizadas durante a duração do plano.
 
2.5.5. O direito luxemburguês
 
No Grão-Ducado do Luxemburgo, o ordenamento do território assenta principalmente na Lei de 12 de Junho de 1937, relativa ao ordenamento das cidades e de outros aglomerados importantes, na Lei de 20 de Março de 1974, relativa ao ordenamento geral do território e na Lei de 11 de Agosto de 1982, relativa à proteção da natureza e dos recursos naturais. Outras leis, como as relativas ao emparcelamento de bens rurais, de 1964, ao desenvolvimento, à diversificação e ao equilíbrio regional da economia, de 1962, 1986 e 1993, a criação de uma grande via de comunicação e de um fundo para construção de estradas, de 1967, e aos parques naturais, de 1993, vem completar este dispositivo legislativo.
Em matéria de ordenamento do território, existem apenas dois níveis de decisão: o nível estatal e o nível municipal. Em conformidade com a Lei de 20 de Março de 1974, relativa ao ordenamento geral do território, o Conselho de Governo, sob proposta do ministro responsável pelo ordenamento do território, aprova um programa diretor do ordenamento do território. Este programa fixa os objetivos prioritários da política de ordenamento do território e as medidas necessárias para a sua realização. O Conselho de Governo pode igualmente, sob proposta do ministro competente, fazer estabelecer os planos de ordenamento global ou parcial, abrangendo o conjunto ou apenas uma parte de um ou mais municípios ou do país inteiro. O programa diretor de ordenamento do território — como os planos de ordenamento — é geralmente elaborado para um período de 10 a 20 anos, podendo ser, a qualquer momento, revisto ou aditado.
O primeiro programa diretor data de 6 de Abril de 1978. A sua versão revista (Horizonte 2000) foi aprovada em 4 de Março de 1988, pelo Conselho de Governo. O programa diretor não é oponível em relação a terceiros. Mas cada ministro, o conjunto da Administração governamental e todos os outros serviços públicos devem tomar conhecimento deste programa. O Ministério do Ordenamento do Território encetou em 1994 a elaboração de um segundo programa diretor, que estará em vigor no Horizonte 2010/2020.
Os planos de ordenamento global ou parcial traduzem e concretizam as opções nacionais de ordenamento do território fixadas pelo programa diretor. São elaborados pelo ministro responsável pelo ordenamento do território e declarados obrigatórios por regulamento grão-ducal. Entre os planos declarados obrigatórios até este momento, destacam-se os que levaram à criação de zonas industriais de caracter nacional, a Sul (1978/79/88) e noutras regiões do país (1981/82) e um outro relativo ao Aeroporto e espaços circundantes (1986).
Outros planos em vias de preparação ou de conclusão dizem respeito ao Haff Reimech (plano de ordenamento especial relativo à recuperação de antigos terrenos com fins artesanais, lúdicos e de proteção da natureza) e planos de ordenamento global regionais, Norte, Centro, Sul e Este. A realização dos planos de ordenamento, declarados obrigatórios, é de utilidade publica.
A Lei de 1974 prevê expressamente um processo de participação e de consulta dos municípios e do público, a quem estes planos dizem respeito. Os municípios são, em princípio, responsáveis pelo ordenamento dos seus territórios. Mas, em conformidade com a lei de 12 de Junho de 1937, relativa ao ordenamento das cidades e de outras aglomerações importantes (completada pela lei de 1974), os municípios devem prover-se de planos de ordenamento que abranjam o conjunto dos seus territórios. Estes projectos são elaborados pelos colégios do burgomestre e dos magistrados adjuntos do burgomestre. São submetidos para apreciação à Comissão de Ordenamento, nomeada pelo Ministro do Interior.
Seguidamente, são aprovados provisoriamente (primeira votação) pelo Conselho Comunal e tornados públicos. Uma segunda votação, desta vez definitiva, e incluindo eventuais reclamações de particulares, concede-lhes um carácter oficial e torna-os obrigatórios para terceiros. Os planos de ordenamento municipais devem estar conformes aos planos de ordenamento global ou parcial, declarados obrigatórios no âmbito da lei de 1974.
É, pois, unicamente no âmbito de um tal plano, aprovado a nível nacional, que o ordenamento geral do território intervém diretamente a nível comunal. Uma outra lei veio completar nomeadamente as leis de 1937 e de 1974, no domínio da proteção da natureza, é a Lei de 11 de Agosto de 1982, relativa a proteção da natureza e dos recursos naturais. Esta lei vem fazer com que qualquer construção ou intervenção, situada fora dos perímetros urbanizados, na parte do território considerado «zona verde», se encontre submetida a autorização do ministro responsável pela Administração das Águas e das Florestas.
O ordenamento do território deve contribuir para a melhoria das condições de vida da população e para um ambiente são, para o melhoramento do habitat e o desenvolvimento harmonioso das estruturas urbanas e rurais, para a valorização ótima dos recursos económicos, para a proteção da natureza e salvaguarda dos recursos naturais e para a conservação e desenvolvimento do património cultural nacional.
No momento atual, estes são os principais aspetos que preocupam o Ministério do Ordenamento do Território: desenvolvimento sustentado e gestão racional do solo, colaboração intercomunal, concentração descentralizada, cooperação transfronteiriça e sistema de informações geográficas (SIG).              
 
2.5.6. O direito holandês
 
A história do povo holandês, marcada pela luta contra as forças da natureza, explica talvez o porque da aceitação de uma forte dose de regulamentação pública das actividades que conduzem a alterações na utilização do solo e no ambiente espacial.
A primeira legislação no campo do ordenamento do território nos Países Baixos foi uma Lei de 1901 sobre a habitação (Woningwet). A primeira lei explícita sobre o planeamento espacial (Wetop de ruimtelikje ordeling) data de 1965. Esta lei foi alterada em 1985 e 1994.
O sistema de planeamento atingiu a maturidade. Nada é construído sem a cooperação da autoridade local de planeamento (o município).
Qualquer desenvolvimento no solo exige uma licença de construção, que deve, em princípio, ser recusada, se o ordenamento for contra o plano local de utilização dos solos. Mas existe uma certa flexibilidade, visto que o município pode decidir autorizar um ordenamento contrário ao plano em vigor.
O planeamento espacial intervém a três níveis de governo: a nível nacional (Ministério da Habitação, do Ordenamento do Território e do Ambiente-VROM), que toma as decisões-chave relativas aos grandes projectos e aos assuntos de âmbito nacional. O Ministério pode influenciar o modo como as autoridades de nível inferior exercem as suas funções de planeamento, através da elaboração de relatórios nacionais. A versão mais recente, o Quarto Relatório intitulado «Política Nacional de Ordenamento do Território», foi adotada em 1993.
A autoridade provincial pode elaborar planos regionais, que abranjam toda a província, ou apenas uma parte, e deve definir uma política de ordenamento do território. Trata-se de um documento mais indicativo do que coercivo. Os municípios têm a obrigação de elaborar um esquema diretor (structuur plan), que é um documento estratégico, indicativo para o município, ou parte dele, que fixa os termos gerais dos desenvolvimentos futuros desejados. Para além disso, os municípios devem elaborar um plano local de utilização dos solos (bestmmingsplan), que é legalmente coercivo, aquando da instrução dos pedidos de licenças de construção.
Segundo a lei sobre a renovação das pequenas cidades e aldeias, os municípios competentes das zonas urbanas podem elaborar planos de renovação urbana, que têm a mesma força legal dos planos locais de utilização dos solos.
Em quase todo o país existem planos, legalmente coercivos, a nível local, que determinam os ordenamentos que podem ser autorizados. Outros planos podem ainda fornecer um quadro e garantir uma certa integração entre as diferentes fases. Dentro deste sistema, os municípios têm uma grande margem de autonomia local. Muito recentemente, desde o início de 1994, a capacidade de os níveis inferiores de governo bloquearem ou discordarem dos projectos de importância nacional foi largamente reduzida.     
Os principais elementos da política nacional de planeamento, com uma clara dimensão europeia, são os seguintes: reforço da posição de conjunto do país, e em particular da Randstad, no interior da Europa, um reforço dos atractivos dos centros urbanos enquanto locais de habitação e de trabalho, a manutenção de um contraste entre zonas urbanas e rurais, em particular graças à preservação do coração verde da Randstad, o melhoramento das infra-estruturas de transporte, nomeadamente no âmbito das redes transeuropeias, a protecção e o desenvolvimento de uma infra-estrutura ecológica com uma atenção especial para os cursos de água, e a promoção do desenvolvimento duradouro.
 
2.6. A História do Direito do Urbanismo em Portugal
 
Em Portugal, as poucas normas urbanísticas que apareceram, isto é, sobre a construção e ordenamento da urbe, resultavam de regulamentos municipais, dado que eram concebidas como normas de polícia local e não estadual, embora existisse a figura do representante do poder central, o corregedor, que, nos termos das Ordenações Filipinas (Livro 1.º, Tít. 58, § 17 e Tít. 66, §§ 28 a 31) as deviam fiscalizar e anular, quando não respeitassem as leis ou prejudicassem o interesse público.
Para além das limitações civilistas ao direito de construir, para proteger os direitos dos outros proprietários vizinhos (Ordenações Filipinas, Livro I, Título 68, §§ 22 a 42), não havia quaisquer outras restrições, de direito público (exceção feita, por razões trágicas, às normas editadas no rescaldo do terramoto de 1755, em Lisboa, que trouxe ao direito pombalino o planeamento, o alinhamento, a obrigação de construir, a expropriação por utilidade pública, etc.), em relação à construção de edifícios públicos ou privados, por se entender que os proprietários tinham a liberdade de construir no seu solo como entendessem e com a altura que entendessem (cada um é senhor da altura correspondente ao seu terreno, ejus est aer cujus est solum: Cap. 3, 34 do Livro 8 do Título «De servitutibus et de aqua», do Codex Justiniano).
O Estado de Polícia em Portugal revelou a afirmação explícita do direito de propriedade, só limitado naturalmente por necessidade de conciliar os direitos dos outros, a quase inexistência de direito urbanístico territorial e a redução de um labor normativo por parte do poder local a questões de salubridade e segurança das construções.
Quanto ao Estado de direito liberal e no que diz respeito a Portugal, podemos dizer que as diferenças em relação aos outros países quase não existiram. Com efeito, o direito de propriedade afirma-se em termos absolutos, embora com o reforço de normas circunscritivas (regulamentos sobre alinhamento dentro das povoações, cedência ou aquisição de terrenos devido aos alinhamentos, licenciamento de edificações e reedificações junto das ruas e lugares públicos, ordens de demolição ou reparação de habitações insalubres ou que ameacem ruína), há planos gerais de melhoramentos, vigora o instituto da expropriação, mas verifica-se, no entanto, a perda de força do factor sanitário, dado que não tivemos os problemas da industrialização.
Em termos do século XIX e XX, Fernando Gonçalves distingue 4 grandes períodos, que vão desde a Regeneração até 1988: o primeiro período, que vai da Regeneração ao termo da I.ª República (1851-1926), o segundo, da ditadura militar ao fim da II.ª Guerra Mundial (1926-1945), o terceiro, até ao fim do Estado novo (1945-1974) e o último, do 25 de Abril à atualidade.
A regeneração é um marco, porquanto o despotismo iluminado do Antigo Regime traduzia uma maneira autoritária de pensar o urbanismo, enquanto o poder democrático vem dar iniciativa aos particulares, embora circunscrevendo a sua liberdade de atuação, dentro de medidas de polícia da Administração pública. A planta da cidade passa a ser exposta ao conhecimento dos cidadãos.
O primeiro código administrativo português de 1836 não continha normas quer ultrapassem os poderes tradicionais referentes à salubridade das povoações, ruas e praças, a segurança das edificações e a boa ordem do trânsito (art.º 82.º, §§ 13.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º). O código de 1842 virá a exigir a sujeição das construções a um projeto, à respetiva aprovação camarária, à fixação do alinhamento das ruas e vias, prevendo o seu art.º 120.º a elaboração de posturas e regulamentos camarários, para regularizar o prospeto dos edifícios, dentro das povoações.
Mas, neste período democrático, que vai até ao Estado Novo, merece especial destaque a consagração, em 1864, do plano geral de melhoramentos das cidades e vilas do Reino, o que nos colocou em segundo lugar entre os Estados mais avançados, no enquadramento da temática urbanística, logo a seguir à Espanha, que, em 29 de Junho desse ano, regulara já o «ensanche de poblaciones».
O nosso Decreto de 31 de Dezembro de 1864, que acabaria por ter fraca adesão, e portanto pouca influência no nosso urbanismo, não deixou de ser um texto de grande alcance para a sua época.
O título III tinha normas referentes às ruas e edificações, no interior das cidades, vilas e povoações. No artigo 34.º foi previsto o plano geral de melhoramentos de Lisboa. No 50.º, o do Porto e no 52.º, a existência de um plano para quaisquer cidades, vilas e povoações, cujas câmaras municipais reclamassem a sua elaboração pelo governo. Eram planos previstos para as principais cidades e vilas do país, numa primeira tentativa de modernização do urbanismo, efetivada no quadro de um regulamento de estradas, pela importância que no século passado se atribuía à via pública em termos de urbanismo.
A abertura de uma via vai basear toda a infraestruturação do solo, o loteamento e a edificação para construção. Regular a abertura de ruas leva a regular a concomitante função urbanística, que elas servem e que, nos termos do Decreto citado, se prendem com preocupações no campo da salubridade da cidade (sistema de depósito e remoção de lixos, drenagem do solo, etc.), infraestruturação urbanística (sistemas gerais de esgoto, encaminhamento de águas, tubagem do gás, etc.), da abertura de futuras ruas (largura mínima de 7 metros e declive inferior a 7%), e da edificabilidade dos lotes para construção (critério de cálculo relacionando o número de pisos com a largura da rua).
Nos termos do artigo 34.º, os planos tinham objetivos restritos, porquanto teriam como preocupação reguladora a melhoria, a abertura e a construção de ruas, praças, jardins e edificações, existentes ou novas, que ficavam sujeitas a condições de higiene, decoração, cómodo alojamento e livre-trânsito do público.
A execução dos planos contava ou com a iniciativa dos particulares na urbanização dos terrenos ou com regimes especiais de controlo administrativo, com a caracterização, no artigo 37.º, do carácter público e urgente de todas as expropriações necessárias para essa execução, a declarar em simultâneo com a sua aprovação governamental e a consagração, no artigo 47.º, quer de prazos para edificação (obrigação de construção, no prazo de um ano, a contar da intimação camarária, em terrenos confinantes com as vias públicas), quer da venda forçada dos lotes não edificados (em hasta pública, a favor de quem os compre a melhor preço, dentre os interessados a iniciar a construção nesse prazo, a contar da arrematação).
Os proprietários que pretendessem construir ou reedificar, em qualquer cidade, vila ou povoação, deviam obter prévia aprovação dos projectos e cumprir o artigo 54.º, isto é, pedir na Câmara municipal o «alinhamento e as cotas de nível». Em termos de efeitos do alinhamento, nas reconstruções de prédios, haveria direito a indemnização, em relação ao terreno perdido, por imposição de recuo na construção. Tal como se o alinhamento levasse ao avanço do espaço de construção, o proprietário tinha que pagar o valor da faixa adquirida (art.º 46.º). Ficava sujeita a ordem de demolição a alteração dos projectos aprovados, o desalinhamento e o desrespeito das cotas de nível.
O código administrativo de 1886 (e que o código de 1896 repetirá), nos n.º 23 a 25 do artigo 117.º e artigo 120.º, veio não só atribuir poder regulamentar para o prospeto e alinhamento dos edifícios dentro das povoações ou junto das estradas municipais, como prever a deliberação definitiva pelas câmaras municipais sobre licenças para edificações e reedificações, junto das ruas e lugares públicos, (fixando o alinhamento, dando as cotas de nível e cedendo ou adquirindo os terrenos necessários) e sobre o saneamento das povoações e as demolições ou as reparações das habitações insalubres.
As primeiras décadas do século XX são dominadas pelos planos de alinhamento e de melhoramentos que vigoraram no século anterior, tendo aliás a expressão plano de urbanismo aparecido só com o Decreto-Lei n.º 21.697, de 30 de Setembro de 1932, embora ainda concebido apenas como instrumento de previsão de melhoramentos urbanos.
Será Duarte Pacheco o legislador que começará o arranque do moderno urbanismo português, com a elaboração das bases doutrinárias em que ele tem as sentado até aos nossos dias.
Entre 1932 e o fim da Guerra, cria-se o Ministério das Obras Públicas e Comunicações, iniciam-se grandes obras do Estado e aparece a ideia do planeamento urbano ao serviço da racionalização das intervenções estaduais junto dos interesses locais, sem contemporização com os proprietários do solo. Aparecem os planos gerais de urbanização das sedes de concelho e outras localidades, através do Decreto-Lei n.º 24802, de 5 de Dezembro de 1934, depois os planos gerais de urbanização e expansão e os planos parciais de urbanização das sedes de concelho e outras localidades, através do Decreto-Lei n.º 33921, de 5 de Setembro de 1944.
O Plano Geral de Urbanização não deixou marcas no nosso urbanismo.
O artigo 1.º do Decreto, que cria esta figura planificadora, diz que as câmaras devem promover o levantamento de plantas topográficas e elaborar planos gerais de urbanização das sedes dos seus municípios. O legislador nacional exigia-o automaticamente em locais com mais de 2500 habitantes (e em todas as sedes de concelho e centros urbanos ou zonas de interesse turístico, recreativo, climatérico, terapêutico, espiritual ou artístico), o que era excessivo para aos meios técnicos que possuíamos. Outros países, como a Espanha, a França ou a Holanda, apenas o impunham em urbes com mais de 10000 habitantes.
Após a Guerra, a Administração transforma-se em «negociadora» dos terrenos para construção, cedendo aos interesses fundiários. Entre 1946 e 1958, vai-se montando o sistema formal de planeamento urbano, avalizador da especulação, embora sem trazer um real planeamento.
O Decreto-Lei n.º 35931 de 4 de Novembro de 1946, num só artigo, instala um planeamento indefinido e sem fim, que será responsável pelo fenómeno do elevado nível de construção clandestina. É a época dos novos serviços estaduais de urbanização. Tudo começou por se resumir no facto de se considerar pertinentemente que os estudos, que atingiam a fase de anteplano, já definiam as linhas gerais de arranjos urbanísticos, que convinha fazer cumprir até à finalização dos estudos definitivos. Por isso, vinha-se conferir valor vinculativo ao ante-plano, sujeitando o licenciamento municipal a este documento intermédio do plano. Acontece que a prática consagrou a definitividade deste documento. E, ao fim de algum tempo, a fase anterior de esboceto também ganhou foros de autonomia «vinculativa», embora sem cobertura legal, e sem publicidade exigível pela natureza de actos que seriam preparatórios do Plano Geral de Urbanização.
Entre 1946 e 1971, não foi aprovado nenhum plano geral de urbanização. Permitiu-se que as fases de estudo prévio ao plano geral fossem ganhando autonomia operativa, o que não exigia a sua finalização. Do esboceto passava-se para o anteplano sujeito a revisão, do esboceto do anteplano revisto para o anteplano revisto sujeito a remodelação, do esboceto da remodelação do anteplano revisto para o anteplano revisto e remodelado sujeito a alteração, etc..
Os planos municipais de urbanização de áreas territoriais de vários centros urbanos e suas zonas rurais intermédias e envolventes, os planos gerais de urbanização e planos parciais de urbanização das sedes de concelho e outras localidades e os planos de pormenor das áreas sujeitas a plano de urbanização são enquadrados, em 1971, pelos Decretos-Leis n.º 560/71 e 561/71, de 17 de Dezembro.
Só com este diploma de 1971 se retornará à doutrina de Duarte Pacheco, desde a definição de plano até à audiência dos interessados, mediante inquérito. No entanto, o Decreto-Lei n.º 560/71 não deu poder planificador aos municípios, nas áreas rurais que funcionam como seu hinterland.
Quanto aos planos de pormenor, de iniciativa pública, concorrentes dos pro-jectos de loteamento particular, não foram objeto de regulamentação. Mas foram aparecendo figuras sucedâneas para atingir vários fins, como o plano de pormenor de renovação urbana (Decreto-Lei n.º 8/73 de 1.1), o projeto de reconversão de áreas de construção clandestina (Decreto-Lei n.º 804/76 de 6.11), o projecto de aldeamento turístico (Decreto-Lei n.º 14/78 de 12 de Maio) e a proposta de de-limitação de áreas de construção prioritária (Decreto-Lei n.º 152/82 de 3 de Maio).
O regime de urbanização, consagrador das normas referentes a operações de loteamento urbano, aparece no artigo 40.º do Decreto de 1864, enquanto meio de execução do plano geral de melhoramentos, modelado em três formas típicas, correspondentes aos três sistemas clássicos de urbanização, de iniciativa pública (apoiada na expropriação e cobrança do encargo de mais-valia), privada (ligada ao licenciamento municipal de obras e loteamento urbanos) ou mista (apoiada em contratos entre a Administração urbanística e os particulares).
Essas formas são a execução pelo governo, mediante autorização legislativa ou pelas câmaras municipais nos termos do CA, pelas empresas, mediante contrato com o governo (com aprovação pelo legislativo, quando incluíssem apoios financeiros ou isenções fiscais), ou pelos particulares que pretendam edificar nos seus terrenos.
Estes três sistemas existem no tempo de Duarte Pacheco, com a extensão da lógica da colaboração com os particulares a inserir-se na própria elaboração dos Planos Gerais de Urbanização. O texto de 1935, que aprovou as bases da urbanização da Costa do Sol, debruçava-se cuidadosamente sobre os loteamentos.
Em 1944, o aparecimento do Decreto-Lei n.º 33921 veio prever a extensão do plano à expansão da urbanização, precisamente porque as operações de loteamento eram movidas pelo interesse particular de lucrar com o aumento do valor dos terrenos que vão passar a urbanos, o que motivava os privados a atuar com clara preferência por terrenos situados à volta das povoações. E, por isso, os municípios deveriam também poder intervir em termos de planeamento do seu hinterland rural.
Aparecem os planos de expansão, incluindo as zonas rurais de proteção dos aglomerados urbanos.
As operações de loteamento viriam a ser excluídas do ordenamento administrativo através do Código Administrativo de 1936-40.              
A Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização virá a chamar a si a elaboração de planos regionais, cobrindo áreas relativamente extensas, v.g. o plano regional do Algarve, o Plano diretor do Cordão Litoral Norte da Ria de Aveiro, o Plano da Região Centro-Litoral, etc., embora todos sem cobertura legal, à exceção do Plano Diretor de Lisboa.
Depois aparecem os planos de ordenamento concelhio, ou seja, o plano geral de urbanização de área territorial, em 1971, o plano diretor municipal, em 1982 e o plano regional de ordenamento do território, em 1982. O primeiro, territorialmente municipal, mesmo que de elaboração estadual, tem como efeito impedir os municípios de procederem ao planeamento vinculativo das zonas rurais intermédias e envolventes do aglomerado.
Os planos diretores municipais e intermunicipais, abrangendo a totalidade do território municipal, aparecem com o Decreto-Lei n.º 208/82, de 26 de Maio, a Portaria n.º 989/82, de 21 de Outubro e o Decreto Regulamentar n.º 91/82, de 29 de Novembro.
O período da terceira República, até à década de noventa, conviverá com a afirmação da descentralização territorial, sem um sistema planificador que a aplique, continuando a existir um modelo centralizado de planeamento tutelador do poder local, no campo do ordenamento e urbanismo.
Na atual década, tem-se feito um esforço de acentuação do papel dos municípios em obediência ao princípio da autonomia, no tratamento dos questões que envolvam interesses locais, e de reformulação modernizadora de todos os instrumentos legais da ação no domínio do urbanismo, que marca o aparecimento de um novo período na evolução do Direito do Urbanismo, embora infelizmente sem preocupações codificadoras, outrora objecto de tentativas, mesmo que de objetivos relativos. Na década de 30, com Alfred Agache (uso do solo, loteamento, «remembrement» das parcelas, estradas, construção, espaços livres, expropriações, supressão de construções insalubres, protecção de monumentos históricos, naturais, artísticos, etc.).
Na década de 40, com ETIENNE DE GRÖER (projeto de código do urbanismo englobando a regulamentação do zonamento, do loteamento e da cons-trução, embora depois o Regulamento Geral das Edificações Urbanas venha a ignorar o loteamento e a preocupar-se sobretudo com o tratamento do urbanismo, inserido no espírito do urbanismo estético). Nos anos 50, a Comissão Nazaré de Oliveira e o seu Código de Urbanismo - regulamento dos planos de urbanização.
Nos anos 70, a Comissão Gomes de Almeida e o seu código de Urbanismo - bases para uma lei orgânica do ordenamento geral do território e seu planeamento, a Comissão Nuno Portas e a Comissão Gomes Fernandes, que na sequência do Plano de Médio Prazo, para 1977-80, pretendendo levar avante a promulgação de uma lei orgânica do urbanismo, veio em 1978 criar um grupo de trabalho para a elaboração de uma lei-quadro do planeamento territorial e urbano, tratando os princípios gerais, atribuições e competências dos órgãos da Administração Pública, a tipologia dos planos, a metodologia e processo de planeamento, o uso e a transformação do solo, a gestão urbanística e a implementação dos planos, a orgânica da Administração urbanística e a participação das populações.
Hoje, em Portugal, existe uma legislação abundante sobre o ordenamento do território. O sistema de planeamento passou de uma concentração circunscrita às cidades, que prevaleceu até ao início dos anos 70, para uma abordagem territorial mais alargada, iniciada na mesma época e reforçada com a introdução do conceito de Plano Diretor Municipal, no início dos anos 80.
Os progressos realizados por estes planos foram lentos, de qualidade desigual e de eficácia prática variável. Desde o início dos anos 90, o Governo aumentou as pressões sobre as autoridades locais para que estas elaborassem o seu plano.
Daqui resulta a fase de atividade intensa de planeamento que Portugal atravessa.
Podemos sintetizar os elementos mais importantes do sistema, ligado ao cumprimento de normas constitucionais, como a regulamentação da utilização dos solos no interesse de uma localização eficaz das atividades económicas, respeitando o equilíbrio entre o desenvolvimento económico e social e as considerações relativas ao ambiente, mantendo um espírito participativo ao nível da tomada de decisão e respeitando o princípio geral de descentralização.
Há um Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, que engloba atualmente o período 1994-1999, e define as prioridades nacionais, incluindo os objetivos de um desenvolvimento económico equilibrado, de uma melhoria da competitividade e da criação de infraestruturas, os planos regionais de utilização dos solos (Plano Regional de Ordenamento do Território), elaborados pelas delegações a nível regional, que descrevem as políticas gerais de utilização dos solos e fornecem vastas divisões em grandes zonas, baseadas numa estratégia de desenvolvimento equilibrado na zona abrangida pelo plano, um sistema de planos elaborados pelos municípios, composto pelo Plano Diretor Municipal (PDM), que define um esquema diretor que orienta as evoluções das principais utilizações dos solos no território municipal e permite controlar essas utilizações, pelos Planos de Urbanização, que definem uma organização urbana, regulamentam as utilizações dos solos e fixam os parâmetros e coeficientes de utilização dos solos para as diferentes utilizações e os planos pormenorizados (Planos de Pormenor).
Tudo isto, cria uma hierarquia de planos integrados: o PDM está submetido à aprovação do Governo mas, uma vez aprovado, os planos de urbanização e os planos pormenorizados são da competência do município. Eles devem conformar-se com a disciplina que rege o PDM.
Os planos de utilização dos solos devem incluir os programas de investimento do Governo estadual, ou seja, as iniciativas compreendidas no plano de desenvolvimento regional. O novo sistema visa substituir uma tradição de ordenamento centrada na afetação dos solos, mas a recente devolução de competências aos municípios exige a mobilização e a formação rápida de técnicos especializados e, ao mesmo tempo, a criação e implementação de sistemas de informação espacial, ao nível regional e local.
No final de 1993, 38 dos 275 municípios do continente tinham feito aprovar o seu PDM pelo Governo e outros 124, tecnicamente prontos, deviam entrar no processo de aprovação e ratificação. Hoje, o processo chega ao fim, com a cobertura quase total dos municípios por PDM.
Durante esta década, o Governo incitou à sua elaboração, ligando os programas de financiamento à conclusão dos planos diretores municipais e à elaboração de planos estratégicos informais. Uma prioridade do Governo foi fazer acompanhar a cobertura total que os PDM dão ao território, de uma política de consolidação e de reequilíbrio do sistema urbano, baseada em cidades que forneçam os equipamentos e serviços principais fora das zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto e baseada na formulação de planos estratégicos para essas cidades.
Outras leis importantes são as que dizem respeito à utilização dos terrenos agrícolas (Decreto-Lei n.º 451/82, alterado pelo Decreto-Lei n.º 196/89) e a utilização dos terrenos de interesse ecológico (Decreto-Lei n.º 93/90, alterado pelo Decreto-Lei n.º 213/92), a utilização de terrenos florestais ardidos e a utilização dos terrenos baldios. Estas leis são de grande importância para o planeamento regional e local, na medida em que impõem restrições à utilização dos solos. A tónica posta no reforço do sistema de ordenamento do território pretende remediar as tendências persistentes da evolução económica, do desenvolvimento tal como ele se realiza atualmente, assim como as suas consequências.
A luta é contra o ordenamento ilegal das terras, a configurações de desenvolvimento geograficamente desiguais, que favorecem sistematicamente o litoral em detrimento das regiões rurais do interior (onde a população diminui e cujos acessos são medíocres), o papel dominante dos principais centros urbanos (tais como Lisboa e Porto), a competitividade internacional das pequenas e médias cidades, a melhoria dos níveis de acesso no interior de Portugal e no contexto europeu.
O sistema de planificação, detetável no início desta década, subentende a implementação de uma política de ordenamento do território, cujos objetivos principais são os seguintes: fazer do ordenamento do território um quadro de coerência e de compatibilidade das políticas sectoriais e um quadro de referência para a programação das grandes intervenções, que têm um efeito estruturante na organização do território; suscitar a criação de uma rede de centros e cidades de média dimensão, permitindo assim reestruturar e modernizar o sistema urbano; reforçar a competitividade internacional das zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto; promover uma integração espacial na Comunidade, uma internacionalização da base produtiva dos centros urbanos e um desenvolvimento das regiões fronteiriças; revitalizar o mundo rural e valorizar os recursos naturais, reforçando uma rede de centros urbanos capazes de apoiar as zonas rurais; desenvolvendo ações de reconversão dos agricultores graças a uma diversificação das atividades; e assegurando a protecção e gestão racional dos recursos e do património naturais».